20/03/2012

No blogue Satanhoco

Sendo este meu blogue o meio para interagir com os meus amigos leitores, procuro pôr nele os assuntos que mais me agradam ou incomodam, mas também os que esses leitores me enviam, as críticas que me fazem, as impressões sobre os meus livros.
Muitas vezes não conheço os seus autores, que me dizem ser leitores anónimos, mas que não o são para mim; embora não os conheça pessoalmente, há um elo muito íntimo que se estabelece entre mim e os que lêem o que escrevo e o entendem, às vezes até de um modo mais profundo do que eu poderia imaginar e se dão ao trabalho de me comunicarem essas impressões, deixando-me muitíssimo emocionada e grata. Como podem ser anónimos, se conhecem o que de mais profundo sinto e penso, que são os meus livros?

Vem isto a propósito de um dos meus romances preferidos, que teve pouca divulgação - "O Navegador da Passagem", sobre as viagens de Bartolomeu Dias e os reinados cheios de intrigas de D. João II e de D. Manuel - referido por um leitor no seu blogue Satanhoco, cuja crítica, ainda que me possam apodar de narcisista, não posso deixar de transcrever, até pela qualidade da prosa do seu autor e pelo conhecimento que mostra sobre o tema dos nossos aventureiros em África:

Leituras:

"O outro romance histórico sobre Bartolomeu Dias que, há muito, me prendeu trata-se de "O navegador da passagem - a história de um descobridor de mundos que o Mundo ignorou" , da autoria de Deana Barroqueiro (Porto Editora, 2008, 437 págs.). A minha paixão pela escrita de Deana Barroqueiro não me tolda a mente nem me desfoca o sentir lúdico que tenho pelos pontilhados da ponta da sua pena.

"O navegador da passagem" é o romance de um homem amargurado, que se sente injustiçado por, ao ter aberto as portas da estrada aquática da canela, do cravinho e do colorau (mas não tendo franqueado as mesmas) foi forçado a deixar que outros depois de si as passassem e, à premonição da chegada do seu fim, anunciado num cometa quando ia de navegação no Atlântico Sul, revê a sua vida, no muito que deu e no pouco que recebeu.

Deana Barroqueiro, consagrada capitã-mor desta imaginária jornada quinhentista, leva-nos a viajar pelas cortes joanina e manuelina, puros viveiros de intrigas, maledicências e traições, onde tudo era válido pela benesse da proximidade do poder, traçando-nos os perfis de Dom João II e de Dom Manuel I , férreo o primeiro e sortudo o segundo, para além de nos fazer embarcar em naus claustrofóbicas, pútridas e sobrelotadas de anónimos miseráveis que pouco se apercebiam do gigantismo que estavam a construir, naus carregadas de febres, viscosidades e doenças mas, onde no meio deste pantanal de madeirame, era capaz de florir o amor ficcionado da escrava Leonor pelo seu amo.

Bem documentado, pelo que se pode observar pela bibliografia consultada, bem estruturado na sequência narrativa dos factos, e bem encorpado numa linguagem escrita que, atirando-nos por vezes para as expressões da época, torna-se clara quando enquadrada no todo do texto, é mais um livro que lustra as letras portuguesas. Aqui e em qualquer parte do mundo. Por isso, sem complexos e com o à vontade de quem nunca se cruzou com a Autora posso, camonianamente, dizer: "Ditosa Cultura que tal escritora tem".


Satanhoco, 13 de Março

Muito obrigada, caríssimo leitor, pela sua generosidade e pelo prazer que me proporcionou a sua crítica. Bem haja.

13/03/2012

Uma visão economicista e estratégica do AO

Num artigo para um debate sobre o Acordo Ortográfico (AO), no Público de 10 de Março, Vasco Teixeira, administrador e director editorial do Grupo Porto Editora, lamenta que Portugal tivesse adoptado o acordo sem garantir o acompanhamento de Angola e Moçambique. O artigo parece reflectir uma visão economicista e estratégica da Língua Portuguesa em que, embora se fale de “património de valor (quase) incalculável”, se esquece por completo a sua vertente fundamental, que é a cultural.

A propósito das críticas feitas por Angola ao AO, Vasco Teixeira tece algumas considerações que me parecem um tanto ambíguas, na medida em que a sua editora se apressou a adoptar o dito Acordo nos seus manuais escolares e a produzir dicionários com a “nova” grafia (ou língua), muito antes da data oficial para a sua aplicação. Percebe-se a pressa, por razões económicas e de lucro, querendo ser a primeira a pôr os ditos produtos no mercado.

