O Corsário dos Sete Mares - Fernão Mendes Pinto só vai aparecer nas livrarias a partir do dia do lançamento, 23 de Outubro, 18.30 h., no Padrãos dos Descobrimentos. Contudo, está disponível em pré-venda nas livrarias on-line de 1 a 19 de Outubro.
Em modo de pré-apresentação deixo aqui a minha Carta aos Leitores que me serve de introdução ao romance:
A palavra deve ser vestida como uma deusa e elevar-se como um pássaro
(Provérbio Tibetano)
Caríssimo
leitor/leitora
Nesse século
XVII, a sua obra (de difícil leitura nos nossos tempos) teve uma enorme
repercussão na Europa, com vinte edições em várias línguas, contribuindo para o
conhecimento pelos europeus dos povos do Oriente, dos costumes e mentalidades
de variadíssimas civilizações até então totalmente desconhecidas. Independentemente
das imprecisões e erros cronológicos ou dos exageros e efabulações que
contribuem para o fascínio da Literatura de Viagens, em que se insere a Peregrinação.
Posteriormente,
nos finais do século XIX e também no
século XX, as opiniões dos críticos dividiram-se sobre a importância e o valor do
autor e da sua obra. Os Portugueses seguindo, como é seu hábito, as vozes dos
críticos ingleses – que se esforçam por enaltecer os seus heróis e apagar ou
destruir os das outras nações que lhes foram rivais, em particular o Portugal
dos Descobrimentos –, encarniçaram-se contra a “inveracidade” da sua narração.
O galardão
que lhe ofereceram pela singularidade do seu génio e pela sua obra única – sem
comparação na Europa do seu tempo – foi o chiste que perdurou, denegrindo o seu
nome e o seu trabalho: Fernão, Mentes?
Minto.
No entanto, Fernão
Mendes Pinto faz parte também da Literatura e História de países tão longínquos
como Japão, Birmânia ou Tailândia, surgindo como um dos primeiros portugueses a
tocar solo japonês e o noivo do primeiro
matrimónio de uma japonesa com um ocidental, um caso que servirá de suporte ao
mito da Madame Butterfly, na tradição oral e escrita de cerca de quatrocentos
anos; ou ainda como cronista quase único das guerras da Birmânia com o Sião,
nos finais da década de 1540, que serviram de base para o impressionante filme
histórico A Lenda de Suriyothai, de Chatrichalerm
Yukol (2002) e Francis
Ford Coppola (2003).
Figura
polémica, ele pertence à galeria de personalidades marginalizadas ou
injustamente ignoradas que tenho procurado reabilitar em benefício dos meus
leitores, como Bartolomeu Dias e Diogo Cão em O Navegador da Passagem, Pêro da Covilhã e Afonso de Paiva em O Espião de D. João II e tantos outros
que os Portugueses esqueceram ou desconhecem ainda, substituídos no nosso tempo
por “famosos” de vidas fugazes e vazias.
No entanto, hesitei
sempre em escrever um romance sobre este anti-herói desmesurado, de quem pouco
mais se sabe além daquilo que ele contou na sua Peregrinação, uma vida de contínuas viagens, aventuras e desastres
que davam e sobejavam para outras sete vidas. Embora ninguém pudesse oferecer
melhor exemplo e suporte para se
escrever a saga dos Portugueses no Oriente longínquo, parecia-me uma
tarefa impossível romancear a vida de Fernão Mendes Pinto sem correr o risco de
me colar à sua narrativa, fazendo uma paráfrase ou uma glosa da sua obra.
Como pretendo
que cada um dos meus livros seja diferente dos anteriores, necessito de
experimentar estruturas e processos narrativos distintos, para manter viva a
chama da imaginação e da paixão da escrita que me faz sentir viva e me
alimenta, no intuito de causar surpresa aos meus leitores, permitindo-me o
prazer de um diálogo renovado a cada romance.
À dificuldade
de conciliar as peregrinações de
Fernão por inúmeros mares, ao som da aventura, para mais enredada nos erros de
datas, lugares e acontecimentos (compreensíveis, por estar a contar tais
sucessos quase trinta anos depois de os ter vivido), com a saga dos Portugueses no Oriente – com
que pretendo completar a narrativa dos Descobrimentos que venho fazendo ao
longo das minhas obras –, acrescentei uma estrutura demasiado complexa de
concretizar, mas que, por meio de múltiplas intertextualidades, me permitia alargar
o conhecimento dos meus leitores, espicaçar-lhes a curiosidade e diverti-los. Levando-os, numa viagem no Tempo
e na pele das personagens, ao encontro de mundos antigos e de outros povos, tão
diferentes e ao mesmo tempo tão semelhantes na sua humanidade. Daí a razão para
cada capítulo começar por um provérbio e um texto da época retratada, português
ou dos muitos países visitados e até imaginados, desde o Mar Roxo à Terra
Australis, na busca incessante da mítica Ilha do Ouro.
A divisão do
romance em sete mares, de acordo com as áreas geográficas por onde Fernão navegou,
teve de jogar com mais de uma viagem ao mesmo lugar, feitas em épocas diferentes,
intercaladas com as de outros mares que poderiam estar nos seus antípodas. Por
isso a sua narradora, meu caro Leitor/Leitora, ousa guiá-lo algumas vezes por
entre esses baixios e restingas para que chegue a bom porto, estabelecendo
consigo um diálogo mais cúmplice e íntimo.
Recriando com
fidelidade esses mundos de antanho, sempre através do olhar do visitante,
maravilhado ou repugnado com o que via. Desta forma, certas atitudes, falas e
pensamentos das personagens podem veicular mentalidades e comportamentos que,
nos nossos dias, não podemos deixar de considerar preconceituosos ou mesmo racistas,
mas que no tempo dos Descobrimentos traduziam o ponto de vista próprio do homem
europeu, que se julgava o centro do mundo, dificilmente aceitando o Outro, de
raça ou credo diferentes, como detentor de uma civilização e cultura distintas.
Procurei
manter em Fernão Mendes Pinto, a personagem central do romance, essa
característica picaresca, tão portuguesa, do andarilho aventureiro que, graças
à sua esperteza e expediente (vulgo “desenrascanço”), consegue salvar-se das
situações mais difíceis e perigosas e sobreviver. Contudo, ele é muito mais do
que uma figura de comédia, a sua inteligência e curiosidade, a ânsia de
conhecer o mundo, os sentimentos de piedade e generosidade, o seu espírito
crítico, evidentes na sua obra, dão-lhe uma dimensão humana a que dificilmente
se pode ficar indiferente.
Ele é também
o pretexto para o encontro ou a evocação de outras histórias com “heróis”
conhecidos ou anónimos, cuja grandeza e miséria, tão humanas, construíram o
nosso Passado colectivo, criando os alicerces do nosso Presente e, de algum
modo, marcando também o Futuro dos
Portugueses.
Se o leitor
chegar ao fim do romance com desejos de saber mais destas gentes e da sua saga
no Oriente, será a minha maior recompensa pelos três anos de trabalho que me
levou a fazê-lo. Oxalá…
Deana Barroqueiro
1 comentário:
Que introdução tão sugestiva, Deana.
Parabéns.
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