21/10/2010

As ilustrações das Memórias de Estalo

Caríssimos Leitores

Vem esta prosa a propósito de uma conversa que tive com a leitora e amiga Maria Fernanda Pinto, residente em Paris, sobre as ilustrações de Memórias de Estalo, as quais no texto em papel me serviam de base às "iluminuras" para as letras de início de parágrafos, em que recorri e adaptei iluminuras verdadeiras (de Livros de Horas, por exemplo) ou pormenores de pinturas da época, como os quadros de Bosch.
Maria Fernanda apercebera-se também de que algumas ilustrações retratavam lugares, edifícios ou monumentos que o narrador mencionava durante o seu percurso e que ela desconhecia, sugerindo-me que referisse aos leitores as menos óbvias (o Mosteiro dos Jerónimos e a Torre de Belém não precisam de legenda).
E como, de facto, algumas delas são únicas e podem ter interesse para quem gosta da nossa História, vou repeti-las aqui com uma pequena explicação:

Cap. II - Santos-o-Velho


Nesta pintura - "Os santos mártires Veríssimo, Máxima e Júlia: Desembarque em Lisboa", de Garcia Fernandes (activo 1514-1565), do Museu Carlos Machado -, surge ao fundo o palácio de Santos-o-Velho sendo, segundo creio, a única imagem que temos do edifício original, onde hoje se situa a Embaixada de França que o restaurou.

História das personagens: «O percurso da vida destes mártires, impossível de averiguar com rigor, aparece descrito num códice quatrocentista da Biblioteca Pública de Évora, (cód. CV/1-23d). Segundo a "Legenda", os irmãos lisboneses, Veríssimo, Máxima e Júlia, durante a perseguição de Dioclesiano (imperador romano de 284 a 305 d. C.), apresentaram-se espontaneamente ao executor dos éditos imperiais, confessando a fé cristã. Tentou ele dissuadi-los, com promessas e ameaças e, como nada conseguisse, mandou-os prender. Vitoriosos da prova do cárcere, aplicou-lhes o juiz vários tormentos: açoites, ecúleo, unhas de ferro, lâminas em brasa. Como ainda resistissem, mandou arrastá-los pelas ruas da cidade e, por fim, degolar. Assim alcançaram a palma do martírio a 1º de Outubro de 303 ou 304.
Não contente com o que lhes fizera em vida, perseguiu-os o juiz depois de mortos, ordenando que os cadáveres ficassem insepultos, para servirem de pasto aos cães e às aves. Como as feras os respeitassem, mandou então que os lançassem ao mar com pesadas pedras. Ainda os barqueiros não tinham regressado à praia e já os santos despojos lá se encontravam. Recolheram-nos piedosamente os cristãos e sepultaram-nos no lugar onde depois se erigiu uma Igreja que ainda por memória se chama "dos santos".
Em 1529, a comendadeira D. Ana de Mendonça, mandou colocar as relíquias em cofre de prata, ao lado direito do altar mor, com o epitáfio seguinte: "Sepultura dos santtos martyres S. Verissimo, Santa Maxima & Iulia, filhos de hum senador de Roma, vindos a esta cidade a receber martírio, por revelação do Anjo. Iazem nesta sepultura os seos santos corpos, os quaes há 1350 annos que padecerão & forão trasladados a esta casa onde jazem".
Quanto à naturalidade, nada se costuma afirmar com certeza. Só em época muito recente os hagiólogos os fizeram filhos de um senador romano e os imaginaram em Roma, em colóquio com um anjo que os mandou a Lisboa para confessarem a fé. Esta lenda refletiu-se na iconografia: os três mártires são apresentados em traje e hábito de romeiros, com bordões compridos nas mãos, como pode ver-se num belo conjunto de três imagens, do Século XVII, expostas ao culto na Igreja do extinto Mosteiro de Santos-o-Novo, em Lisboa, que guarda as relíquias dos mártires.»
(Extraído de Hágios da Trindade)

Cap. IV - Da Porta de D. Roque ao Rossio

O Hospital Real de Todos-os-Santos - iniciado por D. João II e continuado por D. Manuel (que lhe ornamentou a porta principal - era considerado um dos mais modernos da Europa e recebia visitas de médicos de todo o mundo. Tinha médico e enfermeiros permanentes e uma ala para doenças venéreas, contraídas nas viagens pelos países exóticos; além de alas separadas para homens e mulheres. Esta fachada era a do Rossio e conjunto de edifícios estendia-se por toda a Praça da Figueira, com jardins de plantas medicinais. Era para ser uma escola de medicina, mas os físicos (teóricos) e os cirurgiões (e barbeiros) que "sujavam as mãos" na prática, não se entenderam e a escola não foi avante. Desapareceu consumido pelas chamas, antes do Terramoto de 1755.


"A construção iniciou-se na manhã de 15 de Maio de 1492 com o lançamento da primeira pedra na presença do Rei D. João II, onde actualmente é o largo do Rossio, tendo a obra ficado a cargo do mestre arquitecto Diogo Boitaca sobre projecto de Mateus Fernandes seu sogro, foi inaugurado em 1501 já no reinado de D. Manuel I, o objectivo era juntar num só edifício os pequenos hospitais espalhados por Lisboa, cidade que na altura tinha 60.000 habitantes, que satisfaziam as populações mais pobres da cidade." (Ver mais Aqui)

Por enquanto, caríssimos leitores, estas imagens são as que têm «vidas» mais secretas e interessantes.
E termino com a pergunta de sempre: Quem é o narrador de Memórias de Estalo?

4 comentários:

DEANA BARROQUEIRO disse...

Maria-Fernanda Pinto disse no Facebook:

Deana, tentei agradecer-te dentro do teu blog, mas como sempre o codigo não é aceite!!! Agradeço-te agora querido "poço de cultura", mais duas coisas que não sabia! Então o narrador não é o "orelhudo"?
jinhos.
nanda
23 octobre 2010, à 09:48

DEANA BARROQUEIRO disse...

Obrigada, Nanda, pelas gentis palavras!

Mas com essa não me levas a desvendar-te o mistério: terás de esperar até ao Capítulo VII.
Bjs.

anónimo disse...

"Segundo a "Legenda""...
Se quer, substitua, pelo menos a palavra entre aspas por "tradição".

Obrigado.

DEANA BARROQUEIRO disse...

Peço desculpa, mas não posso alterar o conteúdo da citação de um texto que não é meu.