Porém, como Angola e Moçambique, os dois maiores países africanos de Língua Portuguesa não ratificaram o Acordo e escrevem com o português de Portugal, “o tiro parece ter saído pela culatra” aos apressados. Se ambos os países mantiverem a sua posição e continuarem a escrever o português europeu, presumo que as exportações, que devem ser seguramente maiores do que para o Brasil (ou deveriam sê-lo de futuro), vão sofrer muito com este “negócio” da Língua.
E Vasco Teixeira reconhece-o, como se pode ver por estes excertos do seu artigo:

“Estas notícias têm a particularidade de sublinhar a gritante ausência de visão estratégica de quem conduziu o processo do Acordo Ortográfico em Portugal – a reboque de uma eventual harmonização ortográfica com o Brasil, afastámo-nos da África lusófona.
Todos sabemos que a língua portuguesa é um património de valor (quase) incalculável. Infelizmente tendemos a esquecermo-nos da sua efectiva importância económica.

(…) o peso das edições portuguesas nas exportações para aqueles países (Angola e Moçambique) cresceu gradualmente, chegando mesmo a atingir, na primeira década deste século, 1/6 das exportações para Moçambique. Hoje, as principais editoras, com a Porto Editora à cabeça, têm nos maiores países africanos lusófonos importantes investimentos que têm contribuído, por um lado, para o desenvolvimento educacional daqueles países e, por outro, para reforçar os laços culturais e linguísticos com Portugal

Um facto tem de ser constatado: em Angola ou Moçambique não se escreve português como cá (eu diria: “como o que se passou a escrever cá”), o que significa que toda a nossa produção editorial só é exportável para aqueles países se for adaptada à antiga ortografia, com tudo o que isso significa em termos de custos acrescidos. Ou seja, falamos efectivamente a mesma língua, mas escrevêmo-la de forma diferente. Faz sentido?

(…) Não deixa de ser curioso que dependamos dos bons ofícios diplomáticos de Portugal e, em particular, do Brasil para convencer Angola e Moçambique a adoptar o acordo ortográfico e assim preservarmos um património de enorme importância económica e estratégica - a nossa língua.”


Vasco Teixeira quer que Angola e Moçambique ratifiquem o AO para preservar “um património de enorme importância económica e estratégica”.
Eu espero que Angola e Moçambique não o ratifiquem, preservando assim o nosso Património Cultural fundamental, o cerne da nossa identidade, que é a Língua Portuguesa.

A única unificação que me parece útil, senão mesmo necessária, é a terminologia científica, artística, tecnológica, informática e, mesmo assim, evitando os americanismos aberrantes ditados pela aculturação do Brasil, sem qualquer ligação à nossa matriz linguística.

Nota: como não subscrevo o AO, emendei os erros nas citações retiradas do artigo que o Público publicou, a pedido de Vasco Teixeira, no novo português.

11/03/2012

Jornal de Angola condena Acordo Ortográfico

Quando os Países Africanos de Língua Portuguesa a respeitam e acarinham mais e melhor que os governantes do país onde ela nasceu, sacrificando-a aos "negócios", alguma coisa há de errado nisto.
E quando se faz um acordo ortográfico sobre a Língua Portuguesa com apenas dois dos muitos países que a falam, ignorando todos os outros, ainda o erro é maior.
Mas o Brasil pressionou Portugal para assinar o Acordo, porque, ele sim, quer expandir os seus negócios, embora vá continuar a escrever como sempre fez - já no anterior acordo se esteve nas tintas para o acordado. E os nossos governantes obedeceram ao mais forte, com a menoridade que lhes conhecemos.

Será que os negócios com o Brasil terão mais futuro do que os que poderão ser feitos, por exemplo, com Angola e Moçambique, que querem manter a nossa Língua com as suas variantes, tal como ela é? Não me parece.
E os escritores portugueses que defendem este Acordo,fá-lo-ão porque acham que a Língua ganha com ele, ou porque esperam ganhar pessoalmente com publicações no Brasil? Será que vale a pena?

Ainda tenho esperança de que este Acordo Ortográfico, mutilador e aberrante, seja enterrado à nascença como o nado-morto que é, se Angola, Moçambique e os outros países que amam a Língua Portuguesa que é sua, como um Património precioso, mantiverem a sua verticalidade e não o assinarem.

