Já está nas livrarias a nova edição, revista, do meu romance D. Sebastião e o Vidente, com a chancela da Casa das Letras/Leya. Para festejar o seu 10º aniversário, pois foi em 2006 que a Porto Editora o escolheu para se lançar na ficção, apresentando-o com imensa pompa, brilho e circunstância no Mosteiro dos Jerónimos. Aqui vos deixo a minha Carta ao Leitor, que serve de introdução ao livro.
“La pluma es lengua del alma: cuales fueren los conceptos
que en ella se engendraren, tales serán sus escritos”
(El Ingenioso Hidalgo Don Quijote de La Mancha
Miguel de Cervantes 1605)
Caríssimo
leitor(a)
«D.
Sebastião e o Vidente» foi o meu primeiro romance histórico de longo fôlego, a
obra que a Porto Editora escolheu, em 2006, para iniciar o seu projecto
editorial de ficção. Constitui um marco no percurso da minha escrita, porque, embora
já tivesse publicado sete romances juvenis e dois livros de contos, foi este livro,
premiado e com várias edições esgotadas, que me tornou conhecida como
romancista.
“D. Sebastião e o Vidente” representou não um corte com a obra
anterior, mas um ponto de viragem, uma mudança em termos de objectivos, de destinatários
e de maturidade da escrita. Teve uma longa gestação (cerca de três anos) e um parto
difícil, com muitas versões destruídas. Talvez porque, inconscientemente, a antiga
professora de literatura que ainda me habita se insurgisse contra a liberdade
da escritora e lutasse para impor a sua vontade, ansiosa por partilhar com os
leitores esse tesouro extraordinário de personagens, sucessos e obras do
Renascimento português, que lhe serviram de modelo.
Creio que o
tema do sebastianismo me surgiu de uma visão pessimista de Portugal, do marasmo
do nosso presente e da incerteza do nosso futuro colectivo. Acabávamos de
entrar no terceiro milénio da nossa era, um tempo que se esperava de grande
Descoberta, Progresso e Conhecimento, para maior felicidade do homem; contudo,
no mundo, sopravam cada vez mais fortes os ventos do desencanto, da violência,
da pobreza e da superstição. Portugal, avesso à mudança, continuava à espera de
um D. Sebastião que o viesse salvar do pântano da mediocridade e imobilismo em
que vegetava.
Neste
contexto, assume primordial importância no romance um narrador que dialoga, num registo irónico e crítico, com o leitor/a,
permitindo-lhe estabelecer uma relação de distanciação e/ou proximidade entre
as duas épocas, cotejando o passado com o presente. «A Literatura e a História não
dividem o seu património», afirma uma máxima chinesa, porque uma obra literária
dá sempre testemunho de um determinado tempo, espaço e civilização. E esse
conhecimento é, na minha concepção, a mais-valia do romance histórico.
Assim,
o leitor é convidado a sair do seu tempo pessoal e a mergulhar num outro tempo,
efabulado, porém, recriado a partir de uma rigorosa investigação de fontes
documentais, que se reflecte na contextualização
da acção, da linguagem, das mentalidades, dos lugares e dos costumes do século
XVI.
De igual
modo, as personagens históricas do rei D. Sebastião (o mais desejado e
caluniado de Portugal) e de Miguel Leitão de Andrada (um fidalgote de Pedrógão Grande, com fama de vidente e autor
da Miscelânea, uma das fontes do
romance) são retratadas de forma realista, por vezes crua, mas humanizada, procurando
fazer-lhes a justiça que lhes foi negada. Duas
vidas entrelaçadas pelo Destino, desde o nascimento até ao desastre de Alcácer-Quibir,
que reflectem o espírito da época, esse binómio do idealismo-materialismo,
magistralmente encarnado em D. Quixote e Sancho Pança, de Miguel de Cervantes.
D.
Sebastião é, apesar de todas as esperanças da nação, um órfão privado de
afectos, criado e educado por velhos, como a avó sedenta de poder e o tio
cardeal, ambicioso e fraco. Caprichoso e insolente, cresce atormentado pelos
seus traumas e complexos de adolescente, sublimados nos sonhos de glória de
mancebo visionário, senhor de um poder absoluto (alimentado pela corrupção dos
cortesãos e dos políticos) que o arrasta ao desastre, profetizado pelas
dolorosas visões de Miguel Leitão de Andrada.
E
como todo o autor de romances históricos é por natureza um criador de mitos,
ofereço aos meus leitores uma complexa intriga palaciana, feita de conspiração,
mistério e revelação… que, dez anos depois da sua criação –
uma década preenchida pela trilogia de romances de viagens e descobrimentos, «O
Navegador da Passagem», «O Espião de D. João II» e «O Corsário dos Sete Mares:
Fernão Mendes Pinto» –, surge em nova edição, revista e melhorada, com a
chancela da Casa das Letras/Leya.
Se a leitura
vos proporcionar algumas horas de prazer e contribuir para um melhor
conhecimento deste período da nossa História, o romance terá cumprido a sua
missão e a autora seguirá novo caminho, na senda da sua escrita.
Deana Barroqueiro