22/12/2018

O Crime Intelectual Compensa em Portugal

Exemplar de O Corsário dos Sete Mares com a cinta que informa da adaptação (não-autorizada) do romance ao cinema
O crime  de plágio e de roubo da propriedade intelectual compensa, em Portugal, dando mesmo direito a homenagens ao plagiador e a candidatura a prémios nacionais e internacionais.

Assim, a minha fé na honestidade intelectual, competência e isenção da gente da Cultura e dos Media e dos responsáveis pelas instituições políticas e privadas a ela ligados (que era grande), sofreu um tremendo abalo, neste ano de 2018, de que dificilmente recuperarei. 
O ano termina e eu encerro o caso do plágio de João Botelho, com a sensação de que, na nossa sociedade e, em particular, nos meios culturais onde esperava encontrar maior integridade, vi, pelo contrário, que o crime compensa.
Numa cena com personagens e diálogos inventados por mim, a filha do monteo canta um poema que foi musicado no filme
A mediocridade e falta de conhecimentos dos actuais auto-intitulados «críticos literários» e, neste caso, também de cinema, fazem crítica sem conhecerem as obras. Incluo aqui os que escreveram no Jornal de Letras, num número especial sobre o filme e o realizador, tecendo enormes elogios à adaptação da «obra literária de Fernão Mendes Pinto», mostrando desconhecer a Peregrinação original (que não lessem o meu romance, aceita-se, mas não que considerassem que mais de um terço do filme com as minhas cenas fossem da obra original, como deram a entender, recomendando-o para as escolas).
Poucos se indignaram com a fraude, outros acobardaram-se com medo de «fazer ondas», cerrando fileiras em volta do protegido «membro do seu clube», mesmo sabendo-o fraudulento. 
Batalhei sozinha, numa longa e desgastante luta, e só não me afundei de todo porque tive o suporte de um punhado de grandes jornalistas que se interessaram pelo assunto e tiveram coragem para arrostar com a ira da «vaca sagrada» do cinema português. E o apoio sem reservas dos meus leitores e amigos, a quem agradeço de alma e coração.

Não quero levar esta pesada carga comigo para 2019. Enterro-a aqui hoje.

A cena em que Meng lava as cicatrizes das costas de Fernão Mendes Pinto, que apenas existe no Corsário dos Sete Mares

26/11/2018

Contos Eróticos do Velho Testamento: Agradecimento

Agradeço à editora Planeta, às  duas apresentadoras - Helena Trindade Lopes e Dulce Garcia - e a todos os amigos que vieram festejar comigo a apresentação desta nova edição dos meus Contos Eróticos do Velho Testamento.

Entrevista na revista «Delas»


Deana Barroqueiro: “O jogo da sensualidade é uma maravilha, melhor do que o truca-truca”
Ana Tomás - revista Delas
Lisboa 06/11/2018 - Entrevista com a escritora Deana Barroqueiro , a propósito do livro Contos Eróticos do Velho Testamento (João Silva/Global Imagens )
O movimento #Metoo fez a reputada escritora de romances históricos, Deana Barroqueiro, recuar 15 anos e decidir recuperar para um mesmo volume ‘Contos Eróticos do Velho Testamento’ e os ‘Novos Contos Eróticos do Velho Testamento’. A nova edição, sob o título único do primeiro (‘Contos Eróticos do Velho Testamento’, com edição da Planeta), foi revista e traz um prefácio da poetiza Maria Teresa Horta. Nestes contos, erotismo e violência alternam, reflectindo a condição das mulheres da época a que reportam as narrativas contidas no Velho Testamento, de onde o livro parte. Desconstroem-se mitos e heróis masculinos e desvendam-se as raízes ancestrais da discriminação das mulheres. Não mudámos assim tanto na forma como, enquanto humanidade, olhamos para a sexualidade e a sua vivência pelos géneros, com brutalidade e vitimização a surgirem frequentemente nas complexas equações do erotismo.
Mas há que ter cuidado com os excessos e com os extremismos, avisa a escritora, de 73 anos, em entrevista ao Delas.pt, a propósito do movimento que contextualiza esta reedição. “Acho que o #Metoo tem de ter cuidado, porque senão qualquer dia estamos castradas como antigamente. Na relação de amor entre homem e mulher, entre dois homens ou duas mulheres, o jogo da sensualidade é uma maravilha, melhor do que o truca-truca”, diz sem papas na língua. Nesta entrevista, a escritora fala também da linguagem poética que usou para amenizar cenas mais violentas a que o texto bíblico faz referência, de como as grandes religiões monoteístas formataram e condicionaram a liberdade e os direitos das mulheres e da sua paixão pela história de Portugal. “Quando dizem muito mal dos Descobrimentos, não sabem nada [do assunto], quando começam a falar, vejo logo que não sabem nada, não leram nada”.

Esta é uma reedição de dois livros num só volume – os ‘Contos Eróticos do Velho Testamento’ e os ‘Novos Contos Eróticos do Velho Testamento’. Por que quis, 15 anos depois, das primeiras edições juntar estes dois livros num só volume?  
Esses dois livros já tiveram várias edições, mas sempre relativamente pequenas. Actualmente, o movimento #Metoo fez-me pensar que há 15 anos eu estava a fazer o meu movimento #Metoo sozinha. Sempre me bati contra qualquer tipo de discriminação, sobretudo a das mulheres. E na minha geração batalhámos muito contra isso. Era preciso trabalhar muito mais para conseguir ficar em pé de igualdade, quer no trabalho, quer noutras situações, com o homem. E há uma coisa que sempre me incomodou: as três principais religiões do Ocidente e do Médio Oriente (o Islamismo, o Judaísmo e o Cristianismo) têm uma concepção da mulher muito castradora, sobretudo em relação ao sexo, em relação às sensações das mulheres, que nos leva até à mutilação genital e a toda a brutalidade a que estão sujeitas as mulheres. E essas três religiões e essas concepções vão buscar a sua génese ao Velho Testamento, sobretudo ao livro de Génesis. São dadas como bom exemplo, mas são histórias de muito mau exemplo, onde os homens aparecem sempre como protegidos de Deus, justos, quando são violentos, dominadores, hipócritas, sempre com o nome de Deus na boca para justificarem as brutalidades que fazem. Têm um terror em relação à mulher e uma necessidade de a dominar. E as mulheres são sempre as culpadas de tudo, desde o Pecado Original, em que o homem se deixou tentar; aparentemente, eles pecam, mas elas é que são as culpadas.
Mas a opção de reunir os dois livros num, deveu-se a quê exactamente? 
Eu já tive uma edição em que os contos apareciam cronologicamente e faziam uma espécie de romance – publicados como ‘Tentação da Serpente’ e o ‘Romance da Bíblia’ –, mas perdiam a estrutura que eu lhes quis dar: no primeiro livro, ‘Os Contos Eróticos do Velho Testamento’ são as histórias das mulheres sofridas, as vítimas, e nos ‘Novos Contos Eróticos do Velho Testamento’ são as mulheres que sobreviviam – sendo, às vezes, mais perversas do que os homens. Portanto, neste livro há de novo esse contraponto entre essas mulheres vítimas e vencedoras.
Neste livro, Deus também é retratado como uma figura temperamental e constantemente frustrada com a sua criação – a humanidade – e daí estar sempre a castigá-la. 
Este Deus do Velho Testamento é um Deus feito à imagem dos homens bárbaros de então.
Não é o Homem que é feito à imagem de Deus? 
Não é Deus que cria o homem. As divindades, os deuses são criados pelos homens. Portanto, este Deus é criado à imagem do homem de há 4000 anos. É um Deus cruel, temperamental, que está sempre a desculpar o homem e a culpar a mulher. Segundo a minha concepção de divindade, Deus não podia ser assim. Tinha de ser um ente absolutamente divino, generoso para todos os seres – se é o Criador como é que despreza tanto a sua própria criação, a destrói, de tal maneira lhe impõe tantos castigos, fazendo vítimas inocentes? É absolutamente arbitrário. Como é que podem dizer que aquele livro é sagrado, quando a maior parte das suas histórias, obviamente, são escritas por homens, a partir dos mitos da Mesopotâmia, do Egipto e outros? Basicamente, o meu livro é um livro de contos históricos. Depois, o elo de ligação é esse erotismo, que perpassa através das histórias do Velho Testamento, porque o erotismo devia ser qualquer coisa de delicioso, mas aqueles homens fanáticos queriam repudiá-lo e é através do castigo das mulheres que isso acontece. Eu tentei recriar as histórias dessas tribos, de acordo com aquilo que conhecemos historicamente, através dos documentos – até li um livro de medicina egípcio de há 3000 anos. Li tudo o que consegui apanhar. Foi escrito com o máximo de realismo que consegui dar, através do olhar de uma espécie de cronista ateu, que se limita a contar as histórias, de um ponto de vista feminino.

