Em 1968 um obscuro funcionário público, que falhara três vezes o
exame de admissão à carreira, subia ao poder, nas primeiras, e até
agora únicas, eleições livres alguma vez realizadas na Guiné Equatorial
(GE), então um acidente da história da colónia recém independente de
Espanha. Francis Macias Nguema, um marxista que, mesmo assim, não
hesitava em chamar a Hitler o "salvador de África", era um homem doente,
perseguido por pesadelos, que tinha por hábito fumar marijuana, beber
iboga (com efeitos semelhantes aos do LSD) e jantar sozinho com
fantasmas, com quem conversava longamente. Ficou conhecido como "o
milagre único".
Reinou durante onze anos, tendo distribuído cargos pelos seus familiares. Entre estes estava um sobrinho, o tenente-coronel Teodoro Nguema Obiang, governador militar da Ilha de Bioko e da capital, Malabo, bem como responsável pela famosa prisão Playa Negra, onde eram encarcerados os opositores políticos. Aqui, um dos divertimentos eram as "danças de sábado à noite", em que um prisioneiro era obrigado a dançar à volta da fogueira durante horas, enquanto cantava laudas ao ditador.
Quando se cansava, era espancado com barras de metal incandescente, aquecidas nas brasas. Segundo o historiador Randall Fegley, o atual presidente da GE, Teodoro Nguema Obiang, dirigia, pessoalmente, muitos dos homicídios neste centro de tortura. Mais. Teodoro era para Macias "aquilo que Heinrich Himmler era para Adolfo Hitler".
O Dachau e o Kuwait de África
O regime era então conhecido como o "Dachau de África" e não foi sem satisfação que o resto do mundo assistiu ao golpe de Estado que Obiang liderou contra o seu tio, em 1979. Macias foi julgado e executado - mas por "apenas" 157 assassínios que não implicavam nenhum dos golpistas. Obiang foi recebido de braços abertos pela comunidade internacional, disposta a esquecer o passado em prol de uma promessa de abertura. O rei Juan Carlos de Espanha jantou em Malabo e, em 1981, o país recebeu até a visita de João Paulo II.
Mas a Guiné Equatorial continuou a aparecer nos relatórios das organizações internacionais como um regime pária e ditatorial. Até meados dos anos 90, era tido como um "narco Estado". O general brigadeiro Obiang foi "reeleito", em 1982, 1989, 1996, 2002 e 2009, sempre com percentagens superiores a 97% dos votos - em 2002, um círculo eleitoral conseguiu até atribuir-lhe 103 por cento. Os velhos modos de fazer política não mudaram e Obiang nomeou familiares diretos para os cargos mais importantes - filhos das suas cinco mulheres e familiares próximos ocupam, até hoje, ministérios, direções-gerais, rádios, cargos militares e grandes empresas, apropriando-se da riqueza do Estado. Ao mesmo tempo, silencia opositores políticos, recorrendo à tortura e a execuções.
Com a descoberta de petróleo, em 1996, a cleptocrática oligarquia familiar torna-se numa das dinastias mais ricas do mundo. O país começa a ser conhecido como o "Kuwait de África" e as grandes petrolíferas mundiais - ExxonMobil, Total, Repsol - instalam-se lá.
Obiang é, hoje, um dos dez chefes de Estado mais ricos do planeta - e o ditador há mais tempo no poder. Em 2011, ele tinha, só nos EUA, mais de 700 milhões de dólares em contas pessoais e o seu filho favorito fazia planos para comprar um iate por uns meros 360 milhões, o dobro do orçamento do país para a Educação. A pena de morte está suspensa - condição exigida para que a GE pudesse entrar na CPLP. Mas os opositores políticos continuam a ser presos e torturados e nenhum mecanismo impede as execuções extrajudiciais. O dinheiro, esse, continua a jorrar.
O príncipe, o Rolls e os sapatos azuis
Poucas histórias ilustram esta fantástica riqueza como a de "Teodorin" Obiang, o diminutivo pelo qual é conhecido o ex-ministro das Florestas, vice-presidente e herdeiro do regime. A sua riqueza é conhecida por causa dos processos que lhe foram interpostos na justiça dos EUA, de França e de Espanha, por lavagem de dinheiro e corrupção.
