26/06/2013

Respondendo a Miguel de Sousa Tavares

Por Anabela Bragança, uma professora de Coimbra, indignada:
 
 Caro Miguel

Desde já peço desculpa pela familiaridade do trato, mas como nos conhecemos tão bem sinto-me no direito de ser mais tu-cá-tu-lá consigo. Li o seu artigo sem adulteração, aquele do Expresso do último sábado, do dia 15 de Junho de 2013. Escrevo a data completa porque a quantidade de textos que debita poderiam criar na sua cabeça alguma confusão sobre o espaço temporal a que me refiro. Devo dizer que é um texto bem escrito, daqueles que se aprendem a escrever quando se tem uma professora à moda antiga, das que nos ensinam a amar o saber e fazer da vida uma busca continua desse mesmo saber, das que nos ensinam a ter espírito critico, das que nos ensinam a pensar e a usar com racionalidade essa fundamental característica que é uma das que nos distinguem das restantes espécies da Classe Mammalia. Como se deu ao trabalho de fazer uma breve introdução romanceada do seu percurso pelo primeiro ciclo, então escola primária, vou, também eu, essa breve introdução, sem as figuras de estilo que o Miguel usa, porque em mim a escritora não pode florescer por falta não de vocação que essa até tenho, mas de tempo, e a seu tempo entenderá o porquê. Então vejamos, em 1976 entrei na escola primária. A escola que me acolheu, uma das obras positivas do tempo assumidamente autocrático, era linda, branca, com casas de banho que por acaso não funcionavam mas estavam lá, com as paredes preenchidas pelos trabalhos de desenho dos meus colegas mais velhos que a minha arte ainda não se tinha manifestado. Sabe porque é que a minha escola era linda? Porque eu não sou filha de nenhuma escritora, nem nenhum deputado, nunca os meus olhos tinham visto tanto livro junto, e refiro-me a meia dúzia que havia lá pela minha escola de aldeia, longe de Lisboa e do Porto. Sabe Miguel, acredito que pense efectivamente que sabe, ou não tivesse sido aluno da D. Constança, as vivências da realidade são diferentes de ser humano para ser humano, e por isso o quadro feio e negro da escola do Miguel pode ser belo e muito colorido para alguns dos seus colegas de carteira. Mas deixemos isto e continuemos na saga do meu percurso escolar. Tal como o Miguel também na minha escola éramos muitos, tanto que nem me lembro do número, será porque isso nunca foi relevante? É que das pessoas ainda me lembro bem, das brincadeiras também, das aulas também… As duas salas estavam sempre cheias, como um ovo, havia dois turnos de aulas com 4 professoras, duas de manhã e duas de tarde. A mim calhou a D. Maria Isabel, uma mulher linda, com o seu cabelo cinzento e os lábios pintados de uma cor fabulosa, um tom de laranja doce. A D. Maria Isabel acabou de me ensinar a ler, que alguma coisa a minha teimosia já me havia feito aprender. Sabe Miguel, em algumas situações a teimosia é uma característica boa, de tal forma que no final do primeiro período já eu substituía a minha avó na leitura de “O amigo do Povo” às suas comadres analfabetas. Vou agora refrescar-lhe a memória em relação ao que era o primeiro período: - período de tempo que mediava entre Outubro e meados de Dezembro, suponho que entende o que lhe estou a dizer, mas se não informe-se junto de alguns psicólogos e pedagogos credíveis. Abreviando um pouco, e quase para terminar este parágrafo, devo dizer-lhe que a minha professora foi tão boa que em 3 anos resolveu comigo as questões que para muitos se resolviam em 4, e para outros muitos em mais de 4. Tal como a sua, também a minha deixou em mim um apetite voraz para as letras, chamava-me “papa livros” tal era a minha voracidade, e todas as semanas, levava de Coimbra para mim muitos livros. A minha professora Maria Isabel era uma mulher completa com marido, 3 filhos, sendo um surdo-mudo,  pais e sogros. Vivia do seu trabalho e como tal faltou algumas vezes, pois não tinha possibilidades económicas para delegar responsabilidades. Mas sabe o que lhe digo, foram muitos os alunos que mandou para a universidade, que hoje até lêem o que o Miguel escreve com espírito crítico. Neste momento poderia considerá-lo um mentecapto e situar este comentário no seu texto brilhante, mas não o vou fazer, porque o Miguel também teve uma boa professora na escola primária.

Mudando de parágrafo e de assunto, tal como o Miguel, sei que o país está à beira da bancarrota, mas na minha família só o direito ao voto responsabiliza por essa situação, sabe porquê? Nunca nenhum dos meus progenitores ocupou lugar em nenhuma das cadeiras da Assembleia da Republica, por partido nenhum quanto mais por dois e ainda mais relevante, nunca nenhum dos meus progenitores foi ministro. Sinto muito Miguel por ter que lhe lembrar que algumas das responsabilidades da miséria que crassa por esse Portugal fora tem genes que lhe foram a si entregues. Mais ainda, na minha família toda a gente produz, desde tenra idade. Sobre trabalho o Miguel, por certo, teria muito a prender comigo e com os meus.

Voltemos agora ao ainda cerne desta questão, a greve dos professores. Sabe Miguel, depois de ler o seu texto, volto a dizer, sem adulterações, fiquei a pensar se o seu sistema digestivo seria igual ao dos restantes mamíferos. E confesso que esta dúvida já me assaltou algumas vezes frente aos seus escritos. Em relação aos professores o Miguel não sabe nada do que pretende dizer, seria bom e revelador de algumas sinapses activas, que se calasse até conseguir saber sobre o que se pronuncia. Eu sou professora, há já muitos anos, executo a profissão que sempre quis ter, lá por causa da minha rica professora Maria Isabel, e trabalho que me desunho, e não falto, e estou disponível para os meus alunos até para ser mãe. O meu horário semanal (e o da maioria) tem sempre muito mais do que as 40 horas agora na moda, tenho que me preparar, nem sequer para cada ano é mesmo para cada turma, pois são sempre diferentes os alunos e as suas interacções; tenho que os avaliar, e isso exige muito pois sou acérrima defensora da avaliação formativa; tenho que tentar manter-me actualizada pois lecciono uma disciplina das ciências mais vanguardista, e isso requer muito tempo (percebe agora porque não me dedico mais à escrita?). Eles, os meus alunos, que são quem me importa, sabem disso! Acho de uma arrogância tola o Miguel vir pronunciar-se sem saber do que fala. Eu também sou leitora e agora vou aqui falar de um  escritor medíocre que já li. Vou tecer comentários sobre obras e escrita que conheço, não sobre números de origem duvidosa! O Miguel escreve com a qualidade necessária para ser comercial, isto é para ganhar dinheiro, muito por sinal. Quer assumir-se como um Eça? Sabe que está a anos luz, sobra-lhe a capacidade descritiva, mas falha nos pormenores, vou dar-lhe um exemplo concreto: descreve cenas de sexo/amor com minúcia, mas impraticáveis por imposição das leis da física. Tenta ser um critico social, mas o seu azedume natural tira-lhe a graça e a leveza que tornam Eça sempre actual. Poderia continuar mas acho que já consegue perceber onde quero chegar. O Miguel é um escritor medíocre, mas isso não faz com que todos os escritores de Portugal o sejam, repare a sua mãe até ganhou um prémio Camões. Até sei que vai pensar que estou a ser ressabiada, será um argumento de defesa legítima uma vez que o estou a atacar, mas totalmente desprovido de verdade. Entenda o que lhe quero dizer de forma clara, há professores medíocres mas a maioria é bastante boa, empenhada e esforçada. Esta greve serviu apenas para mostrar ao governo que o caminho da mentira e do enxovalhamento público tem que acabar. Os direitos dos alunos estão a ser salvaguardados, é certo que temos menos alunos, mas também é certo que cada ano as turmas são maiores e os problemas sociais, que entram sempre pela sala de aula dentro, são cada vez mais. Sabe Miguel, seria mais proveitoso para os alunos trabalhar em salas com menos crianças/jovens e consequentemente menos problemas do que em salas cheias até à porta. Sabe que assim poderíamos desenvolver o espírito critico desses jovens e aí as coisas mudavam um pouco… Já  imaginou um país em que a maioria dos cidadãos tivesse espírito crítico? Imagina o destino que seria dado aos medíocres? Acha que haveria lugar a tantas PPP’s? Acha que o dinheiro do Estado Social  (faço aqui um parêntesis para lhe dizer o que é o estado social, que eu sustento: EDUCAÇÃO, SAÚDE e SEGURANÇA SOCIAL) seria desbaratinado em manobras  bizarras sem que fossem pedidas contas? Acha que os gestores das empresas públicas que acumulam prejuízos continuariam a ser premiados? Acha que se assistiria a uma classe política corrupta, incompetente e desavergonhada de braços cruzados? Acha que haveria prémio para a mediocridade de textos que vendem como cerejas à beira do caminho? Ai Miguel depois destas questões até o estou a achar inocente… acabei de ficar com aquele sorriso que dou aos meus alunos travessos, mas simples, só que para eles é para os conduzir ao bom caminho, para si é mesmo com condescendência.