Deana Barroqueiro é autora de vários romances históricos. Os contos que agora reedita neste “Contos Eróticos do Velho Testamento” tiveram a sua primeira edição há 15 anos [João Silva/Global Imagens]
Como é que converteu aquilo que, como disse, é um erotismo que perpassa no Velho Testamento, em contos efectivamente eróticos, como mostra este livro? 
Eu queria dar uma visão das mulheres daquele tempo, também do ponto de vista de uma mulher. Poucas mulheres têm tido a coragem de falar sobre a sua sexualidade e da sexualidade feminina. Esta é mais falada por homens, que eu acho que não têm assim tanto conhecimento como nós poderemos ter das nossas sensações. E eu quis tratar dessas sensações. As mulheres têm uma capacidade imaginativa enorme.
Mas, como referiu já nesta entrevista e o seu livro também faz notar, esta é uma obra que também mostra muita violência sexual contra as mulheres e que ainda existe, um pouco por todo o mundo. Como é que no meio dessa violência consegue extrair esse erotismo e, ainda mais, do ponto de vista feminino? 
Eu quis pôr todas as mulheres do Velho Testamento, portanto usei outros textos além do livro do Génesis, como os provérbios em que a mulher é muito mal tratada; e o desafio era não esconder nenhuma daquelas violências, embora trantando-as com uma linguagem que fosse poética. Mostrando a situação, mas sem entrar na pornografia. E nas poucas cenas em que realmente há uma relação saudável – e são pouquíssimas, há o lavrador Boaz que é uma figura normal, simpática, sensível – nessas cenas eu descrevo as sensações com maior poesia. Uso a linguagem poética porque também estão ali as minhas sensações. É através dos olhos das mulheres, mas é através do meu olhar também. As sensações humanas são iguais desde o princípio dos tempos, nós podemos verbalizá-las de maneira mais elegante, mais filosófica ou mais intelectual, mas as nossas sensações são as mesmas desde que a primeira mulher olhou para um barbudo, peludo, meio macaco e o achou sexy. É físico, embora depois o cérebro nos pregue grandes partidas.
Um livro como este terá de ter uma vertente de ficção quase em proporção equivalente com a histórica, ou não?
[Risos] Eu fui um bocadinho perversa. Tenho uma Bíblia muito boa, comentada cientificamente pelos [Frades] Capuchinhos, aproveitei essas explicações científicas para as pôr em situação. Depois imaginei essas mulheres num contexto em que não houvesse milagres. Agora a Igreja diz que é tudo simbólico, mas quando eu era miúda e dei catequese, os padres apresentavam aquelas histórias como se fossem reais. Eu procurei, no primeiro conjunto de contos, perceber como é que aquelas mulheres sofredoras viam aqueles patriarcas, aqueles maridos, aqueles amantes. Portanto, são oito patriarcas vistos por nove mulheres diferentes, cada conto é um olhar feminino. O Abraão tem direito a dois, porque é o ‘cafajeste’ maior, vende Sara duas vezes para se salvar da morte, porque como ela é tão bela tem medo que o matem para que fique viúva. E expulsa Agar para o deserto com o filho. Os segundos contos têm mais a ver com casos clínicos.
Como assim? 
Porque, como é que se explica, se não se acreditar nos milagres, como por exemplo, que uma jovem fica possessa do demónio Asmodeu, que se apaixona por ela? Ora casam a menina com um velho, depois o velho morre na noite de núpcias e ela, pela lei do levirato, é obrigada a casar sucessivamente com outros seis homens da família. Isto é uma violência brutal para uma mulher. Na época actual, como é que se explica que uma jovem possa matar sete maridos e continue virgem? Seria uma histérica-esquizofrénica? Fartei-me de ler casos de psiquiatria, para explicar certos comportamentos aberrantes. Como o de Sansão. Sansão, nos filmes de Hollyood, é aquela figura épica e simpática, no entanto tem uma enorme apetência de matar, vê-se que ele provoca até gente inocente para a matar. Há uma série de casos assim, uma série de vigarices e de enganos, que Deus justifica. Esses Novos Contos já são mais irónicos do que propriamente eróticos, embora também tenham erotismo. No último conto do segundo livro, o da Ester, eu já estava fartíssima de pôr cenas de banhos e outras situações eróticas. A imaginação também tem limites. Então surgiu-me uma ideia salvadora: “esta mulher não se despe”. E o conto tornou-se no mais erótico de todos. São truques que as mulheres fazem e as escritoras também [risos]
Lendo o seu livro, conclui-se que, em muitos casos, a humanidade, ou boa parte dela, não mudou muito a maneira como vê o sexo e a sexualidade da mulher. 
Não. Falando da agressão sexual, que não é só física, mas verbal e psicológica. Quando eu era jovem, e eu tenho 73 anos, não havia piropos, havia obscenidades, raramente se ouvia um piropo, os homens diziam-nos coisas ordinaríssimas. Depois era o apalpar. O objectivo era ofender e humilhar a mulher que não podiam ter.
Directa e com um sentido de humor jovial e desarmante, a escritora e antiga professora de liceu é uma defensora da criação de um museu sobre os descobrimentos, que assuma as barbáries mas também as personagens “fabulosas” da história portuguesa [Fotografia: João Silva/Global Imagens]
Na pesquisa para escrever estes contos eróticos encontrou mulheres ou culturas onde as mulheres fossem de alguma forma empoderadas? 
Sim, havia muitas zonas de África em que a sociedade era matriarcal e elas tinham muita força. A rainha Ginga em Angola, por exemplo, ou noutro contexto as persas e as indianas, antes do domínio do islamismo. Havia sociedades em que se via essa força e importância das mulheres, como guerreiras, estando ao lado dos homens [noutras actividades] que depois se perdem completamente com o islamismo. Quando os muçulmanos, que também dominaram os povos pela violência (e não apenas pelo comércio), ao imporem o islamismo, foram colocando as mulheres nesse segundo ou terceiro plano.
Como é que se escrevem contos eróticos sem confundir erotismo com pornografia, sobretudo, num contexto temporal como o do Velho Testamento? Às vezes, a fronteira pode ser ténue.
É. Há duas ou três cenas que são tórridas, mas a ideia era é essa [diferenciar], porque o erotismo não é pornografia. Por isso eu também acho que o #Metoo tem de ter cuidado, porque senão qualquer dia estamos castradas como antigamente. Na relação de amor entre homem e mulher, ou entre dois homens ou duas mulheres, o jogo da sensualidade é uma maravilha, melhor do que o truca-truca. Como digo aos miúdos, quando vou a uma escola e eles me perguntam sobre isso, truca-truca fazem os bichos, o jogo da sedução, sentir a flor da pele, olhar nos olhos, o toque, o namoro, tudo isso é uma maravilha. Normalmente, os miúdos estão muito obcecados por ir para a cama e perdem todo o jogo da sedução. Antes do 25 de Abril, aqui em Portugal, as mulheres não beijavam homens, toda a gente se beija actualmente. Se for beijar um jovem estou a cometer uma agressão sexual? Não estou, estou a beijá-lo como se ele fosse um filhote ou um neto. Não se pode destruir isso e os exageros, os fundamentalismos, às vezes, são desgraçados, tal como o politicamente correcto.
