18/03/2020

Esconjuro dos medos

"Crónicas de Monções e de Marés" Neste tempo de doença e morte, cabe bem o meu poema que introduzia os contos dos alunos, ilustrados com pinturas pelos próprios ou por colegas de Artes. Eram 12 contos, de 12 heróis que correspondiam a 12 mitos e 12 desastres ou tragédias:

Lengalenga dos Medos 

Em dias de nevoeiro, 
Em noites de lua cheia, 
Junto ao Cabo Carvoeiro 
As bruxas tecem a teia, 
Ao som do velho pandeiro 
Cantam sua melopeia: 
Doze horas tem o dia, 
Outras doze tem a noite, 
Sol e Lua dão magia, 
Ouro e prata a quem se afoite.
Na gruta medonha e fria 
E entre os monstros se acoite. 
Doze meses tem o ano, 
Zodíaco doze signos, 
Neste mapa portulano 
Doze desastres malignos, 
Doze heróis no Oceano 
Encontraram seus destinos. 
As bruxas vão remexendo 
Num caldeiro a fumegar, 
Suas rezas remoendo 
Maus filtros de enfeitiçar 
Nas mezinhas vão metendo 
Terra, Fogo, Água e Ar. 
Vinte e quatro diabinhos 
(Doze mais doze a somar) 
Fazem feitos tão maninhos 
Nesta gruta de espantar 
Qu’ os pobres dos marujinhos 
Foram todos naufragar. 
Fortes monções vão sofrendo 
Com as marés a voltear 
Doze contos vão tecendo 
Suas mortes d’assombrar 
Tantos mares percorrendo 
Sem um porto onde arribar. 
Outros seis diabos chegam, 
As penas são a dobrar, 
Na caverna todos pintam 
Malefícios de abrasar 
E os que no mar navegam 
Nunca mais se hão-de salvar. 
A Ursa tem sete estrelas, 
Outras cinco o Cruzeiro, 
Indicando duas delas 
Os Pólos, ao marinheiro 
Que de noite espera vê-las 
E seguir o seu roteiro. 
Mas as bruxas fazem meia 
Com feitiços de luar 
E o canto da sereia 
Já se ouve em alto mar, 
Contra os baixios d’areia 
Lá vão as naus soçobrar. 
Tantos homens perdidos 
E donzelas por casar! 
Tantos lares destruídos 
E órfãos para criar, 
Quanta mulher sem marido 
Fica pela vida a chorar! 

Deana Barroqueiro, 1998

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