"Gastrónomo é o que sabe comer. O que prefere, e como não, a qualidade à quantidade. Nada de parentesco vocabular ou real com o comilão, o glutão, o gargantão ou viandeiro. Nada. Antes o saboreador, anteposto ao deglutidor. A sensibilidade do gastrónomo está mais na boca e na língua, nos olhos e no olfacto, que no estômago. Comer, para o gastrónomo, é coisa tão sagrada como o sagrado sacrifício da missa para o cristão. Não há nada mais bulidor com a essência divina da besta humana, inteligente e sensível".
(...) "O gastrónomo é o grande maestro. Como ele sabe compor por exemplo essa peça orquestral que é uma caldeirada, em que a fífia de um figurante pode anular uma obra de mestre ou essa rapsódia nacional que é o cozido à portuguesa. Para a cozinha os mais sagrados elementos são colaboradores primários: o sol, a água, o lume, o tempo, o mar, a floresta, a ave, o fruto, tudo invenções de Deus e o Vinho que é invenção dos homens bem dignos de serem nomeados deuses. Mundo inteiro, do pão e do sal, do minúsculo crustáceo ou do pequeníssimo bago de pimenta ao potente boi doméstico e ao indomável javali!"
"A cozinha portuguesa, endeusada por Fialho nos Gatos, verificada a sua existência pelo Ramalho nas Farpas e proclamada revivedora, tónica e maravilhosa urbi et orbi por Eça de Queiroz, dos livros menores ao A Cidade e as Serras, teve em António Bello o seu melhor defensor, o seu cultor apaixonado. A sua obra, fundando a Sociedade de Gastronomia Portuguesa e escrevendo este livro (Culinária Portuguesa), o prova".
Albino Forjaz de Sampaio, no Prólogo de Culinária Portuguesa, 1933
António Maria de Oliveira Bello, aliás Olleboma, foi industrial e mineralogista distinto. E foi gastrónomo ilustre, fundador em 1933 da Sociedade de Gastronomia Portuguesa. "Pertencia infelizmente e devia ter horror a esta geração que não sabe comer e que vive apressadamente, devorada de incertezas e angústias, conhecendo do mundo as estradas e do prazer a superfície".
Escreveu pelo menos dois livros de cozinha, um de culinária internacional e outro de Culinária Portuguesa, de onde passo a tirar a receita original de uma verdadeira ambrósia dos deuses:
Ovos Moles de Aveiro
Tomam-se 500 gramas de açúcar refinado, juntam-se 250 gramas de água e, em estando em ponto de pasta, tiram-se do lume, deixando arrefecer. Juntam-se então 24 gemas de ovos bem limpas das claras, levemente mexidas para ficarem desfeitas, voltandoa o lume, mexendo sempre para não pegarem ao fundo. Estando cozidas e com consistência, junta-se uma colher, das de sobremesa, de canela em pó e deita-se na travessa ou prato de serviço, ou enchem-se pequenos envólucros de massa (obreia). Sendo para enchimento ou revestimento de pães de ló ou para pastéis, deve dar-se a maior consistência possível. Também, se podem juntar 5 a 6 colheres, das de sopa, de doce de gila.