15/02/2012

História, Medicina e Descobrimentos

Mais uma vez, a propósito do "meu" Fernão Mendes Pinto _ que, entre mil outras coisas, se interessava pela medicina exercida em Portugal e no Oriente, a que recorreu muitas vezes, quer como paciente quer como "médico-barbeiro" _, encontrei bases e provas para a minha incondicional admiração pelo o período dos nossos Descobrimentos.
Não se tratou de um período de barbárie (muito menos bárbara do que a dos nossos concorrentes europeus colonialistas) como afirmam os auto-denominados civilizados, dando-nos apenas crédito por alguns conhecimentos da arte de marear _ o que só por ignorância ou má fé poderão afirmar. Os nossos Descobrimentos foram a fonte de inúmeras descobertas e conhecimento prático nos mais diversos ramos das Artes, das Letras e das Ciências, nomedamente na Medicina.
O que me leva e transcrever aqui, para os meus leitores mais curiosos, uns excertos do artigo de João José Cúcio Frada que descobri na Internet e a quem agradeço este magnífico contributo para a nossa percepção de um país moldado por gente de extraordinário valor, que existiu e continuará a existir e a deixar a sua marca no mundo, mesmo quando outras nações maiores lhe roubam a fama, sem todavia lhe poderem tirar o mérito. Vale a pena ler:

História, Medicina e Descobrimentos Portugueses

"As raízes da nossa presença foram ali [no Japão] tão profundas que o investigador holandês Kleiweg de Zwaan, comentá-las-ia desta forma: «Quanto à arte médica, os portugueses fizeram no Japão um trabalho meritório, especialmente como cirurgiões. Por isso, nós compreendemos também a grande estima que os Japoneses tributam a Portugal por esta acção civilizadora. Ela significa para o Japão um louvável trabalho cultural ao serviço da ciência e da humanidade sofredora» (Aires N. de Sousa, ob. cit.).

Na história moderna da cultura e da ciência, fomos pioneiros em múltiplos campos e realizações, mas, por ironias do destino, esses triunfos só muito raramente foram reconhecidos como feitos portugueses. Como diria Carlos França: «Sempre me surpreendeu a ausência de nomes portugueses na História das Ciências Naturais; conhecendo a orientação científica dos nossos descobrimentos, repugnava-me inteiramente admitir que só a estrangeiros se devesse o que veio a saber-se sobre
a História Natural das terras que fomos os primeiros a pisar e a colonizar» (Luís de Pina, As Ciências na História do Império Colonial Português).

A época dos Descobrimentos foi prolífica de descobertas revolucionárias nos domínios da Botânica, da Toxicologia e da Patologia, englobando esta última grande número de
enfermidades exóticas, estudadas actualmente pela Medicina Tropical.

Sobre o Escorbuto, (...) laceração, úlcera da boca, conhecem-se referências muito antigas. Plínio chamava-lhe «stomacaee», Hwakins, «peste do mar», Young «scorbutus nauticus», Good «porphyra nautica». No século XIII, Joinville (integrado no exército de S. Luís, no Egipto), traça pormenorizadamente esta doença.
De um modo idêntico ao de Joinville, João de Barros, no «Roteiro da Viagem de Vasco da Gama à Índia (1497-1499), editado em 1552, descreve-nos o escorbuto que, em mares
tropicais, flagelou impiedosamente os marinheiros portugueses. Ao mesmo tempo Barros aponta também a cura e as melhoras dos que ingeriram laranjas frescas em Mombaça. Todavia, o autor do Roteiro não parece ter ainda uma noção consciente sobre a acção curativa dos citrinos.
Mas, em 1507, um piloto anónimo, referindo-se no seu diário à viagem de Pedr'Álvares Cabral à Índia, indica-nos claramente que, os «refrescos» oferecidos pelo rei de Melinde aos portugueses eram o remédio eficaz contra esta grave carência vitamínica:
«(...) carneiros, galinhas, patos, limões e laranjas, as melhores que há no mundo, e com ellas sararão de escorbuto alguns doentes que tinhamos connosco» (Luís de Pina, Na Rota do Império – a medicina embarcada nos sécs. XVI e XVII).
Não restam dúvidas que este autor anónimo se adiantou a João de Barros em relação ao conhecimento da eficácia dos citrinos na cura do escorbuto.
Incompreensivelmente, na história da ciência, Balduino Ronsseus (1564) é considerado o mais antigo tratadista de escorbuto.

Sobre o béri-béri, muito antes de J. de Bondton ou Bontins (1642), investigador holandês a quem se atribui a prioridade do seu estudo, as descrições dos portugueses fazem série: Gabriel Rebelo (1569), M. Godinho Eredia (1613), Diogo de Couto (1616),
Pedro de Basto e João de Barros, João Ribeiro (1685) e Ferrão de Queirós.
Segundo Silva Carvalho, o próprio Prof. Jeanselme, autoridade neste assunto, reconhece os portugueses como os primeiros a identificar esta entidade nosológica, uma vez que a sua presença nas colónias foi indiscutivelmente anterior à dos
holandeses.
Cientificamente, porém, não nos é reconhecida tal prioridade, e, só por direito moral a poderemos invocar.

O cólera asiático, designado também por morxi, mal gangético, colerica passio, mordexi, hacaiza, sarna castelhana, etc., doença epidémica na Índia, em 1543, é observado e bem descrito por Gaspar Correia e Garcia da Orta. Este último,
de formação médica, retrata-nos a doença de um modo mais correcto e científico.

A descrição da Filaríase e do respectivo tratamento, observada na «Relação do Reino do Congo» (1578-1587), garante ao seu autor, Duarte Lopes, a primazia científica.
Muito antes de Guilherme de Pison (considerado um dos fundadores da Medicina Tropical), António Galvão (1563) e Gabriel Soares de Sousa (1587), dentre outros escritores peninsulares (Gomara, Oviedo, etc.), deixaram-nos minuciosas descrições
sobre a Pulga penetrante (Pulex penetrans), vulgarmente conhecida em Portugal por «matacanha».
Soares de Sousa, sem formação médica ou científi ca,munido apenas de um espírito autodidáctico e arguto, descreve de uma forma eloquente animais e plantas brasileiros e as suas exposições nada ficam a dever às dos naturalistas e zoólogos
setecentistas, como Buffon, Lineu, Abeville e outros.
Aqueles dois autores portugueses quinhentistas informar-nos-iam, ainda sobre uma enfermidade conhecida por «mal-do-bicho ou xeringosa», rectite epidémica gangrenosa, que Aleixo de Abreu viria a descrever pormenorizada e cientifi camente no seu
«Tratado de las siete enfermedades», publicado em 1623.

No domínio do Ofidismo, Fernão Cardim, Gabriel S. de Sousa e José de Anchieta, registariam também inúmeras informações, algumas delas importantes contributos para o
estudo da Imunidade e da Toxicologia. Antecipadando-se a Redi, quase cem anos, apontam claramente a sede do veneno nos ofídeos, localizado num pequeno dente, dentro da boca desses animais.
Anchieta alude mesmo, de uma forma inequívoca, à imunidade conferida por uma primeira mordedura de cobra venenosa. Na medicina, como em outros campos, a acção dos
portugueses dos Descobrimentos foi um rosário incontável de notáveis feitos, inovações e contributos.".

Frada, J.J.C. — História, Medecina e Descobrimentos Portugueses.
Revista ICALP, vol. 18, Dezembro de 1989, 63-73.

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