Falou no seu texto no estado calamitoso em que se encontram as contas públicas, e sou forçada a concordar consigo, só tenho pena que apenas consiga ver o erro, e lhe falte a coragem para imputar responsabilidades. O país está neste estado por causa dos decisores políticos e dos fazedores de opinião, entre os quais o incluo. A má gestão é que nos levou a este marasmo, não fui eu, nem os meus pais. Desde muito jovem que justifico o que como, foi assim que fui educada, é assim que educo os meus filhos e até os meus alunos, dentro do possível. Da má gestão posso ser responsabilizada por votar, mas sempre o fiz em plena consciência, acreditando que dava o meu voto a um ser humano digno. E continuo a fazê-lo! Quanto aos fazedores de opinião é um problema acrescido, porque esses nascem do nome que carregam, tal como o Miguel bem sabe. Por isso lhe digo em jeito de conclusão, este texto só será lido em blogues, porque o apelido Bragança não me abre as portas dos jornais. Fique bem Miguel e quando não conseguir mais dormir, por ter tomado consciência da sua responsabilidade pessoal no estado em que se encontra o país, não pense logo em suicídio, tome primeiro Valeriana e se não resolver tome Xanax.

Anabela Bragança, professora de Biologia, ainda com alegria e orgulho!

Coimbra, 19 de Junho de 2013

23/06/2013

UNESCO classifica Universidade de Coimbra como Património Mundial

Um belo artigo de Luís Miguel Queirós, no Público, sobre a histórica Universidade de Coimbra, considerada por fim como Património Mundial pela Unesco. Parabéns a Coimbra e Portugal! Os Portugueses necessitam de se orgulhar do seu país e da... sua História, face à mediocridade, ignorância, incompetência e, sobretudo, falta de estima e respeito pela Nação e povo que (des)governam. Se conhecessem algo da sua História passada e riqueza cultural, acumulada ao longo dos séculos, talvez se abstivessem mais de a destruir.
Para ver AQUI:

UNESCO classifica Universidade de Coimbra como Património Mundial
 

20/06/2013

Quem é Maria Aliete Galhoz


Maria Aliete Farinho das Dores Galhoz nasceu em Boliqueime, no ano de 1929. Estudou no Liceu de Faro e licenciou-se em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. É editora literária, poeta e ensaísta. Entre 1953 e 1972 foi professora do Ensino Secundário. Colaborou em pesquisas de Literatura Popular Portuguesa, tema sobre o qual publicou inúmeros estudos e fez várias conferências, no Centro de Estudos Filológicos, juntamente com Lindley Cintra e Viegas Guerreiro, no Centro de Estudos Geográficos, e no Centro de Estudos de Tradições Populares Portuguesas da Universidade de Lisboa. Tem colaboração dispersa nas revistas "Boletim de Filologia", "Colóquio", "O Tempo e o Modo", "Nova Renascença" e em vários jornais. Colaborou e fixou os textos de "Poemas Esotéricos" de Fernando Pessoa em 1993. No campo da investigação da Literatura Tradicional Oral Portuguesa publicou "Pequeno Romanceiro Popular Português" (1977), "Romanceiro Popular Português" (1998), "Memória Tradicional de Vale Judeu" (1996), "Memória Tradicional de Vale Judeu II" (1998), "Romanceiro do Algarve" (2005). Colaborou na edição de "Povo, Povo, Eu te pertenço" de Filipa Faísca em 2000, bem como num conjunto de volumes subordinados ao tema "Património Oral do Concelho de Loulé" em parceria com Idália Farinho Custódio e Isabel Cardigos. Escreveu três livros de poesia: "Poeta Pobre" (1960), "Décima Quinta Matinal Esquecida - "Acto da Primavera" (1967), "Poemas em Rosas" (1985). Em prosa publicou o livro de contos intitulado "Não Choreis Meus Olhos" (1971). Recebeu a Medalha Municipal de Mérito, grau prata, pela Câmara Municipal de Loulé, em 1994. Foi ainda condecorada com o título Doutora Honóris Causa pela Universidade do Algarve (1966) e com o grau honorífico de Grande Oficial da Ordem do Infante D. Henrique (1999).
 

PÁSSARO

Tenho um pássaro
Não canta
Contudo
irrisoriamenmte pássaro
No meu peito...

Pássaro, garganta, ou alvorada
Fios alvacentos
Da manhã

Entre montes...