Trata-se de um playboy excêntrico, que gosta de se apresentar como "príncipe", e de fazer uma vida consentânea, entre Paris e os EUA, no seu jato, que usa como se de um táxi se tratasse, e na qual, segundo a Foreign Policy (FP), não faltam festas com acompanhantes de luxo, drogas e até tigres. Na Cidade Luz, é dono de uma mansão de seis andares, na avenue Foch, uma das mais caras da cidade, e tem automóveis avaliados em mais de 40 milhões de euros.
Na Califórnia, é proprietário de uma mansão em Malibu e tem como vizinhos Mel Gibson e Britney Spears. Mas esta não é uma mansão qualquer, mesmo para os padrões locais: são 1 400 m2 de construção, com oito casas de banho e um número igual de lareiras, piscina com vista para o Pacífico, campo de ténis e de golfe - e há 36 carros de luxo na garagem (sete Ferraris, cinco Bentley, quatro Rolls Royce's; dois Maybach...). O príncipe faz questão de pôr todo o pessoal (jardineiros, seguranças, criados) em fila, quando chega e quando parte deste seu "palácio".
O seu antigo motorista, Benito Gialcone, conta que ele pedia os carros de forma a condizerem com a indumentária: "Estou de sapatos azuis, traz-me o Rolls azul"). Certa vez, no Hermitage, fê-lo regressar de táxi à mansão, pois, quando verificou que as pessoas paravam para admirar o seu Bugatti Veyron, quis que fosse buscar o segundo, para que os visitantes do museu soubessem que tinha dois. Trata-se, diz um diplomata americano à FP, "de um idiota imprudente e instável". Mas um com o qual os EUA - e Portugal - terão de lidar, num futuro próximo.
Direitos Humanos: Uma das piores ditaduras de áfrica
Prisões arbitrárias, execuções extrajudiciais, tortura, ausência de liberdade de expressão e de associação. Ausência de tribunais independentes e de Estado de direito, corrupção oficial generalizada. Eleições fraudulentas, restrições à existência de partidos políticos. Violência e discriminação contra crianças, mulheres, gays e pessoas com HIV. Estas são, para o Departamento de Estado dos EUA, algumas das características da Guiné Equatorial.
Área: 28051 km2
Língua: Espanhol
População: 650 000 habitantes
PIB per capita: 24 035 dólares
(Portugal: 20 188 dólares)
78 % vive com menos de um dólar por dia
15% das crianças morrem antes dos 5 anos
1/3 dos adultos morre antes dos 40
(Banco Mundial; OMS)
Reinou durante onze anos, tendo distribuído cargos pelos seus familiares. Entre estes estava um sobrinho, o tenente-coronel Teodoro Nguema Obiang, governador militar da Ilha de Bioko e da capital, Malabo, bem como responsável pela famosa prisão Playa Negra, onde eram encarcerados os opositores políticos. Aqui, um dos divertimentos eram as "danças de sábado à noite", em que um prisioneiro era obrigado a dançar à volta da fogueira durante horas, enquanto cantava laudas ao ditador.
Quando se cansava, era espancado com barras de metal incandescente, aquecidas nas brasas. Segundo o historiador Randall Fegley, o atual presidente da GE, Teodoro Nguema Obiang, dirigia, pessoalmente, muitos dos homicídios neste centro de tortura. Mais. Teodoro era para Macias "aquilo que Heinrich Himmler era para Adolfo Hitler".
O Dachau e o Kuwait de África
O regime era então conhecido como o "Dachau de África" e não foi sem satisfação que o resto do mundo assistiu ao golpe de Estado que Obiang liderou contra o seu tio, em 1979. Macias foi julgado e executado - mas por "apenas" 157 assassínios que não implicavam nenhum dos golpistas. Obiang foi recebido de braços abertos pela comunidade internacional, disposta a esquecer o passado em prol de uma promessa de abertura. O rei Juan Carlos de Espanha jantou em Malabo e, em 1981, o país recebeu até a visita de João Paulo II.
