Sugestão de oferta para o Natal, da crítica de Gastronomia, Alexandra Prado Coelho,
21/12/2020
CRÍTICA DO GASTRÓNOMO FORTUNATO DA CÂMARA NA REVISTA DO EXPRESSO
Colheita gastroliterária de 2020: este é um dos quatro grandes livros de gastronomia do ano
<<O lote de letras gastronómicas deste ano faz-se de quatro castas: literatura, investigação, antropologia e ciência>>
TEXTOS FORTUNATO DA CÂMARA
Quem somos e do que é que gostamos enquanto seres humanos? Como é que as receitas que julgamos serem ‘as de sempre’ nos moldaram a cozinha dita tradicional? Ou porque é que temos a ameixa de Elvas como um património alimentar, ainda que saibamos pouco acerca da sua origem, e as algas nos pareçam tão distantes sendo um alimento quase omnipresente na costa portuguesa? Há perguntas que se calhar nunca fizemos até as vermos formuladas, mas é bom saber que há livros que as tentam esclarecer. O vírus estará mais longe de quem estiver sentado no recolhimento da sua casa, de mente curiosa e a ler um livro com as mãos a exalarem perfume a álcool-gel... A sugestão que se segue talvez funcione como ‘retroviral’.
UMA FESTA SEDUTORA DE PALAVRAS SABOREADAS
O calibre literário da primeira sugestão está intimamente ligado ao percurso da sua autora. Deana Barroqueiro tem um percurso sólido enquanto escritora de romances históricos, e agora com o lançamento desta “História dos Paladares” acrescenta requinte gustativo à sua prosa literária. A obra de fôlego, que ultrapassa as 460 páginas, divide-se em onze capítulos numa ordenação incomum onde se agrupam paladares: Lêvedos / Fintos / Alentadores (Capítulo II); Doces / Melosos / Sacarinos (Capítulo VI); Cremosos / Coalhados / Bolorentos (Capítulo X), só para citar alguns exemplos. O que se verifica é que a autora detalha com humor e deleite um miríade de ‘paladares’ alinhados ao longo da história, baseada numa extensa lista bibliográfica de fontes que surgem no final da obra.
As centenas de textos de pequena e média dimensão vão desfilando intercalados com inúmeras receitas, algumas oriundas de livros conhecidos, sendo outras de recolha livre e popular. O alinhamento dos conteúdos assemelha-se a vórtice informativo que nos impede de interromper a leitura, numa espécie de festim de saberes e sabores que não queremos que termine. Nos subtítulos ora surgem citações de autores célebres ou ditados de cariz popular, muitas vezes num registo bem-humorado.
Algumas rubricas como “Uma História de Pasmar” ou “História da Nossa História” são recorrentes e funcionam como um complemento a um dos ‘paladares’ que está a ser dissecado. Uma dessas histórias de pasmar, como a própria autora a classifica, é “o azeite Herculano” que o escritor Alexandre Herculano produzia na sua quinta em Santarém, e que acabaria por ser premiado em certames internacionais, a ponto de ser alvo da cobiça pela qualidade que tinha. Segundo conta a autora, a empresa Jerónimo Martins & Filho Lda. chegou a falsificar azeite Herculano, comprando depois os direitos de comercialização do azeite ao escritor.
É de um grande banquete gastronómico, repleto de referências históricas, com várias culturas e épocas em pano de fundo que trata esta “História dos Paladares”. Sob a égide da “Sedução”, pois é nesse domínio envolvente que os temas são tratados ao longo da obra, Deana Barroqueiro seduz o leitor a percorrer de forma incessante este seu anunciado Volume I. Quanto ao segundo tomo, que irá ser regido sob a égide da “Perdição”, a autora promete estabelecer a relação entre a gastronomia e as artes. De momento este faustoso repasto de conhecimento promete saciar a curiosidade de muitos.
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