12/08/2015

JL - Romance Histórico - Um manancial inesgotável

Artigo em resposta a um questionário sobre o romance histórico, publicado no JL de 5 de Agosto, 2015
 Por que escreve romances históricos? Quais entende serem as principais potencialidades do «género» e como explica o crescentge número de obras publicadas desse «género»? Como conjuga nos seus livros, realidade e verdade histórica (que tipo de investigação faz?) com ficção, que «percentagem» de uma e de outra? É dos que usa o passado para falar também do presente?

O romance histórico, quando feito com seriedade, obriga o autor a um longo trabalho de investigação sobre uma enorme diversidade de temas, potenciando, como nenhum outro género literário, além do prazer da leitura, enriquecimento pessoal e mais-valia ao leitor, pelo conhecimento de um passado colectivo, que é também seu, estabelecendo uma ponte com o presente e o futuro, porque o ser humano e a Humanidade existem e são moldados pelo Tempo e Memória.

Portugal tem uma História das mais ricas da Europa, mas o seu ensino foi tão descurado que a fez quase desconhecida dos portugueses. Sendo, todavia, um manancial inesgotável de épocas, lugares, sucessos, tramas e personalidades maiores que a ficção, cedo serviu de tema para inúmeros autores estrangeiros, quando ainda poucos de nós o fazíamos e quase sem eco nos media. O interesse “vindo de fora” teve o mérito de despertar a apetência do leitor nacional pelo romance histórico e a História em si mesma, o que provocou uma explosão do género por parte das editoras, que inundaram o mercado com milhares de obras de escritores nacionais e, sobretudo, estrangeiros, com o rótulo de “romance histórico”, muitas das quais pouco tendo de histórico e ainda menos de qualidade, pela falta de preparação e investigação (portanto de conhecimento de História) dos seus autores, com o perverso efeito de enganar o leitor, ao misturar o trigo e o joio.
A longa experiência de professora de Língua, Literatura e Cultura Portuguesa e de escrita criativa, aliada ao gosto pela investigação e estudo levaram-me a optar pelo romance histórico, por nele poder conciliar a história, a literatura e o mito, criando em cada livro, a partir de personagens e factos reais dos Séculos XV ao XVII, fundamentados por muitos anos de investigação, uma imensa rede de intertextualidades orais, linguísticas, histórico-documentais, políticas, geográficas, religiosas, profanas, ritualistas, musicais, míticas, narrativas, poéticas, de costumes (do trajo à comida ou aos hábitos sexuais), de Portugal e de outras nações (em particular no período dos Descobrimentos), pondo em confronto culturas e mentalidades, dando voz à alteridade. Ficcionando e imaginando sempre, mas sem ceder à facilidade, usando do maior rigor, exactidão e verosimilhança na descrição dos sucessos e lugares, para que o leitor possa fazer a sua própria recriação dessa época e mundos perdidos.

Procuro estabelecer um equilíbrio entre verdade ficcional e verdade histórica, re-interpretando os factos, pondo em evidência as constantes culturais e identitárias portuguesas, como a saudade e o sebastianismo, distanciando-me da tradição clássica pelo recurso a diversos processos literários, como adequar a estrutura do romance ao conteúdo e às tendências literárias da época, diferente em cada obra, ou jogar com categorias de tempo, espaço e narrador, para surpreender o leitor.
Faço questão de manter um diálogo constante com o meu leitor, assumindo-me algumas vezes como autor-narrador; enquanto defensora do papel interventivo do escritor na sociedade, os meus romances tendem a reflectir esse empenhamento social e cultural na escolha de temas ou de personagens que foram marginalizadas pela história oficial, apesar da sua singularidade e de terem contribuído como poucos para a construção da nossa identidade. Personagens e situações que metaforicamente remetem para o nosso presente, permitindo a quem lê tirar ilações e reagir.

É necessário conhecer o passado para melhor interpretar o presente.
Deana Barroqueiro
(não escrevo segundo o AO)

 

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