Mas por vezes há uma confusão de conceitos entre o que é violência sexual, de assédio e depois entre o assédio e a sedução, tal como há entre piropo e obscenidade. Não acha que #Metoo também veio um pouco pôr o dedo na ferida sobre isso e pôr as pessoas a pensar sobre isso? Sim. Qualquer pessoa tem direito a dizer não e o indivíduo tem de parar. Há ocasiões, e as feministas ficam muito furiosas quando se diz que alguém ‘pôs-se a jeito’, mas é um facto, às vezes “pôs-se mesmo a jeito’ e, ao longo dos tempos, a mulher usou a sexualidade e o corpo para subir na vida. Quando olhamos para o cinema americano, ninguém fechou as actrizes numa casa de banho e as violou. Isso é outra coisa. Houve também as que queriam um papel num filme, porque queriam subir na carreira. Como diz a Maria Teresa Horta, nós inauguramos uma era em que se subia na vida pelo talento e trabalho, não de costas numa cama. Dormir com o chefe? Apostava-se o emprego, mas podia-se dizer não. Perdia-se o emprego. Isso é um risco, mas é uma escolha. Quando se calam, quando recebem dinheiro e 30 anos depois é que vão falar disso, guardam os vestidos com sémen e depois dizem que foram violadas, numa ocasião que dê jeito? Eu essas coisas não aceito, porque depois mete-se tudo no mesmo saco e a verdadeira tragédia e a verdadeira canalhice deixa de ter a visibilidade que devia ter. E eu sou visceralmente contra a violação e contra a violência sobre as mulheres.
Nasceu nos Estados Unidos da América, embora tenha vindo para Portugal muito pequena. Acompanha, ainda assim, com especial interesse o que se vai passando lá? 
Sim. Tenho família na América, tenho duas sobrinhas e duas sobrinhas-netas também. E elas são todas activistas, por isso vejo com muito interesse.
As mulheres assumiram, em muitos casos, a dianteira dos protestos contra Donald Trump. A manifestação da Women’s March, pouco depois da tomada de posse como presidente, foi exemplo disso. Nas últimas eleições intercalares, as mulheres também fizeram história… 
Pois, isso é muito importante. A América é feita de contrastes e isso, em certa medida, fascina-me. Trump realmente encarna tudo aquilo que é de mais primário, mais primitivo. Ele lembra-me muito uma figura do Velho Testamento, embora transposto para uma época moderna.
Voltando às religiões. São as únicas responsáveis pela matriz cultural que impõe discriminações ou desigualdades entre os sexos, não há outros motivos? 
Há outros motivos, a própria civilização, a civilização patriarcal, há montes, montes de razões. Mas a religião formatou-nos, durante séculos. Não é Deus, não estou contra um Deus em que as pessoas acreditam. As pessoas precisam de Deus e da religião. É o mau uso da religião feita pelos homens, que eu combato.
O que é que ainda a fascina na história de Portugal? Sobre que mistérios é que gostaria de escrever? 
São tantos, eu não tenho é idade para os fazer todos. Comecei muito tarde, comecei aos 55 anos. A nossa História é riquíssima, puxa-se uma personagem ou um sucesso e vêm atrás outras 50 figuras fabulosas. Eu não sei como é que os portugueses dizem tanto mal de Portugal. Acho que desconhecem o seu próprio país. A ignorância é muito atrevida. Quando dizem mal dos Descobrimentos, a maioria dos críticos desconhece esse período, quando começam a falar, vejo logo que não sabem nada, não leram nada ou leram umas coisas na internet e já se acham uma grande autoridade. “Fomos esclavagistas”. E toda a parte científica, toda a parte das relações que nós vamos encontrar no mundo ainda, os vestígios da nossa passagem, a maneira como falam dos portugueses, como não se fala dos espanhóis. Eu tinha de dizer no México que era portuguesa, porque quando falava espanhol não me respondiam ou respondiam de forma bruta. Assim que dizia que era portuguesa o tom mudava completamente. A história da Tailândia, a história daqueles povos do Oriente, antes de os portugueses irem para lá era uma história oralizada, mítica. Os portugueses, como o Fernão Mendes Pinto, é que escreveram a história daqueles povos. Quando os muçulmanos começaram a espraiar-se por essas zonas, foram apagando toda a influência portuguesa e, depois, reescreveram a história, o que nos faz lembrar aquele documentário que a Al Jazeera cortou. É pôr os portugueses como vilões e apagar a sua própria vilania.
Mas não acha que nós, portugueses, também temos um certo tabu em relação à escravatura? Pois temos. E isso tem de ser assumido. Eu acho um disparate a discussão sobre o museu, chamem-lhe da Expansão ou das Descobertas. Houve mesmo expansão e descobrimento, no sentido que nós, no Ocidente, desconhecíamos toda aquela parte do mundo, que os portugueses descobriram para o Ocidente. É tão simples como isto. Tem de se assumir a escravatura, como era nesse tempo em que fazia parte do sistema, na maioria das nações do mundo. Os que não transportavam escravos compravam os escravos. Era o sistema económico no Ocidente e não só no Ocidente, era na África, entre os próprios africanos, era no Oriente, com os muçulmanos. Os muçulmanos começaram com a escravatura muito antes de nós. De repente é tudo virgem? Tem de se assumir a brutalidade comum a todas as nações nesse tempo. Eu assumo isso nos meus romances, vem sempre a parte violenta e a parte da canalhice, mas há também gente fabulosa. Afonso de Albuquerque era brutal para os muçulmanos, mas protegia os indianos, desde que respeitassem as regras. Ele proibiu em todos os lugares sob domínio dos portugueses que as indianas que fizessem o sati – o sacrifício das viúvas, que se lançavam na pira com os maridos. Promoveu os casamentos das mulheres locais – indianas, chinesas, javas, etc. – desde que fossem cristãs, com os portugueses. No entanto, houve gente que dizimou populações também.
Falta contar a história toda? 
Ui, há tanta coisa para contar e sem complexos. Porque, se não conhecermos o passado, o presente não vale muito e nós não teremos futuro. Isto é uma continuidade. Temos de olhar para trás para não fazermos as mesmas asneiras. Eu acho que os nossos políticos perdem muito por isso. Não conhecem a História do que ficou para trás.

