25/09/2015

No Rasto de Fernão Mendes Pinto - VII

Crónica Sétima: Uma escola num povoado de Myanmar

 Perdido o rasto de Fernão Mendes Pinto e dos portugueses aqui chegados no seu tempo e mesmo dos que vieram depois, como Sebastião Manrique, esmagados pela chuva torrencial da monção, alguns da desbaratada embaixada foram refugiar-se no alpendre de uma escola que mais parecia um armazém de mercadorias, mas de onde saía um coro de vozes de anjos, que me fizeram esquecer a desilusão das ruínas inexistentes e as vestes e corpo molhados até aos ossos.
  Espreitei pela abertura que servia de janela e vi mais de uma centena de crianças, meninos e meninas, sentados em filas de bancos, separados segundo as classes e idades, com diferentes professores, que prosseguiam com as suas lições, indiferentes ao enorme alvoroço que a presença de tantos estrangeiros causava aos seus alunos. Viram-me a espreitá-los e a debuxar a cena para futura memória e sorriram-me e acenaram-me, enquanto   a professora escrevia no quadro frases que pareciam todas feitas só de ós:
Sample text in Burmese (Article 1 of the Universal Declaration of Human Rights)

Não resisti e, chegando-me à porta, fiz uma súplica muda à professora, juntando as mãos ao modo da terra, para que me deixasse entrar para lhe falar. Conversámos por gestos pois ela não conhecia nenhuma das línguas que eu sabia, mas consegui dizer-lhe de onde vinha, que também era professor. Gesticulou informando-me de que tinha aquela classe dos mais pequenos e pouco mais. Desejámos-nos sorte e agradeci-lhe, juntando as mãos diante do peito e curvando-me. 
 
Virei-me para as dezenas de pequenitos  - que, boquiabertos, mantinham os seus belos olhos amendoados fixos em mim,  sem dizerem uma palavra - e saudei-os do mesmo modo que fizera à professora, curvando-me de mãos postas a agradecer.
 
Não se moveram, varados de espanto. Ouvi a professora, atrás de mim, falar com uma ponta de severidade. De imediato, todo o conjunto dos quarenta alunos se curvou na minha frente, unindo as mãos numa carinhosa despedida.
Já não fizeram nada, enquanto não partimos, pois os professores preferiram dar-lhes uma folga momentânea. Vieram ter comigo e rodearam-me, dando-me um papel e pediram-me para escrever na minha língua. Disse-lhes o meu nome repetidamente e escrevi-o no paopel, que desapareceu num engalfinhamento de braços pela  sua posse.
Despediram-se de nós com entusiásticos adeuses. Foi um dos melhores momentos da minha viagem.

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