Aqui fica, para quem não leu, o belo e sensível Editorial do Jornal de Angola, que vale a pena conhecer:


Editorial
08 de Fevereiro, 2012

Património em risco

Os ministros da CPLP estiveram reunidos em Lisboa, na nova sede da organização, e em cima da mesa esteve de novo a questão do Acordo Ortográfico que Angola e Moçambique ainda não ratificaram. Peritos dos Estados membros vão continuar a discussão do tema na próxima reunião de Luanda. A Língua Portuguesa é património de todos os povos que a falam e neste ponto estamos todos de acordo. É pertença de angolanos, portugueses, macaenses, goeses ou brasileiros. E nenhum país tem mais direitos ou prerrogativas só porque possui mais falantes ou uma indústria editorial mais pujante.
Uma velha tipografia manual em Goa pode ser tão preciosa para a Língua Portuguesa como a mais importante empresa editorial do Brasil, de Portugal ou de Angola. O importante é que todos respeitem as diferenças e que ninguém ouse impor regras só porque o difícil comércio das palavras assim o exige. Há coisas na vida que não podem ser submetidas aos negócios, por mais respeitáveis que sejam, ou às “leis do mercado”. Os afectos não são transaccionáveis. E a língua que veicula esses afectos, muito menos. Provavelmente foi por ter esta consciência que Fernando Pessoa confessou que a sua pátria era a Língua Portuguesa.
Pedro Paixão Franco, José de Fontes Pereira, Silvério Ferreira e outros intelectuais angolenses da última metade do Século XIX também juraram amor eterno à Língua Portuguesa e trataram-na em conformidade com esse sentimento nos seus textos. Os intelectuais que se seguiram, sobretudo os que lançaram o grito “Vamos Descobrir Angola”, deram-lhe uma roupagem belíssima, um ritmo singular, uma dimensão única. Eles promoveram a cultura angolana como ninguém. E o veículo utilizado foi o português. Queremos continuar esse percurso e desejamos que os outros falantes da Língua Portuguesa respeitem as nossas especificidades. Escrevemos à nossa maneira, falamos com o nosso sotaque, desintegramos as regras à medida das nossas vivências, introduzimos no discurso as palavras que bebemos no leite das nossas Línguas Nacionais. Sabemos que somos falantes de uma língua que tem o Latim como matriz. Mas mesmo na origem existiu a via erudita e a via popular. Do “português tabeliónico” aos nossos dias, milhões de seres humanos moldaram a língua em África, na Ásia, nas Américas. Intelectuais de todas as épocas cuidaram dela com o mesmo desvelo que se tratam as preciosidades.
Queremos a Língua Portuguesa que brota da gramática e da sua matriz latina. Os jornalistas da Imprensa conhecem melhor do que ninguém esta realidade: quem fala, não pensa na gramática nem quer saber de regras ou de matrizes. Quem fala quer ser compreendido. Por isso, quando fazemos uma entrevista, por razões éticas mas também técnicas, somos obrigados a fazer a conversão, o câmbio, da linguagem coloquial para a linguagem jornalística escrita. É certo que muitos se esquecem deste aspecto, mas fazem mal. Numa entrevista até é preciso levar aos destinatários particularidades da linguagem gestual do entrevistado.
Ninguém mais do que os jornalistas gostava que a Língua Portuguesa não tivesse acentos ou consoantes mudas. O nosso trabalho ficava muito facilitado se pudéssemos construir a mensagem informativa com base no português falado ou pronunciado. Mas se alguma vez isso acontecer, estamos a destruir essa preciosidade que herdámos inteira e sem mácula. Nestas coisas não pode haver facilidades e muito menos negócios. E também não podemos demagogicamente descer ao nível dos que não dominam correctamente o português.
Neste aspecto, como em tudo na vida, os que sabem mais têm o dever sagrado de passar a sua sabedoria para os que sabem menos. Nunca descer ao seu nível. Porque é batota! Na verdade nunca estarão a esse nível e vão sempre aproveitar-se social e economicamente por saberem mais. O Prémio Nobel da Literatura, Dário Fo, tem um texto fabuloso sobre este tema e que representou com a sua trupe em fábricas, escolas, ruas e praças. O que ele defende é muito simples: o patrão é patrão porque sabe mais palavras do que o operário!
Os falantes da Língua Portuguesa que sabem menos, têm de ser ajudados a saber mais. E quando souberem o suficiente vão escrever correctamente em português. Falar é outra coisa. O português falado em Angola tem características específicas e varia de província para província. Tem uma beleza única e uma riqueza inestimável para os angolanos mas também para todos os falantes. Tal como o português que é falado no Alentejo, em Salvador da Baía ou em Inhambane tem características únicas. Todos devemos preservar essas diferenças e dá-las a conhecer no espaço da CPLP. A escrita é “contaminada” pela linguagem coloquial, mas as regras gramaticais, não. Se o étimo latino impõe uma grafia, não é aceitável que através de um qualquer acordo ela seja simplesmente ignorada. Nada o justifica. Se queremos que o português seja uma língua de trabalho na ONU, devemos, antes do mais, respeitar a sua matriz e não pô-la a reboque do difícil comércio das palavras.