16/11/2018

Apresentação dos Contos Eróticos do velho Testamento

Hoje, 6ª feira, dia 16 de Novembro, pelas 18.30 h, na Biblioteca do Palácio das Galveias, estaremos à vossa espera para a apresentação dos Contos e Novos Contos Eróticos do Velho Testamento, pela voz, graça e talento da Professora Maria Helena Trindade Lopes. Serão muito bem-vindos a esta divertida e ousada apresentação.

05/11/2018

CONVITE - TERTÚLIA COM DEANA BARROQUEIRO

Caros amigos e amigas, não querem vir tomar um café comigo e com o meu marido no dia do meu 45º aniversário de casamento? Pode ser divertido…

Dia 10.Nov - 19 h.
Restaurante Larg’O Tacho
Largo Agostinho da Silva, 1A - Lisboa
(ao Príncipe Real)

A Junta de Freguesia da Misericórdia, tem o prazer de o(s) convidar para a apresentação do livro “1640”, com a participação da autora, Deana Barroqueiro, integrado nos “Encontros com Autores” da Semana do Livremente.

01/11/2018

Apresentação dos Contos Eróticos do Velho Testamento

Caríssimos Amigos/Leitores

Como podem ver, pela ilustração, no dia 16 de Novembro, pelas 18.30 h, na Biblioteca Galveias (Campo Pequeno), a brilhante Prof. Dra. Helena Trindade Lopes, especialista em temas da Antiguidade Pré-clássica, vai apresentar a nova edição dos meus Contos e dos Novos Contos Eróticos do Velho Testamento, reunidos num único volume. Teria muitíssimo prazer em vos ver naquele simpático espaço, se estiverem por Lisboa Aos que estão longe fica a notícia e a sugestão para prenda de Natal, se quiserem oferecer um livro ao/à amado(a).
Um grande abraço
Deana Barroqueiro

Contos Eróticos do Velho Testamento - Entrevista a Deana Barroqueiro

Deana Barroqueiro: “Aquela gente do Velho Testamento era faminta de sexo” 

MARTA CERQUEIRA - OBSERVADOR - CARLA OLIVEIRA - Fotos

Casou virgem aos 27 anos, numa união que dura 45. 
Escreveu "Contos Eróticos do Velho Testamento" e vai processar João Botelho por plágio. 

Deana Barroqueiro tem 73 anos e foi desde que se reformou, aos 55, que se dedicou por inteiro à escrita - Carla Oliveira

A entrevista começou mais tarde do que o previsto porque tinha em mãos uma pilha de livros para assinar. “Sou incapaz de escrever apenas obrigado e está feito. A dedicatória tem que ser feita com tempo”, justifica. O atraso perdoa-se assim que se senta connosco e, sem filtro nem barreiras, fala de sexo, de homens, de mulheres, de uma Bíblia enfadonha, do seu casamento de 45 anos, dos jantares temáticos que prepara para os amigos, dos livros que ainda espera escrever e do plágio de que foi vítima e que, ainda que lhe tivesse tirado a concentração necessária à escrita, nunca lhe tolheu a capacidade de criar.
Assim é Deana Barroqueiro, uma mulher de 73 anos que viaja na história para explicar o presente. Assim o fez nos livros “Contos Eróticos do Velho Testamento” e no “Novos Contos Eróticos do Velho Testamento”, reeditados agora pela Editora Planeta num único volume a que voltou ao nome original “Contos Eróticos do Velho Testamento” e que diz ser de leitura obrigatória para quem quer perceber a raiz da discriminação sexual.

Serve este livro para explicar esta relação de inferioridade/superioridade entre homem e mulher? 
O que as mulheres têm sofrido ao longo de séculos vai buscar as suas raízes aos preconceitos, aos maus exemplos e à prepotência masculina que aparece no livro dito sagrado do Velho Testamento. São nessas histórias de exemplo, e que eu considero péssimos exemplos, habitadas por aqueles velhos patriarcas, libidinosos, hipócritas e cheios de vícios, que vemos as mulheres serem tratadas como se fossem objectos.

Indo à génese, conseguiu encontrar uma explicação para esta relação de superioridade masculina?
Eu não pretendia chegar a uma explicação, eu queria sim chegar de uma maneira quase física, quais as sensações das mulheres face a um mundo masculino que as aprisionou. Os homens escritores têm a mania que sabem muito sobre as sensações das mulheres, mas duvido que tenham o conhecimento tão profundo que qualquer uma de nós possa ter”.

E ainda aprisiona?
Aprisiona, claro. Basta olhar para o islamismo, ou o fundamentalismo judaico. Eu queria também mostrar a mulher, literariamente falando, do ponto de vista de uma mulher. Ou seja, não só através de personagens mulheres, mas também da escritora mulher. Foram poucas as mulheres com a ousadia de pegar nestes temas ditos sagrados.

Este livro podia ter sido escrito por um homem? 
Acho que não. Os homens escritores têm a mania que sabem muito sobre as sensações das mulheres, mas duvido que tenham o conhecimento tão profundo que qualquer uma de nós possa ter.

Fala no livro de mulheres “consideradas mercadorias e inferiores aos animais, conceito que perdura até hoje”. Será mesmo assim? 
Em muitos sítios, sim. As mulheres ainda são vendidas. A escravatura sexual, o tráfico humano, são tudo temas muito atuais. E se formos a outras tradições, como a indiana, ainda há crianças que são vendidas pelos próprios pais e forçadas a casar. Mas basta recuar ao tempo da minha mãe, em que a liberdade das mulheres era quase nula e se formos buscar os assédios sexuais, isso aí então, era o pão nosso de cada dia. Em Portugal, não existia o piropo, existia a obscenidade.

A Deana diz no livro que sofreu na pele o assédio sexual e a violência física e psicológica que é comum a muitas mulheres. 
Todas sofremos. Tivemos foi que aprender a dizer que não e a levar com as consequências, como perder os empregos.

Foi o seu caso? 
Ninguém me fechou numa casa de banho para me violar. Eu até casei virgem, embora só tenha casado aos 27 anos. Mas o assédio do dia a dia, nos transportes públicos, os apalpões, vivi isso tudo. Só não senti isso no trabalho, talvez por ser professora. Como a Maria Teresa Horta disse uma vez, a nossa geração inaugurou o subir na vida pelo nosso talento e não deitadas de costas numa cama.

O movimento #metoo é algo de inevitável? 
Chegámos ao momento de dizer basta. Foi bom esse movimento aparecer para que se fale abertamente do assunto, mas, como todos os movimentos, tenho sempre muito medo dos excessos. O que vejo acontecer é meterem no mesmo saco a violência sexual praticado sobre crianças que não tinham voz na altura e que anos mais tarde conseguem dominar o trauma e falar, outras que foram violadas sem se poderem defender e outras ainda, essas sim, que se aproveitam desses casos. Há muitas mulheres perversas, muitas mulheres que exercem um jugo sobre os homens.

Houve algum momento da história em que a mulher tenha sido figura dominante? 
As persas na antiguidade, antes de aparecerem os muçulmanos, eram mulheres livres e guerreiras. Na nossa história, era tudo uma questão de posses. Se uma mulher tinha posses, tinha poder. Mas no geral, foram sempre subjugadas. Aliás, sobretudo no século XVII, as mulheres vão para o convento para poderem ser livres, por estranho que isto pareça. Era a única forma de poderem estudar, para poderem ser músicas, médicas, cientistas, literatas.

O novo livro "Contos Eróticos do Velho Testamento" vai estar à venda a partir de dia 16 de novembro por €18,85

 E hoje em dia essa inferioridade feminina vê-se em quê?
Basta ver que foi preciso arranjar quotas para que as mulheres tenham lugar na sociedade. Eu defendo as quotas enquanto as coisas não se modificarem de vez, visto que o processo é longo. O que libertou a mulher em Portugal foi o ter que trabalhar, o ter que ajudar o marido. A história do homem ganhar o pão e a mulher ter que ficar com os filhos acaba com as dificuldades financeiras que obrigam a mulher a começar a trabalhar. Esse dinheiro trouxe-lhe uma liberdade, mesmo quando subjugadas ao poder masculino.

Essa inferioridade é só culpa dos homens? 
Não, as mulheres aceitam. Eu, por exemplo, quando casei, pensei para mim: ‘Vou dar-lhe três meses para que mostre as qualidades do dia a dia’. Se tentasse aprisionar-me não durava mais do que esses três meses.

E dura há quantos anos? 
Faço 45 anos de casada no dia 10 de Novembro.

Passou no teste.
Com distinção [risos].

Em Portugal temos muitas famílias matriarcais. Como é que se vive essa dualidade entre mulheres dominantes, mas subjugadas ao poder masculino? 
A minha família é um exemplo disso. Eu fui filha de emigrantes e a minha mãe era viúva de um vivo, uma vez que o meu pai viveu praticamente toda a vida nos Estados Unidos e foi ela que criou os três filhos, completamente independente do meu pai.

Essa superioridade masculina vê-se mais cá fora do que em casa? 
É um preconceito herdado deste livro sagrado que os padres promoveram por todo o lado. Uma vez quase que saí a meio da cerimónia de casamento de uma amiga quando ouço o padre dizer que ela tinha que obedecer ao marido, nem que ele lhe batesse. Quando ouvi isso, tive que me segurar para não sair porta fora ou dizer alguma coisa ao padre.

Isso já foi há muito tempo? 
Não há tanto tempo quanto isso. Aconteceu na minha geração. Só depois do 25 de Abril é que os horizontes se abriram, não sei como é que ainda há quem diga mal do 25 de Abril. Por amor de Deus, parece que não conheceram a ditadura.

Este livro, além de uma viagem histórica, é também uma viagem sexual. 
É uma viagem maravilhosa feita através das sensações. O pretexto para o erotismo foi-me dado pelo próprio Velho Testamento. Aquelas histórias estão imbuídas de sexo, aquela gente era faminta de sexo. O sexo está em todo o livro do Génesis com uma força incrível. Quando comecei a escrever o primeiro livro tinha 55 anos, tinha acabado de me reformar e pensei: ‘Isto é capaz de ser um bocado escandaloso’. Mas era um desafio. Estas histórias contam as sensações das mulheres através dos olhares dos homens, algo que sempre me irritou. De maneira que decidi dar uma perspetiva diferente.

É fácil escrever sobre sexo? 
Quando comecei a escrever o primeiro livro, escrevi cinco contos em 15 dias. Achei que tinha descoberto uma grande veia ou então era a raiva de ver a injustiça com que as mulheres eram tratadas naqueles textos. Entretanto rebentou o escândalo da Casa Pia e tudo aquilo enojou-me a tal ponto que deixei de escrever. Só quando a história acalmou é que escrevi os outros três contos e acabei o primeiro livro. E se este primeiro livro se focava na história dos homens, no segundo decidi dar voz às mulheres vencedoras, as mulheres que conseguiram dar a volta. Foi aí que surgiu “Os novos contos eróticos do Velho Testamento”.

Este novo livro é uma junção dos dois?
Mais do que uma junção dos dois, tentei fazer uma oposição dos dois. A primeira parte é sobre as mulheres sofridas, a segunda parte são as mulheres mais valentes, as sobreviventes.

Recorrer à história é uma forma de perceber melhor o presente?
Sim, nada como ler a Bíblia para ter essa noção. Aliás, considero a Bíblia um texto muito fraco, muito repetitivo, com exemplos muito inferiores a obras como a Odisseia ou a Ilíada. Basta ver os provérbios bíblicos, que são arrasadores, e de onde vêm os nossos próprios provérbios. ‘Quanto mais me bates mais eu gosto de ti’ ou ‘ Entre marido e mulher ninguém mete a colher’. Como é que é possível alguém dizer isto? Só pode ser um homem a dizer isto. Aliás, basta ver a história daquele juiz anormal que disse que as mulheres na Bíblia eram apedrejadas e que justificou uma agressão dizendo que a Bíblia pune o adultério com a morte. Pois pune, é isso mesmo que quero denunciar com estas histórias. Acho que vou sugerir à editora que envie os meus contos eróticos para o tribunal da Relação do Porto para eles lerem.

Saber mais sobre a condição feminina alterou a forma como olha para os homens?
Eu gosto muito dos homens, um mundos sem homens era uma seca. Sou totalmente defensora do casamento homossexual, ainda que seja heterossexual e não ache piada nenhuma às mulheres, fisicamente falando. Quer dizer, sei apreciar um corpo bonito, mas aprecio muito mais o corpo de um homem, mesmo que não seja tão bonito. O meu marido é feio, mas é um homem inteligentíssimo, qualidade que aprecio muito num homem.

Entre romances e poemas, Deana Barroqueiro tem já 14 obras editadas
Entre romances e poemas, Deana Barroqueiro tem já 14 obras editadas. Como é que faz a pesquisa histórica para os seus livros?
Viajo muito através dos rodapés dos textos, que me levam sempre a novos textos. Além disso, tenho uma grande biblioteca em casa e uma maior online. São gigas e gigas de documentos. Para este livro, por exemplo, cheguei a ler um livro do Egipto sobre medicina com mais de três mil anos. Sou uma espécie de rato de biblioteca, ainda que não vá a bibliotecas porque vejo muito mal, sou praticamente cega. É através do computador que consigo chegar a tudo o que preciso. Acho que se as pessoas lessem mais, falavam menos, principalmente de coisas que não conhecem.

João Botelho e o caso do plágio Em março, acusou João Botelho de plágio, depois de ter visto no filme “Peregrinação”, personagens que existem apenas no seu romance “O Corsário dos Sete Mares”. 
Passei os piores momentos da minha vida por causa dessa história. Estive sujeita a ameaças da ArtFilms, produtora do João Botelho, que diziam que me iam processar e pedir uma indemnização, à grosseria do Botelho, que escreveu uma crónica no jornal Público, na qual chamou aos jornalistas hienas porque me apoiaram. O problema é que ele esquece-se que me escreveu uma carta a admitir o plágio e a pedir desculpas.

Só descobriu que tinha sido plagiada quando foi ao cinema ver o filme?
Não. Eu fui contactada por dois leitores que me escreveram a dizer que tinham gostado mais do livro do que do filme e eu, de boca aberta, questionei: ‘Mas que filme?’. Era o “Peregrinação”, de João Botelho. ‘Até tem o seu nome no genérico’, disseram-me. E eu sem saber de nada. Começo a pesquisar na internet e leio as entrevistas do João Botelho em que fala das minhas personagens e episódios sem nunca referir o meu nome.

São personagens que só existem no seu livro? 
Sim. Até chamei o meu marido, para que visse comigo que aqueles nomes, aquelas personagens não existiam na “Peregrinação”. Aquilo era meu. Fui imediatamente ver o filme e nem lhe sei explicar a sensação que é começar a ver as cenas que eu tinha inventado passadas à tela. As lágrimas caíam-me e, ao mesmo tempo, sentia-me violada.

Se tivesse sido avisada, aceitaria participar no filme? 
Seria uma honra. Eu admirava o João Botelho. Mas assim, senti-me atropelada, porque, basicamente, o João Botelho não tinha filme se cortasse a parte que adaptou do meu romance. São 18 minutos de filme seguidos baseados na minha história. Se dizem que uma imagem vale mais que mil palavras, imagine a quantidade de imagens que estão naqueles 18 minutos.

O que fez? 
Cheguei à Leya, a editora do meu livro, e apresentei o caso. Eu não queria direitos de autor, não era isso que eu pedia.

O que queria então? 
Queria que me dessem os créditos. O meu nome aparecia no final de toda a ficha técnica, na parte dos agradecimentos, quando, na verdade, o meu livro serve de guião ao filme. Eu não lhe pedi para alterar o filme, porque isso não era possível. Pedi-lhe apenas que, nas entrevistas, dissesse que o meu livro era uma das fontes de inspiração. Nunca fez isso.

E o filme é agora o candidato português ao Óscar de Melhor Filme Estrangeiro. 
Eu não deixo esta história morrer precisamente por causa disso. Em março, a Academia Portuguesa de Cinema nomeou o João Botelho para o prémio Sophia de melhor adaptação de uma obra literária, neste caso a “Peregrinação”, de Fernão Mendes Pinto. Mas a obra que ele adaptou é “O Corsário do Sete Mares” de Deana Barroqueiro. Escrevi para a Academia, decidi denunciar a história nas redes sociais e a comunicação social acabou por pegar no caso. É que de repente, eu passei a ghostwriter.

Vai a tribunal?
Finalmente a Leya decidiu pegar no caso e acabou de me dizer que sim.

Que conclusões tira desta história?
Conclusões muito tristes. Isto foi uma canalhice, não tem outro nome.

Nada nesse episódio a fez ter vontade de parar de escrever?
Não. Bem, no início sim, eu nem me conseguia concentrar. Mas eu sem escrever morro. E há uma coisa que ninguém me pode tirar, que é a capacidade de criar.

E essa capacidade vai levá-la, em 2019, a lançar para o mercado mais um livro histórico, desta vez sobre cozinha, que sei ser uma das suas muitas paixões. 
Costumo fazer uns jantares temáticas para os meus amigos, nos quais recrio pratos do século XVI ou XVII. Eu até cozinho bem e adoro organizar jantares, mas este não é será um livro de receita, será sim um livro de cozinha. Histórico, claro.

O novo livro "Contos Eróticos do Velho Testamento" vai estar à venda a partir de dia 16 de Novembro por €18,85 

19/09/2018

Tirar a nódoa

Tirar a nódoa


Artigo do jornalista João Gobern sobre o plágio de João Botelho que, agora, terá de tratar deste triste caso com os advogados da editora Leya.

15/09/2018

POESIA, UM DIA - 21 DE SETEMBRO

A minha primeira sessão com os leitores, neste início de ciclo de actividades Outono/Inverno. Se os meus amigos das Beiras estiverem por perto e quiserem conversar comigo, ficarei felicíssima por matar saudades. Em Vila Velha de Ródão, 21 de Setembro, às 15.30.
POESIA, UM DIA - 21 DE SETEMBRO 15H30 - A NATURÁGORA recebe uma conversa com a escritora Deana Barroqueiro intitulada «TRÊS POETAS E UM PREGADOR NA RESTAURAÇÃO DE 1640». Os poetas e o pregador de que nos falará, muito bem como sempre, Deana Barroqueiro são personagens do seu mais recente livro «1640». Trata-se dos poetas Soror Violante do Céu, D. Francisco Manuel de Melo, Brás Garcia de Mascarenhas e do pregador Padre António Vieira. Se gosta de história não pode faltar. Se gosta de poesia e quiser conhecer uma extraordinária comunicadora também não. Entrada Livre Local: Zona de Lazer junto ao cais do Tejo. Uma organização da BMJBM no ano do seu 10º aniversário.

28/08/2018

Festa do Livro em Belém

No dia 31 de Agosto, sexta-feira, a partir das 18 horas, vou estar aqui, nos jardins do Palácio Nacional de Belém, no stand da Leya, para conversar com os leitores que aparecerem. Agora já consigo assinar autógrafos, o que não pude fazer na Feira do Livro de Lisboa, por ter o braço direito partido.

25/08/2018

Repórter TVI: "Compadrio" em Pedrógão

Repórter TVI: "Compadrio" em Pedrógão
22 de Agosto 2018

Uma investigação TVI releva um alegado esquema de compadrio na atribuição de donativos para as vítimas dos incêndios de Pedrógão Grande. As suspeitas de uso fraudulento de donativos já eram conhecidas, mas agora a investigação da TVI revela que essas fraudes foram cometidas com o consentimento e com a ajuda de poderes públicos locais. O presidente da Câmara Municipal de Pedrogão Grande e o então vereador Bruno Gomes sabem, desde o ano passado, da existência de irregularidades no processo que envolveu a atribuição de donativos para a recuperação das casas que arderam no incêndio. Testemunhos inéditos, na primeira pessoa, garantem que tiveram mesmo indicações para adulterar os processos de candidatura, forjando moradas de residência, com a conivência dos poderes públicos locais. "Compadrio" é uma investigação da jornalista Ana Leal para ver na íntegra esta noite no Jornal das 8.


São 36 minutos de boa reportagem que vale a pena ver NESTA PÁGINA

23/08/2018

Al Jazeera corta papel dos muçulmanos na escravatura e culpa portugueses


 Canal do Qatar elimina primeiro episódio de série documental, co-produzida pela RTP e LX Filmes, onde se falava do papel dos muçulmanos no tráfico de escravos. E diz que foram os portugueses a "estabelecer" este comércio.

« Para expandirem a sua riqueza, os portugueses estabeleceram o comércio de escravos, em que África era o centro». É desta forma que o canal de notícias Al Jazeera, do Qatar, anuncia na sua página de Internet o "primeiro episódio" das Rotas da Escravatura, uma série europeia, apoiada por fundos comunitários, de cuja lista de produtores, encabeçada pelo canal francês Arte, fazem parte a RTP e a LX Filmes.

O problema, como confirmou Luís Correia, diretor da LX Filmes, depois de ter sido confrontado pelo DN com esta versão, é que o alinhamento apresentado pelo canal "está alterado, não corresponde ao original". Desde logo por apresentar como primeiro episódio aquele que, na realidade, "é o episódio dois", de uma série de quatro, em que se "conta toda a história da escravatura, desde a antiguidade, passando pelos séculos XIV e XV, em que Portugal esteve mais envolvido", até à abolição. "O que fizeram foi não exibir o episódio um e exibir o episódio dois como se fosse o primeiro", disse.

De facto, confirmou também Luís Correia, a Al Jazeera não só suprimiu o primeiro episódio como alterou "o lettering do segundo, que também não é o original", para que o episódio exibido passasse a ser identificado como o primeiro. E sobre o que versava o episódio desaparecido na versão exibida pela televisão do Qatar? De acordo com a apresentação original do documentário, enviada ao DN pelo diretor da LX Filmes, o referido capítulo inaugural, intitulado: "641-1375 - Para Além do Deserto", examina "o processo que levou o Império Muçulmano a tecer de forma duradoura uma imensa rede de tráfico de escravos pela África, Médio Oriente e Ásia". "É esse alinhamento de quatro episódios, que foi já exibido em França e que a RTP tem previsto agendar em breve para emissão, que corresponde ao documentário", acrescenta ao DN Luís Correia, lamentando a opção do canal árabe: "É muito desagradável e triste. Põe problemas para quem vê isto fora de contexto. No documentário, é explícito que há uma lógica de rigor histórico, de compreender a escravatura como um todo", diz.

Infante D. Henrique, o "salteador"

No episódio transmitido no passado dia 16 pela Al Jazeera - canal seguido por largos milhões de espectadores em todo o mundo, sobretudo nos países islâmicos -, a escravatura em África é assim apresentada como uma prática fundada pelos portugueses: "O pequeno Reino foi o primeiro a assaltar a costa de África", é assegurado na narração, acompanhada de imagens de Lisboa, da Costa de Lagos e Sagres e de São Tomé - todas captadas pelas produtoras nacionais que produziram o documentário.

Entre os historiadores ouvidos neste capítulo consta António de Almeida Mendes, da Universidade de Nantes, que descreve Henrique, O Navegador, como tendo sido inicialmente "o líder de um bando de salteadores, de piratas que fazem cativos". O DN perguntou a Almeida Mendes, através do seu endereço de e-mail na universidade francesa, se se revê nas conclusões gerais sobre o papel de Portugal apresentadas pelo documentário, em particular considerando o enquadramento feito pela Al Jazeera. Até ao momento, não obteve resposta.

 Quem não tem dúvidas de que a opção da Al Jazeera "não é inocente" é João Pedro Marques, historiador e romancista especializado na história da escravatura. "É evidente que tem razões ideológicas e políticas. Querem, no fundo, arranjar um bode expiatório: dar a ideia de que os muçulmanos não tiveram intervenção nenhuma neste assunto e colocarem o odioso da questão todo do lado dos europeus", critica. "Isto é um ato de censura e um ato de censura com um objetivo ideológico", acrescenta. "É na altura da expansão muçulmana e da conquista pelos árabes [de novos territórios em África] que o tráfico cresce imenso", conta. "No somatório total deverá ter sido até maior do que o transatlântico".

Sobre o episódio relativo a Portugal e ao tráfico transatlântico, envolvendo o envio para as Américas, ao longo dos séculos, de mais de 10 milhões de escravos africanos, além dos cerca de 1,5 milhões que se estima terem morrido na travessia do Atlântico, o historiador não minimiza o "papel fundador" que os portugueses efectivamente neste tiveram. Mas defende que esse não pode ser dissociado do contexto geopolítico da época, sobretudo a partir da assinatura do Tratado de Tordesilhas, em 1494: "É a divisão do mundo entre os países ibéricos, com o beneplácito da Santa Sé, que faz com que Portugal tenha durante 200 anos, até ao século XVII, o usufruto exclusivo do negócio africano, no qual se inclui o tráfico de escravos".

João Pedro Marques tem também dificuldades em aceitar a descrição do papel do Infante D. Henrique feita por Almeida Mendes. "É uma transposição das nossas categorias de avaliação para o século XV, o que não é correto", diz. "Ele é historiador e há termos próprios do século XV para dizer o que as pessoas faziam. Os escudeiros do Infante D. Henrique iam em busca de honra, de façanhas, de cativos, de pessoas que pudessem encontrar. Piratas e salteadores não eram".

A pirataria, recorda, "tinha uma classificação própria". Os homens do Infante D. Henrique, defende, "tinham carta de corso [corsários], o que lhes dava autorização para atacar e capturar. Mas não eram só as pessoas do Infante D. Henrique", acrescenta. "Por toda a Europa e no mundo muçulmano havia coisas equivalentes. Havia uma tradição de corso que os muçulmanos continuaram a praticar até ao século XVIII, XIX. Assaltaram, por exemplo, as costas do Algarve e de outras partes da Europa para capturar escravos até muito tarde".

No entanto, acrescenta ainda, entre os portugueses, "o número de viagens de captura e a prática de desembarque foi limitadíssima. Usou-se nos primeiros contactos mas foi abandonado medida que se foi avançando para o Sul. O desembarque tinha enormes riscos, até do ponto de vista sanitário, devido às doenças", explica, acrescentando que os portugueses encontraram uma alternativa para o tráfico de escravos entre residentes dispostos a fazer negócio. "Acredita-se que os primeiros negros foram provavelmente comprados a uma caravana árabe que seguia para Norte, para o mediterrânico, para a zona de Marrocos".

Tráfico transatlântico começou há 500 anos

De acordo com os relatos históricos, os primeiros cativos africanos chegaram a Portugal em 1441, trazidos ao Infante D. Henrique por Antão Gonçalves e Nuno Tristão. A primeira venda decorreu em Lagos, em 1444, envolvendo 235 homens, mulheres e crianças. A chegada é descrita por Gomes Eanes de Zurara na Crónica da descoberta e conquista da Guiné. O relato, que não esconde o sofrimento evidenciado pelos escravos, é reproduzido no episódio dois da série Rotas da Escravatura.
Mais tarde, Portugal, Espanha e outros países começaram a enviar escravos da metrópole para vários destinos, como as Caraíbas.Já o primeiro transporte de escravos directamente de África para as Américas - como recordou o jornal britânico The Independent foi aprovado há exactamente 500 anos, no dia 18 de Agosto de 1518, pelo rei Carlos I de Espanha. Os primeiros escravos a fazerem esse percurso terão sido obtidos através de um dos entrepostos que os portugueses, já na altura possuíam na costa africana.

28/06/2018

Feitos ao bife (à Stroganov)

Quando um jornalista é culto e se dá ao trabalho de pesquisar e investigar muitos temas além do tema que trata (e este género de jornalista é cada vez mais raro, infelizmente), pode transformar uma crónica sobre futebol numa deliciosa peça literária, que até ensina História. Parabéns, Rui Miguel Tovar, e porei a sua história sobre o Stroganov no meu livro de culinária histórico, se me der autorização.

Feitos ao bife (à Stroganov)
Rui Miguel Tovar
Diário de Notícias

Sepultado em São Petersburgo, o barão Grigori Alexandrovitch Stroganov dá o nome ao bife, com a preciosa ajuda da segunda mulher (Juliana), filha da marquesa de Alorna. O elo português está sempre presente, até um cego vê 


O Mundial já não é o que era? A pergunta nada tem de retórico, juro. Afinal, sempre há equipas sensação nestas andanças futebolísticas de alto gabarito (e faz parte do folclore escrever, no final, sobre todo o tipo de cenários e surpresas, fazer listas com os melhores, os piores, os espantosos, as desgraças, you name it). 
 A ouvir há poucochinho o treinador alemão (a cabeleireira da minha mãe gosta especialmente dele, espero que não seja pelo penteado) referir os erros cometidos com o México e à necessidade - urgência? - de aprender com os desacertos e as escorregadelas, vêm-me à lembrança as conferências de imprensa dadas em catadupa pelos jogadores portugueses. À sacramental pergunta "o que tem a dizer sobre o comportamento da selecção no jogo com Marrocos?", os nossos ladinos rapazes fecham-se em copas e, incapazes de analisarem a situação com frieza, debitam tiradas do género "vencemos, não foi? isso é que importa!". Cá para mim, deviam orgulhar-se da vitória, escusado será dizer, mas ser capazes, ao mesmo tempo, de reconhecer a evidência: temos de jogar melhor, temos equipa para jogar melhor, temos de vencer e convencer. Estamos à beira de fazer história no Mundial de futebol, caramba!

Caso contrário, estamos feitos ao bife. Tártaro? Antes fosse. É mais bife stroganoff, às tirinhas. Para tal, é preciso sair daqui da Rússia e voltar a Portugal, mais concretamente ao bairro de Alvalade. Sai do metro, ali na praça, do lado do cinema, e segue em frente até virar na primeira à esquerda. Agora sim, podemos conspirar à vontade. Estamos na Marquesa de Alorna. Quem?

Ora aí está. A senhora chama-se Leonor de Almeida Portugal de Lorena e Lencastre (futura marquesa de Alorna). Vive 88 anos, uma proeza no século XIX. Nesse considerável hiato temporal, Leonor leva uma vida deveras atribulada. Para abrir o apetite, é feita prisioneira aos 8 anos, juntamente com mãe e avó, no convento de São Félix em Chelas, por ser filha do D. João de Almeida (2.º marquês de Alorna), suspeito do conhecimento do crime dos Távoras. A ira do marquês de Pombal só lhe passa com a subida ao trono de D. Maria I. Aí, Leonor é libertada finalmente em 1777, aos 27 anos. Na prisão, estuda as obras de Rousseau, Voltaire, Montesquieu, Diderot, entre outros, e dedica-se à composição de poesia, que lhe valerá uma obra da sua autoria chamada Poesias de Chelas. Além de escritora, é pintora e tradutora (domina admiravelmente quatro idiomas, com excelência no francês).

Em liberdade, Leonor demora dois anos a encontrar marido e casa-se em 1979 com Karl von Oyenhausen-Gravenburg. Vivem em Viena, por conveniência de trabalho militar do brigadeiro. Lá, consomem o amor com filhos e mais filhos. Ao todo, oito. A terceira é Juliana Maria Louise Sofia Carolina von Oyengauzen, nascida em 1782. Aos 3 anos, estabelece-se em Portugal por força do novo trabalho da mãe como dama de honor de Carlota Joaquina. Tal como Leonor, também Juliana faz-se mulher de letras. Só que sofre um desgosto enorme quando é obrigada a casar-se em 1800 com José Maria de Aires, conde de Ega e recém-empossado embaixador português da corte espanhola em Madrid. É lá que Juliana encontra o verdadeiro amor, o barão Grigori Alexandrovitch Stroganov.

E agora? Grande cambalacho. Indiferente à opinião das pessoas reais ou surreais, Juliana torna-se mesmo amante de Stroganov. Até 1807, altura em que o casal regressa a Portugal, onde o conde de Ega recebe com entusiasmo as tropas de Napoleão e até faz parte do novo governo liderado por Junot, na organização de festas in. Coincidência das coincidências, Juliana encosta-se a Junot e torna-se sua amante oficial. E agora? Grande cambalacho, parte 2. A vida dá muitas voltas e o conde de Ega volta a sair de Portugal, novamente na companhia de Juliana, agora à pressa, até França, devidamente protegido por Napoleão a troco de uma pensão de 60 mil francos por ano.

