Ricardo Salgado, presidente do BES, disse que os portugueses "não querem trabalhar" e que preferem viver à sombra do “subsídio de desemprego”.
A propósito desta "moralista" declaração de
Ricardo Salgado, feita no passado Maio, antes dos escândalos do BES e do
GES, de que era dono e senhor (DDT - Dono De Tudo). lembrei-me de uma
passagem do Sermão de Santo António aos Peixes, de Padre António Vieira, que é de uma actualidade extraordinária. Ora vejam:
"Antes, porém, que vos vades, assim como ouvistes os vossos louvores,
ouvi também agora as vossas repreensões. Servir-vos-ão de confusão, já
que não seja de emenda. A primeira cousa que me desedifica, peixes, de
vós, é que vos comeis uns aos outros. Grande escândalo é este, mas a
circunstância o faz ainda maior. Não só vos comeis uns aos outros, senão
que os grandes comem os pequenos. Se fora pelo contrário, era menos
mal. Se os pequenos comeram os grandes, bastara um grande para muitos
pequenos; mas como os grandes comem os pequenos, não bastam cem
pequenos, nem mil, para um só grande. (...)
Tão alheia cousa é, não
só da razão, mas da mesma natureza, que sendo todos criados no mesmo
elemento, todos cidadãos da mesma pátria e todos finalmente irmãos,
vivais de vos comer! Santo Agostinho, que pregava aos homens, para
encarecer a fealdade deste escândalo, mostrou-lho nos peixes; e eu, que
prego aos peixes, para que vejais quão feio e abominável é, quero que o
vejais nos homens. (...)
O POLVO
O polvo com aquele seu capelo
na cabeça, parece um monge; com aqueles seus raios estendidos, parece
uma estrela; com aquele não ter osso nem espinha, parece a mesma
brandura, a mesma mansidão. E debaixo desta aparência tão modesta, ou
desta hipocrisia tão santa, testemunham constantemente os dois grandes
Doutores da Igreja latina e grega, que o dito polvo é o maior traidor do
mar.
Consiste esta traição do polvo primeiramente em se vestir ou
pintar das mesmas cores de todas aquelas cores a que está pegado. As
cores, que no camaleão são gala, no polvo são malícia; as figuras, que
em Proteu são fábula, no polvo são verdade e artifício. Se está nos
limos, faz-se verde; se está na areia, faz-se branco; se está no lodo,
faz-se pardo: e se está em alguma pedra, como mais ordinariamente
costuma estar, faz-se da cor da mesma pedra.
E daqui que sucede? Sucede
que outro peixe, inocente da traição, vai passando desacautelado, e o
salteador, que está de emboscada dentro do seu próprio engano, lança-lhe
os braços de repente, e fá-lo prisioneiro.
Fizera mais Judas? Não
fizera mais, porque não fez tanto. Judas abraçou a Cristo, mas outros o
prenderam; o polvo é o que abraça e mais o que prende. Judas com os
braços fez o sinal, e o polvo dos próprios braços faz as cordas. Judas é
verdade que foi traidor, mas com lanternas diante; traçou a traição às
escuras, mas executou-a muito às claras. O polvo, escurecendo-se a si,
tira a vista aos outros, e a primeira traição e roubo que faz, é a luz,
para que não distinga as cores.
Vê, peixe aleivoso e vil, qual é a tua
maldade, pois Judas em tua comparação já é menos traidor!"
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