10/12/2013

As carpideiras de Mandela

O corpo de Nelson Mandela não deve ter descanso, na celebração oficial das suas exéquias que, se pudesse ter voz, decerto detestaria e recusaria que fizessem dele o pretexto para terem visibilidade e "saírem bem na fotografia" muitos dos grandes actores da política mundial ou das cabeças coroadas, que lhe chamaram terrorista e permitiram que 27 dos melhores anos da sua vida lhe fossem roubados, por ter defendido o seu povo contra o apartheid, o mais abjecto sistema racista.

As lágrimas de crocodilo, os rostos maquilhados de tristeza, as palavras de louvor  e saudade, tão falsas quanto vãs, destas "carpideiras" enviadas pelas nações que o tiveram em listas de terroristas (Estados Unidos), que exigiam em cartazes que fosse enforcado (Inglaterra) ou votaram contra a sua libertação (muitos outros)., e também na própria África do Sul como o bispo Desmond Tutu.

Por vezes é difícil, para quem tem vida longa e memória dela, assistir sem revolta a estes espectáculos circenses de maus actores em encenações grandiosas.

Portugal ficou-se pelas meias-tintas, na votação das resoluções da ONU. Segundo a notícia do Expresso, Em 1987, era primeiro-ministro Cavaco Silva, Portugal votou contra uma resolução das Nações Unidas que pedia a libertação de Nelson Mandela, defendendo o recurso à luta armada, e logo a seguir deu o seu voto favorável a outra proposta que também exigia a liberdade do líder sul-africano, mas sem menção a violência.
No total, contaram-se oito resoluções que a 20 de novembro de 1987 foram a votação na Assembleia Geral das Nações Unidas contra a política de apartheid na África do Sul.
O representante português, Ramalho Ortigão, votou contra a resolução A, que pedia a libertação de Mandela depois de um considerando em que se defendia a luta armada e fez uma declaração de voto explicando as suas reservas.
No mesmo dia, quando da votação da resolução G, a representação portuguesa votou a favor. Um dos seus pontos pedia a "libertação imediata e incondicional de Nelson Mandela a todos os outros prisioneiros políticos", sem outros considerandos.
A aparente contradição é justificada pela declaração de voto apresentada por Portugal em que se pode ler que "a delegação portuguesa (...) reafirma a sua forte objeção e oposição a esta aberrante sociedade baseada no racismo institucionalizado e desigualdade racial", embora lamentando não poder apoiar toda a resolução.
Ler mais: http://expresso.sapo.pt/portugal-votou-a-favor-e-contra-nelson-mandela=f844893#ixzz2n4Cfkwd0

“ENFORQUEM NELSON MANDELA”
Por Mario Magalhães (Via blog do Andre Lux)

“Perdão pelo azedume, em meio aos festejos pelo grupo café-com-leite do Brasil na Copa, a preocupação com o possível oponente duro nas oitavas-de-final e o lamento por Nelson Mandela.

Não deveria, mas ainda me assombro com tanta hipocrisia, como agora, com a morte do velho líder negro sul-africano.

Muitas das bocas que hoje tecem loas à memória do velho combatente são herdeiras históricas daquelas que, com a CIA e numerosos governos alegadamente “democráticos”, no passado nem tão distante, avacalhavam Mandela como subversivo e terrorista.

Nessa época, Mandela era chamado de “terrorista”.

Margaret Thatcher e seus discípulos ainda são celebrados como “a luz que livrou o Reino Unido das trevas”. Se dependesse de alguns thatcheristas, Mandela não teria nem saído vivo da cadeia. É o que lembrei meses atrás, no comecinho do blog.

Em homenagem a Nelson Mandela, reproduzo abaixo o post, documentado com o cartaz. Nem todas as lágrimas na despedida são sinceras.

“ENFORQUEM NELSON MANDELA E TODOS OS TERRORISTAS DO CONGRESSO NACIONAL AFRICANO [ANC, nas iniciais em inglês]. ELES SÃO AÇOUGUEIROS.”


O CNA [ANC] era a organização política antiapartheid à qual Mandela pertencia.


O cartaz acima foi distribuído no Reino Unido no início da década de 1980, quando o líder negro sul-africano ainda amargava a prisão iniciada em 1962. A imprensa o atribuiu à “Federação dos Estudantes Conservadores”, vinculada ao “Partido Conservador” e, sobretudo, à primeira-ministra da época, Margaret Thatcher (1925-2013).

A senhora Thatcher também chamou Mandela de “terrorista”.
 


Mandela não foi enforcado e conquistou a liberdade em 1990. De 1994 a 99, presidiu a África do Sul, consagrando o fim do regime de segregação racial, a despeito da enorme desigualdade social que ainda persiste. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz.

No momento em que Mandela falece aos 94 anos, não custa lembrar que, se dependesse de alguns estudantes britânicos ditos civilizados, ele estaria morto há muito tempo.”

Sem comentários: