14/10/2015

Entrevista no Açoreano Oriental

Deana Barroqueiro A escritora falou-nos da nova edição do seu romance histórico, publicado com a Leya, de nome “O espião de D. João II”

“A  nossa  História e Literatura são riquíssimas”

PATRÍCIA CARREIRO - oriano Oriental


Acaba de sair uma nova edição de “O espião de D. João II”. O que nos pode contar sobre o mesmo?
Escrevi uma trilogia de romances sobre os Descobrimentos Portugueses, que é um dos períodos mais fascinantes da nossa História. Iniciei a saga com “O Navegador da Passagem”, que narra, entre outras, as viagens de Bartolomeu Dias até ao cabo de África e o achamento do Brasil, na corte de D. João II e de D. Manuel; seguiu-se-lhe “O Espião de D. João II”, com a odisseia de Pêro da Covilhã e Afonso de Paiva por três continentes, em busca das especiarias e do Reino do Preste João; o 3º da saga foi “O Corsário dos Sete Mares” com as viagens dos portugueses, e em particular de Fernão Mendes Pinto, por terras do Oriente longínquo.
“O Espião de D. João II” é uma reedição, revista e aumentada, porque as três anteriores esgotaram. Pretendi com esta trilogia recriar um dos mais espantosos empreendimentos europeus (na verdade é a 1ª globalização da modernidade), segundo o olhar e as experiências das personagens que a viveram, com muita atenção à contextualização e ao pormenor e dando a cada romance uma estrutura diferente, relacionada com a escrita e tipologia das obras da época, para que o leitor possa fazer uma verdadeira viagem no tempo, na companhia dos seus antepassados.

Diz-se que Pêro da Covilhã é uma personagem da História Portuguesa não muito valorizada. Porquê?
Pêro da Covilhã fez uma das viagens mais extraordinárias do seu tempo. Nos finais do século XV, e durante cerca de seis anos, viajou sozinho (depois da morte de Afonso de Paiva) por três continentes – Europa, África e Ásia –, a fim de espiar e traçar uma derrota por terra até as especiarias da Índia, missão que concluiu com sucesso. Descobriu ainda na Etiópia o reino do Preste João, o mítico imperador cristão do Oriente que toda a Cristandade procurava há mais de 200 anos. Um feito extraordinário, reduzido a uma curta frase e uma data nos livros de História do meu tempo. Foi por ver como este grande homem era injustamente esquecido e desconhecido dos portugueses que o quis trazer à vida. 

Foram necessárias 566 páginas para bem narrar esta história. Qual foi a maior dificuldade que encontrou no seu percurso de escrita?
Não é possível escrever pouco com o tema dos Descobrimentos, que é de uma riqueza e variedade avassaladoras. A dificuldade maior está na escolha dos temas, pois apetece-me contar aos leitores as centenas de histórias que vou descobrindo, na pesquisa de mais de três anos que faço para cada romance, e que me deixam maravilhada.

Viajamos ao Oriente no século XV ao ler este livro. Como pode definir, em breves linhas, esta viagem?
Pêro da Covilhã é uma personagem solar, um grande aventureiro, guerreiro e espião que vai explorar mundos adversos, mas também fazer uma viagem iniciática, uma espécie de “busca do graal”,  que é esse reino do Preste João das Índias. 
Por isso dei ao livro a estrutura de um romance de cavalaria, recriando os mundos estranhos e maravilhosos que este nosso cavaleiro andante vai desvendando e que procuro recriar de forma verosímil, sempre com base nas crónicas e outras fontes históricas do seu tempo e também atuais.

É conhecida por escrever romances históricos. O que a motiva a escrever neste estilo?
O romance histórico sério permite dar ao leitor algo mais do que uma história ou uma intriga, por muito boa que seja. Oferece-lhe uma mais-valia de conhecimento sobre épocas, lugares, costumes, vidas e personagens, que só encontraria em obras académicas. 
O escritor de romance histórico precisa, por isso, de despender muito tempo de estudo, pesquisa e reescrita, isto é, tem de trabalhar muito mais do que se escrevesse uma obra de ficção contemporânea ou de pura fantasia, porque tem o dever de não enganar o leitor e, portanto, precisa de conhecer a fundo a
época e os acontecimentos sobre os quais escreve, desde a comida, aos trajos, sucessos, ideologias, etc.

A História do nosso povo tem sido tema de vários romances. Os portugueses precisam de ser relembrados da sua História?
Sem dúvida: para que passem a admirar mais o que é do seu país e do seu passado coletivo, enquanto povo de uma nação com milénios de existência e não se deslumbrarem tanto com “o que vem de fora”. A nossa História e Literatura são riquíssimas, das mais apaixonantes e antigas da Europa, mas os portugueses conhecem-nas pouco e mal, muitas vezes fazem gala em desprezar aquilo que, no fundo, ignoram. 
Ou têm ideias pré-concebidas e deformadas sobre factos e figuras problemáticas, como D. Sebastião. Espero contribuir um pouco para minorar esse desconhecimento, apesar de as minhas obras serem de ficção, com muita fantasia e não livros de História.

Além de escritora, quem é a Deana Barroqueiro?
Apesar de aposentada, creio que nunca deixarei de ser professora e também uma estudante que não se cansa de estudar e de aprender sempre mais; mas sou, acima de tudo, uma compulsiva contadora de histórias (da nossa História). Sofro de uma espécie de “síndrome de Joana d’Arc”, ou seja, tenho o vício de me bater contra a injustiça e pelas causas perdidas, e fá-lo-ei até morrer, porque o escritor deve ser interventivo na sociedade em que vive. Estabeleço sempre que possível paralelos e comparações entre o passado e o presente, denunciando os erros e os crimes, para que não se repitam. 
Escrever, para mim, é tão necessário como respirar.

Sem comentários: