"Considerada pela crítica, uma especialista na difícil arte da escrita do romance histórico, Deana Barroqueiro soube criar o seu próprio estilo.
Os seus romances assentam numa profunda investigação histórica e documental, quer sobre os personagens, quer sobre os acontecimentos.
A narrativa privilegia o realismo, recriando de forma fidedigna, episódios tão distantes no tempo. Faz uma interpretação plural, sem censura, dos diferentes personagens e das diferentes culturas ou civilizações, e dá-nos a conhecer os pensamentos, os costumes e as religiões daquela época.
A paixão pela reabilitação de figuras polémicas da nossa história indevidamente marginalizadas ou injustamente ignoradas, levou a Deana Barroqueiro a romancear a vida de Fernão Mendes Pinto, como já tinha acontecido com Bartolomeu Dias no “Navegador da Passagem”, e Pêro da Covilhã e Afonso de Paiva no “Espião de D.João II”.
Segundo nos dá conta no prefácio do livro, foram inúmeras as hesitações que teve em escrever um romance sobre um anti-herói tão desmesurado, como foi Fernão Mendes Pinto, de quem pouco mais se sabe além daquilo que ele escreveu na sua obra “A Peregrinação”.
Como todos sabem, “A Peregrinação”(1) é uma viagem através da História dos Descobrimentos Portugueses no Oriente, na qual Fernão Mendes Pinto é simultaneamente o autor e o personagem principal. Desde a Etiópia até à China, navegou durante vinte anos, pelos mares (Roxo, da Arábia, Samatra, Japão, China, Java e Sião), onde naufragou, ganhou e perdeu verdadeiros tesouros.
Foi o personagem de fantásticas aventuras, tão fabulosas quanto inacreditáveis, transformando-se num homem dos sete ofícios, tendo sido: criado, soldado, marinheiro, descobridor, mercador, corsário dos mares da China, pedinte, físico e médico ocasional e embaixador. Treze vezes cativo, dezassete vezes vendido, podia ter morrido vinte vezes! Conforme nos conta.
Trinta anos após ter vivido esta epopeia, Fernão Mendes escreve a Peregrinação. Encontrava-se agora junto ao Tejo, estava pobre, desiludido e com saudades dos magníficos episódios vividos nas longínquas paragens do Oriente. Bastante distanciado dos acontecimentos que vivera, é possível que o rigor dos relatos seja prejudicado pela memória ou falseados pela fantasia.
Não faltou, quem pusesse em dúvida a veracidade dos relatos que fez das suas aventuras, por os considerarem inverosímeis e demasiado fantásticos e romanescos. Por isso se brinca com o seu nome. Fernão, Mentes? Minto. Mas, em geral, a veracidade da sua narrativa é real como comprovam as descrições feitas por padres jesuítas, ou os escritos de estudiosos da sua obra, ou ainda os livros de viagens, ou escritos japoneses.
O que mais marca a personalidade de Fernão Mendes Pinto é a sua faceta de anti-herói e de falta de fortuna em que os Fados não lhe permitam ser feliz por muito tempo.
Compara-se a um “pobre diabo”, desprovido do seu orgulho, e conta sem pudor que se lançou aos pés de “vilões” e “safados”, implorando que lhe salvassem a pele.
Mas Deana Barroqueiro valoriza também, em Fernão Mendes Pinto, a característica burlesca, tão portuguesa, do aventureiro que graças à sua esperteza e expediente, consegue sobreviver às situações mais perigosas e difíceis.
Foi também um líder, em quem, os portugueses, seus companheiros de aventura, reconheciam qualidades de liderança, e por isso o seguiam nas decisões que tomava.
Conheceu portugueses filhos da nobreza, que buscavam a honra e o proveito, através das armas, na pirataria, ou mesmo nas armadas de reis muçulmanos.
Encontrou outros portugueses, que eram considerados como desaparecidos, mas que afinal estavam perdidos naquele vastíssimo mundo, a viver entre raças estranhas, sem esperança de virem a ser resgatados um dia.
Cruzou-se com chefes militares, senhores da guerra, capitães, marinheiros, mercadores, criados, escravos…
De todos eles, Fernão Mendes aproveitou sempre para ouvir as histórias das suas vidas, e recolher a informação sobre os povos e terras, para mais tarde escrever a sua “Peregrinação”.
O romance está dividido em sete mares e possui mapas, que facilitam a compreensão geográfica dos mares e territórios, por onde Fernão Mendes Pinto passou.
O facto de cada capítulo começar “por um provérbio e um texto da época retratada”, transporta-nos ao ambiente e mentalidade desse tempo, dando-nos uma imagem da cultura de tantos povos: Abexins, Mouros, Turcos, Batas, Achéns, Malaios, Jaus, Chins, Japões….
A visão da mulher, à luz das culturas, daqueles povos tão diferentes, é também um elemento transversal em todo o romance. A “Alma Feminina” está bem viva através da descrição das paixões e revoltas das mulheres, mas sobretudo no relato que nos faz da força e orgulho demonstrado pelas heroínas.
A estrutura do romance é um encadeado de inúmeras peças, que se entrecruzam de forma complexa, mas cujo resultado final, constitui um todo coerente e equilibrado.
O objectivo como diz a Deana Barroqueiro, é estimular-nos a curiosidade, alargar o nosso conhecimento de forma divertida e surpreender-nos constantemente, enquanto lemos este “Corsário dos Sete Mares”.
(1)- A edição primitiva foi publicada em 1614, trinta e um anos após a morte de Fernão Mendes Pinto
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