27/03/2016

Miguel Leitão de Andrada, O Vidente

De personagem real a personagem de ficção - o Vidente - no meu romance «D. Sebastião e o Vidente»:

Miguel Leitão de Andrada, natural da vila de... Pedrogão Grande, é uma personagem de vida fascinante, mas quase desconhecida dos portugueses. Guerreiro e escritor, com fumos de vidente, é o autor de Miscelânea, uma obra que retrata os costumes e sucessos de Portugal, nos finais do século XVI e começos do XVII, sobretudo da região onde nasceu.
Fidalgote de província e irmão de Frei João de Andrada, o secretário do Cardeal D. Henrique, vai participar na batalha de Alcácer Quibir, na Ala dos Aventureiros. Com a derrota dos portugueses, Miguel Leitão de Andrada, que se encontra muito ferido, é feito prisioneiro e vendido, pelo seu primeiro amo, na cidade de Fez.
O aventureiro escreve na sua Miscelânea que, sendo já prisioneiro dos Mouros, viu a eI-Rei D. Sebastião, morto, no campo de batalha, embora não tenha tido coragem para se aproximar e lhe ver o rosto:
«O dia depois da batalha, estando eu na tenda com os feridos companheiros Mouros, seria pelas oito ou nove horas da manhã, ouvi em todo o arraial dos Mouros grandes algazarras, festas e disparar de seus tiros. E veio de fóra a mim meu amo, que Abderehamen se chamava e pegando em mim pera me levantar me disse: Abecor Soltan, Abecor Soltan, do que eu nada entendendo, me disse hum dos feridos, que era Mouro dos de Granada: "dize tu Amo, que vayas ver tu Rey, que va por ali ". E levando-me pera detrás da tenda, vejo passar diante de mim, espaço de cinco ou seis varas, o infelicíssimo Rei D. Sebastião muito interissado, de bruços atravessado em huma sela, vestido em hum gibão de Olanda branca, calções de raxa arenosa, em hum cavallinho castanho, e Sebastião de Rezende seu moço da Câmara do serviço nas ancas delle. O qual deveo tirar de sobre as fronhas que então se costumavão, os ditos calções e despir o gibão pera cobrir o corpo do seu Rei que já achou nu, e despojado como logo todos o forão dos Alarves, nem levava camiza nem cousa na cabeça, e pernas, mas pola grande dor, e magoa me não dar jogar, me não cheguei mais a levantar-lhe o rosto, para o ver bem.».
Afirma ainda o autor que vários fidalgos portugueses, prisioneiros na tenda do rei Mulei Hamet para onde o morto foi levado, juraram ser ele EI-Rei D. Sebastião. A notícia do desastre chega a Portugal por uma carta de Miguel Leitão de Andrada a seu irmão Frei João, levada por um mercador castelhano que se encontrava na estalagem de Alcácer-Quibir, onde o árabe a quem Andrada coubera como escravo fora pernoitar. Esta carta foi mostrada ao Cardeal Rei D. Henrique e crê-se que tenha sido a primeira notícia do desastre em Portugal
Passa ano e meio como escravo de um mouro nobre e de sua irmã, que o julgam rico e lhe exigem um resgate de 12.000 cruzados, maltratando-o para o conseguir. É posto a ferros quando tenta fugir, com um dinheiro enviado por Frei João, um dos seus numerosos irmãos.
Quando vê que vai ser torturado, e temendo pela sua vida, o aventureiro português tenta de novo a fuga, desta vez com sucesso, escondendo-se nos campos, fora da cidade, com a ajuda de outros cativos cristãos e, mais tarde, vai encontrar-se, numa taverna da judiaria de Fez, com alguns judeus que lhe preparam a fuga para Portugal. Tinha então vinte e sete anos.
Chega a Portugal em Janeiro de 1580 e vai ser envolvido nas lutas pela sucessão do reino, pois é fidalgo da casa de D. António, o Prior do Crato, filho do infante D. Luís e um dos pretendentes ao trono. O reinado de D. António dura apenas alguns meses, porque Filipe II de Espanha invade Portugal e Miguel Leitão de Andrada coloca-se ao serviço do rei estrangeiro.
Casa três vezes com mulheres de posses, é acusado de assassínio de uma das esposas o que lhe vale cinco meses de prisão, mas continua a ser respeitado e admirado pelos seus contemporâneos, numa espécie de Corte da Aldeia e morre aos 79 anos, a 7 de Setembro de 1632.

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