Não eras tu, rouxinol
Não era a cotovia
Nem a invisível calhandrina...
Era na minha garganta
Fio da memória
Na manhã já alta...

Portanto
Não canta o pássaro
Que tenho em meu peito...
Leiras
Leivas
Veredas
O pulsar da brisa
Hoje...
Pássaro
Alma cantante
Em minha garganta
Finamente acutilada...

Poema dedicado a Irene Lisboa
"Para Irene Lisboa, que escreveu Um dia e outro dia...:
poético amargo/lírico do quotidiano, do frágil quotidiano no
seu frémito de vida, de dor, de olhar, de Beleza igualmente,
dedico como homenagem e afecto antigos."
 
Publicado por Carlos Pereira \foleirices

A MINHA PROFESSORA

Nestes tempos difíceis para os professores, em luta pelos seus direitos, relembro os meus dias de estudante  e penso que se não fosse por Maria Aliete Galhoz, talvez eu não me tivesse tornado professora e escritora...

Ouço dizer a muita gente da minha idade (e até mais nova) que a escola no seu tempo era muito melhor do que a dos seus filhos ou netos, com professores competentíssimos que sabiam dar-se ao respeito e dominavam na perfeição todos os segredos da arte de ensinar, portanto, a anos-luz dos docentes que, nos últimos vinte anos, lhes seguiram as pisadas nas escolas portuguesas.

Tenho de confessar que não foi essa a minha experiência enquanto estudante, quer no ensino oficial quer no privado. Nas aulas, a maioria dos meus professores limitava-se a ler as matérias dos manuais, obrigando-nos a decorá-las e a despejá-las sem reflexão ou espírito crítico, desencorajando qualquer assomo de criatividade do aluno. Em doze anos de aprendizagem conheci talvez quatro professores competentes, dos restantes não lhes recordo os rostos e muito menos os nomes, porque nenhum deles me marcou. Raramente encontrei compreensão, simpatia ou calor humano nessas professoras que não inspiravam respeito, mas apenas medo. Com elas aprendi a ocultar sentimentos, gostos e, sobretudo, pensamentos.

Contudo, apesar da prepotência tantas vezes desumana dos seus docentes, a escola era um lugar onde os menos privilegiados (assaz raros) podiam ter acesso aos livros e, por eles, à cultura, à descoberta e ao conhecimento, mesmo se o acesso à Biblioteca e aos seus livros fosse limitado ou até vedado. E ler e escrever tornaram-se na minha paixão, na minha evasão, na minha liberdade.

Então, no meu penúltimo ano no Liceu D. Filipa de Lencastre, conheci Maria Aliete Galhoz, a professora de Francês. Como por um toque de magia a desconfortável sala de aula transformou-se num mundo fantástico, com janelas para o sistema solar, as galáxias e o Universo inteiro!

De cabelos louros e ainda jovem, a professora tinha uns olhos azuis que nos olhavam com ternura e uma voz doce que nos afagava e me levava a querer cumprir todas as tarefas que nos pedia em vez de exigir. Para nosso imenso espanto, logo nos primeiros dias, fez-nos dispor as carteiras em círculo, criando uma intimidade/cumplicidade connosco que eu jamais julgaria possível (custou-lhe esta ousadia a desconfiança (e mesmo perseguição) das outras professoras que consideravam os seus métodos pouco didácticos ou mesmo perigosos).

Aliete Galhoz não se limitou a ensinar-nos Francês. Foi com ela que aprendi a ver além do olhar, a interpretar um texto para lá dos limites desse texto, a apreciar o tesouro da nossa Língua e a magia das palavras como criaturas do pensamento; foi ela que me fez amar Fernando Pessoa e muitos outros poetas; pela sua mão fui guiada até aos grandes mestres da literatura e pude maravilhar-me com livros que me desvendavam os mistérios da alma humana e da minha própria alma; por ela cheguei à pintura e à música (quase desconhecidas na minha esfera familiar) e o mundo ficou estranhamente belo.

Ela foi a Mestra, a Educadora o Pigmaleão que modelou e animou o meu Ser futuro. Fez-me compreender que, pelo estudo, eu poderia ir sempre além dos meus limites e ultrapassar todos os obstáculos; a sua generosidade e sensibilidade foram o húmus que fez desabrochar a minha mente e o meu sentir e, pela primeira vez eu escrevi os meus textos sem medo e ousei tirar a máscara e pôr a minha alma a nu.  

Aliete Galhoz foi o modelo que eu tentei seguir na minha carreira de professora, para assim lhe pagar uma enorme dívida de gratidão.