Mas a Guiné Equatorial continuou a aparecer nos relatórios das organizações internacionais como um regime pária e ditatorial. Até meados dos anos 90, era tido como um "narco Estado". O general brigadeiro Obiang foi "reeleito", em 1982, 1989, 1996, 2002 e 2009, sempre com percentagens superiores a 97% dos votos - em 2002, um círculo eleitoral conseguiu até atribuir-lhe 103 por cento. Os velhos modos de fazer política não mudaram e Obiang nomeou familiares diretos para os cargos mais importantes - filhos das suas cinco mulheres e familiares próximos ocupam, até hoje, ministérios, direções-gerais, rádios, cargos militares e grandes empresas, apropriando-se da riqueza do Estado. Ao mesmo tempo, silencia opositores políticos, recorrendo à tortura e a execuções.
Com a descoberta de petróleo, em 1996, a cleptocrática oligarquia familiar torna-se numa das dinastias mais ricas do mundo. O país começa a ser conhecido como o "Kuwait de África" e as grandes petrolíferas mundiais - ExxonMobil, Total, Repsol - instalam-se lá.
Obiang é, hoje, um dos dez chefes de Estado mais ricos do planeta - e o ditador há mais tempo no poder. Em 2011, ele tinha, só nos EUA, mais de 700 milhões de dólares em contas pessoais e o seu filho favorito fazia planos para comprar um iate por uns meros 360 milhões, o dobro do orçamento do país para a Educação. A pena de morte está suspensa - condição exigida para que a GE pudesse entrar na CPLP. Mas os opositores políticos continuam a ser presos e torturados e nenhum mecanismo impede as execuções extrajudiciais. O dinheiro, esse, continua a jorrar.
O príncipe, o Rolls e os sapatos azuis
Poucas histórias ilustram esta fantástica riqueza como a de "Teodorin" Obiang, o diminutivo pelo qual é conhecido o ex-ministro das Florestas, vice-presidente e herdeiro do regime. A sua riqueza é conhecida por causa dos processos que lhe foram interpostos na justiça dos EUA, de França e de Espanha, por lavagem de dinheiro e corrupção.
Trata-se de um playboy excêntrico, que gosta de se apresentar como "príncipe", e de fazer uma vida consentânea, entre Paris e os EUA, no seu jato, que usa como se de um táxi se tratasse, e na qual, segundo a Foreign Policy (FP), não faltam festas com acompanhantes de luxo, drogas e até tigres. Na Cidade Luz, é dono de uma mansão de seis andares, na avenue Foch, uma das mais caras da cidade, e tem automóveis avaliados em mais de 40 milhões de euros.
Na Califórnia, é proprietário de uma mansão em Malibu e tem como vizinhos Mel Gibson e Britney Spears. Mas esta não é uma mansão qualquer, mesmo para os padrões locais: são 1 400 m2 de construção, com oito casas de banho e um número igual de lareiras, piscina com vista para o Pacífico, campo de ténis e de golfe - e há 36 carros de luxo na garagem (sete Ferraris, cinco Bentley, quatro Rolls Royce's; dois Maybach...). O príncipe faz questão de pôr todo o pessoal (jardineiros, seguranças, criados) em fila, quando chega e quando parte deste seu "palácio".
O seu antigo motorista, Benito Gialcone, conta que ele pedia os carros de forma a condizerem com a indumentária: "Estou de sapatos azuis, traz-me o Rolls azul"). Certa vez, no Hermitage, fê-lo regressar de táxi à mansão, pois, quando verificou que as pessoas paravam para admirar o seu Bugatti Veyron, quis que fosse buscar o segundo, para que os visitantes do museu soubessem que tinha dois. Trata-se, diz um diplomata americano à FP, "de um idiota imprudente e instável". Mas um com o qual os EUA - e Portugal - terão de lidar, num futuro próximo.
Direitos Humanos: Uma das piores ditaduras de áfrica
Prisões arbitrárias, execuções extrajudiciais, tortura, ausência de liberdade de expressão e de associação. Ausência de tribunais independentes e de Estado de direito, corrupção oficial generalizada. Eleições fraudulentas, restrições à existência de partidos políticos. Violência e discriminação contra crianças, mulheres, gays e pessoas com HIV. Estas são, para o Departamento de Estado dos EUA, algumas das características da Guiné Equatorial.
Área: 28051 km2
Língua: Espanhol
População: 650 000 habitantes
PIB per capita: 24 035 dólares
(Portugal: 20 188 dólares)
78 % vive com menos de um dólar por dia
15% das crianças morrem antes dos 5 anos
1/3 dos adultos morre antes dos 40
(Banco Mundial; OMS)