Por que escreve romances históricos? Quais entende serem as principais potencialidades do «género» e como explica o crescentge número de obras publicadas desse «género»? Como conjuga nos seus livros, realidade e verdade histórica (que tipo de investigação faz?) com ficção, que «percentagem» de uma e de outra? É dos que usa o passado para falar também do presente?
O romance histórico, quando feito com seriedade, obriga o autor a um longo trabalho de investigação sobre uma enorme diversidade de temas, potenciando, como nenhum outro género literário, além do prazer da leitura, enriquecimento pessoal e mais-valia ao leitor, pelo conhecimento de um passado colectivo, que é também seu, estabelecendo uma ponte com o presente e o futuro, porque o ser humano e a Humanidade existem e são moldados pelo Tempo e Memória.
Portugal tem uma História das mais ricas da Europa, mas
o seu ensino foi tão descurado que a fez quase desconhecida dos portugueses. Sendo,
todavia, um manancial inesgotável de épocas, lugares, sucessos, tramas e
personalidades maiores que a ficção, cedo serviu de tema para inúmeros autores
estrangeiros, quando ainda poucos de nós o fazíamos e quase sem eco nos media. O
interesse “vindo de fora” teve o mérito de despertar a apetência do leitor
nacional pelo romance histórico e a História em si mesma, o que provocou uma
explosão do género por parte das editoras, que inundaram o mercado com milhares
de obras de escritores nacionais e, sobretudo, estrangeiros, com o rótulo de “romance
histórico”, muitas das quais pouco tendo de histórico e ainda menos de qualidade,
pela falta de preparação e investigação (portanto de conhecimento de História)
dos seus autores, com o perverso efeito de enganar o leitor, ao misturar o
trigo e o joio.
A longa experiência de professora de Língua,
Literatura e Cultura Portuguesa e de escrita criativa, aliada ao gosto pela
investigação e estudo levaram-me a optar pelo romance histórico, por nele poder
conciliar a história, a literatura e o mito, criando em cada livro, a partir de
personagens e factos reais dos Séculos XV ao XVII, fundamentados por muitos
anos de investigação, uma imensa rede de intertextualidades orais, linguísticas,
histórico-documentais, políticas, geográficas, religiosas, profanas,
ritualistas, musicais, míticas, narrativas, poéticas, de costumes (do trajo à
comida ou aos hábitos sexuais), de Portugal e de outras nações (em particular
no período dos Descobrimentos), pondo em confronto culturas e mentalidades,
dando voz à alteridade. Ficcionando e imaginando sempre, mas sem ceder à
facilidade, usando do maior rigor, exactidão e verosimilhança na descrição dos
sucessos e lugares, para que o leitor possa fazer a sua própria recriação dessa
época e mundos perdidos.
Procuro estabelecer um equilíbrio entre verdade
ficcional e verdade histórica, re-interpretando os factos, pondo em evidência
as constantes culturais e identitárias portuguesas, como a saudade e o
sebastianismo, distanciando-me da tradição clássica pelo recurso a diversos processos
literários, como adequar a estrutura do romance ao conteúdo e às tendências
literárias da época, diferente em cada obra, ou jogar com categorias de tempo,
espaço e narrador, para surpreender o leitor.
Faço questão de manter um diálogo constante com o
meu leitor, assumindo-me algumas vezes como autor-narrador; enquanto defensora
do papel interventivo do escritor na sociedade, os meus romances tendem a reflectir
esse empenhamento social e cultural na escolha de temas ou de personagens que
foram marginalizadas pela história oficial, apesar da sua singularidade e de
terem contribuído como poucos para a construção da nossa identidade. Personagens
e situações que metaforicamente remetem para o nosso presente, permitindo a
quem lê tirar ilações e reagir.
É necessário conhecer o passado para melhor
interpretar o presente.
Deana Barroqueiro(não escrevo segundo o AO)
Sem comentários:
Enviar um comentário