15/12/2012

Acontecimentos Literários do Ano de Portugal no Brasil


Alexandra Lucas Coelho, cronista do jornal Público, escreve sobre uma delegação de "novíssimos autores", que o Grupo LeYa com o apoio do Instituto Camões escolheu para uma colecção e “tours” de promoção integrados no Ano de Portugal no Brasil, em Novembro passado. Os primeiros cinco (de dez) “Novíssimos” em que o grupo editorial LeYa investiu  foram  João Ricardo Pedro, Nuno Camarneiro, Sandro William Junqueira, Patrícia Reis e Patrícia Portela.

Ao ler o artigo de Alexandra Lucas Coelho, com citações destes jovens escritores, incluindo o vencedor do Prémio LeYa de 2012, as suas intervenções parecem-me manifestações de infantilismo e de um fraco conhecimento da grande Literatura mundial e dos seus maiores mestres do que rasgos de juventude e originalidade.

Como diz António Guerreiro, no Actual/Expresso de 17 de Novembro, comentando o referido artigo: "No nosso tempo, a juventude tornou-se um padrão comportamental e de consumo, mas desapareceu como categoria de espírito, não tem pretensões históricas (não interrompe nem desvia o curso do mundo) nem metafísicas (tornou-se mero objecto sociológico)." (...) "A ideia de uma metafísica da juventude está ligada a uma geração trágica delapidade pela guerra; os "novíssimos", sem juventude nem metafísica, são também solddados de uma guerra em curso, sem grandeza nem tragédia, mobilizados para a batalha da novidade, com a linguagem que os velhos lhe forneceram, sem nenhuma concepção de História".

Alexandra Lucas Coelho comenta assim a mesa redonda dos Novíssimos Autores Portugueses:

(...) "O programa da festa resumia: “Uma mesa portuguesa com certeza.” A explicação vinha a seguir: “Esta mesa é o marco inaugural, no campo da literatura, do Ano de Portugal no Brasil. Esses autores farão em seguida um tour pelo Brasil. Cada integrante lerá um texto curto sobre o seguinte assunto: o que faz de mim um escritor português? E uns comentarão o texto dos outros (...)

Playboy, Homero, crise

 Não havendo moderador, a também jornalista Patrícia Reis (que na colecção Novíssimos tem “Por Este Mundo Acima”) assume a condução: “Nenhum de nós se chama Manuel, nenhum de nós se chama Maria, nenhum de nós tem bigode…” Serão escritores portugueses ou escritores ponto? “Escritora ponto”, responde Patrícia Portela (“Para Cima e Não Para Norte”). “A geografia é um acidente. A língua talvez não.” Inaugurando o estilo que manterá no debate, João Ricardo Pedro (“O Teu Rosto será Sempre o Último”, Prémio Leya 2012) conta que era “um mau engenheiro e um mau português porque queria ser brasileiro”, que cresceu “a ver ‘Playboys’”, que nunca pensou que um país que já tinha Tom Jobim, Chico Buarque e Pelé “ainda tivesse escritores bons”.
Sandro William Junqueira (“Um Piano para Cavalos Altos”) nasceu na Rodésia, actual Zimbabwe. “Espero nestes dias aqui ter uma consciência melhor do que é ser português.” O seu romance “pode ser em Portugal ou na China”, mas a língua é importante. “Dostoiévski é o meu avô. Clarice Lispector é a minha madrinha de casamento.” João Ricardo interrompe: “Não. É a minha amante.” Sandro insiste: “Não. É a minha madrinha de casamento.”

Patrícia Reis passa a palavra a Nuno Camarneiro (“No Meu Peito não Cabem Pássaros”), apresentando-o assim: “O único entre nós que tem vida sexual activa porque é o único que não tem filhos.” Pausa. “Como é contigo, Nuno, português, escritor…?” Agradecendo quanto à sua vida sexual, ele responde: “Todos os que nascemos ali no rectângulo somos portugueses, uns por inevitabilidade outros por incompetência.” As duas Patrícias trocam o papel de moderadoras, para que Patrícia Reis possa responder também, dizendo que se considera “profundamente portuguesa e europeia”, embora as interrogações universais da literatura a aproximem de “brasileiros, americanos ou israelitas”.
Patrícia Portela, que vive em Antuérpia, casada com um flamengo, e tem uma filha bilingue, diz: “Eu sou russa.” Explica como o seu livro foi escrito em inglês, no contexto de um espectáculo internacional em que a única coisa portuguesa era ela. Quando correu mundo, foi melhor entendido na Rússia. Os russos sentiam que ela lera Púchkin e outros. E lera.

João Ricardo avança para a tirada António Lobo Antunes-“wannabe”-da-tarde”: “Uma das que eu mais gostava era a Bruna Lombardi. Numa novela estava apaixonada pelo Tarcísio Meira. Mas havia um problema. Ele tinha um tumor na cabeça. Sabiam que a todo o momento ele podia morrer. E é isso que nos faz escrever. Se calhar vou ficar aqui num cemitério no Rio de Janeiro. Os escritores anseiam pela imortalidade. O único que conseguiu foi o Homero. Eu quero ser o Homero do século XXI. Quero ser lido daqui a 20 mil anos.”
Sandro atenua: “A vaidade é uma resposta. Mas se calhar [escrever] também é uma salvação.” Nuno confessa: “Admiro o João por conseguir todos os saltos dialécticos partindo das erecções infantis. Eu sinto que estou a escrever para que as palavras me entendam. Quando se lê muito, pensa-se que se tem uma dívida. Quero oferecer alguma coisa.”
Patrícia Portela concorda com Sandro sobre a escrita (“uma salvação”), evocando a teoria mais interessante da tarde: “O caos, o mundo é uma consequência de toques mínimos entre corpos, e quando entra em cena o terceiro corpo tudo pode acontecer.” É também esta Patrícia que fala, já respondendo à plateia, de como a sua geração é “híbrida”, a primeira a trabalhar tanto fora, e de como viver fora enriquece a língua.

A pergunta mais espicaçante vem de Julio Ludemir, o idealizador da FLUPP: quer que falem da crise, mas os cinco começam por desviar o assunto com piadas. Sandro acaba por resumir o negro do momento, falando das contas que tem atrás da cabeça, quando se senta para escrever. “Claro que isso interfere. A minha energia devia estar canalizada para escrever.” Todos concordam que a literatura acabará por absorver este momento.

Em 2013, a LeYa quer levar os outros cinco autores “Novíssimos” a Paraty, em Julho, juntando-se à programação paralela que acontece durante a FLIP.".

(Público, 12-11-2012)
 
 

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