O dinheiro não é tudo. Pensa Juliana. Em 1811, abandona o conde e corre para os braços de Stroganov, então a curtir o ambiente na Suécia. Dez anos depois, Stroganov é chamado pelo imperador Nicolau para trabalhar em São Petersburgo e faz-se acompanhar por Juliana - além da sua mulher, claro.  E agora? Grande cambalacho, parte 3. A sociedade daqui (de São Petersburgo) vai aos arames com o affaire e Stroganov convive com a crise na boa-vai-ela, sem ligar às coscuvilhices. Quando a mulher morre, em 1824, marca casamento com Juliana em 1827, na cidade de Dresden (capital da Saxónia).

A cerimónia é mal vista pela sociedade. Mais uma vez, Stroganov passa por cima desse pseudo-dilema com uma classe do além, até porque vive feliz com Juliana até ao fim dos seus dias, em 1857. Trinta anos de amor, os últimos cinco a comer bife à Stroganov. Como assim? O barão piora gradualmente de saúde e acaba por cegar. Nesses tempos, Juliana é quem lhe dá de comer e corta-lhe o bife às tirinhas. Lá está, bife à Stroganov. Às tirinhas.

Que é como Portugal joga, sem alma nem nada. Valha-nos São Ronaldo, primeiro, e São Patrício, depois. De resto, uma pobreza franciscana. Excepção feita às bolas paradas. Aí, alto e para o baile: dos quatro golos, um é de penálti, outro de livre directo e mais um de canto curto - em falta, só o frango de De Gea. Falta só um jogo na fase de grupos, o do desempate. Ou vamos (como em 1966, 2006 e 2010) ou já fomos (1986, 2002 e 2014). Com o Irão, basta-nos o empate para seguir em frente. Isto se queremos continuar à Stroganov. Se nos aventurarmos em conciliar vitória com jogo bonito, é um bife tártaro. Precisamos de futebol cru, sem cozinhados nem molhos. Num prato apresentável, de preferência.

20/05/2018

Festival Literário de Bragança

Amanhã, dia 21 de Maio, às 21 horas, vou estar em Bragança, a conversar com os leitores e a ser entrevistada sobre o romance «1640» e outros temas, no Centro de Fotografia Georges Dussaud (CFGD). Aqui fica o programa variadíssimo do Festival Literário de Bragança:

12/05/2018

Museu dos Descobrimentos - Petição

Caros amigos/as Começou agora a circular uma petição para que se crie em Lisboa um Museu dos Descobrimentos, da Expansão e da Portugalidade. É o resultado de um movimento que visa opor-se àqueles que não querem, de forma alguma, que haja um museu designado "das Descobertas" ou "dos Descobrimentos". Os promotores da petição precisam de 5 mil assinaturas. Eu não estou ligado à petição. Ainda assim, chamo-vos a atenção para ela, na convicção de que poderá interessar-vos e de que poderão eventualmente assiná-la. Se forem esses os casos, peço-vos, também, que a façam circular para que este esforço de defesa de visões mais justas e equilibradas da nossa história possa chegar a bom porto.
  Assinar Aqui

01/05/2018

O Vampiro, as Hienas e a Zombie

A minha resposta ao grosseiro artigo que João Botelho escreveu contra mim, desdizendo tudo o que tinha admitido, no ano passado, mas em que me deu mais argumentos a favor do plágio e da minha afirmação de que não leu a Peregrinação, pois insiste em dizer que eu tirei nomes e personagens da obra de Fernão Mendes Pinto, onde elas não estão. Os advogados da sua produtora Ar de Filmes (que em Novembro/Dezembro, admitiram a adaptação de partes do meu romance, que seria publicitada numa cinta para o livro), escreveram-me uma carta cheia de ameaças de tribunais e indemnizações, por estar a difamar a produtora, o que já foi contestado pelos meus advogados, visto, como todos sabem, eu nunca proferi uma palavra contra Ar de Filmes, mas apenas contra o realizador. Portanto, queriam apenas fazer-me calar por medo. Não sou medrosa e nunca me calo quando tenho razão.


Em 11/04, recebi uma carta dos advogados da Ar de Filmes, produtora do filme Peregrinação, acusando-me de ter proferido contra ela “acusações e imputações falsas” de plágio do romance O Corsário dos Sete Mares, “sem qualquer fundamento”, “causando-lhe danos avultados e pondo em causa o seu bom nome, honra e reputação”. Se não me calasse, recorreriam aos tribunais para serem compensados. Na manhã de 12/04, o “artigo de defesa” do sr. João Botelho (JB) era publicado no PÚBLICO. Timing perfeito: na véspera a produtora silenciava-me com ameaças para que o realizador me pudesse desacreditar sem contraditório.

 Acusei JB de uma adaptação não autorizada de partes do meu romance no seu filme, porque se apresentou como único autor do argumento. Em circunstância alguma, proferi acusações ou imputações contra a Ar de Filmes. Mencionei apenas os seus encontros com a Casa das Letras/Leya, que os contactou, a pedir esclarecimentos. Nestas reuniões, como representante do realizador, a produtora admitiu o plágio, pois só assim se explica ter aceitado que a editora fizesse uma cinta para o livro, referindo a adaptação de episódios do romance.

 A Ar de Filme e JB nunca quiseram ver-me ou falar comigo. Em Dezembro, num e-mail para a editora, pedindo para mo reenviarem, chegou-me uma mensagem jocosa em forma de carta, supostamente do realizador, fazendo mea culpa pelo plágio. Nada que se pareça com a “carta delicada e pessoal que – no puro intuito de usar de boa educação e de respeitar uma eventual susceptibilidade, ainda que descabida, de uma senhora que desconhecia – por gentileza lhe remeti”, que JB menciona no artigo, dando o dito por não dito e, tal como a sua produtora, contradizendo o que haviam acordado e ameaçando-me com tribunais e compensações.

 Ameaçam-me e querem dinheiro porque me queixei do atropelo que fizeram aos meus direitos de autor e propriedade intelectual? Eu, a lesada, nunca pedi qualquer pagamento, apenas exigi que indicassem a obra e a autora, como a ética e a lei obrigam, no filme, DVDs, cartazes, textos e entrevistas. Não o fizeram e julgaram-se a salvo, porque o assunto ficava no segredo dos gabinetes da produtora e da editora.

“Vivemos tempos ruins, os de Trump, os do triunfo das inverdades”, diz JB em sua defesa, atacando-me em termos tão grosseiros que não merecem resposta. Patético esforço de um náufrago que esbraceja para se manter à tona e se afunda mais depressa.

Vivemos num mundo de faz-de-conta, de falsos génios e ídolos de pés de barro, em que alguns se servem de todos os meios, mesmo dos ilícitos, em proveito próprio, vangloriando-se, impunemente, de serem vampiros que sugam o sangue das vítimas e lhes roubam a alma. No caso Deana Barroqueiro versus João Botelho, eu sou a Zombie e o realizador é o Vampiro, pois assim se rotulou, quando admitiu que vampirizou O Corsário dos Sete Mares, fruto do meu sangue, suor e lágrimas de quase cinco anos de investigação e escrita.

 Em 2018, fazendo tábua rasa dos compromissos, JB continuou sem referir o meu livro como uma das fontes do filme, que está a ser exibido para as escolas, apresentando aos alunos muitas cenas de O Corsário dos Sete Mares de Deana Barroqueiro, como sendo da Peregrinação. O que, ao contrário do que dizem alguns comentadores, não é a melhor introdução à leitura da obra de Fernão Mendes Pinto, mas um pastiche enganador e antipedagógico. Como professora de Literatura Portuguesa, com 35 anos de serviço, não me pude calar.

O caso foi noticiado na imprensa de referência (como este jornal), que JB apoda de pasquins e os seus jornalistas de hienas, por terem denunciado o plágio, depois de lerem o e-mail com a sua admissão de culpa. O realizador diz que a acusação de plágio é infundada, mas, segundo a Sociedade Portuguesa de Autores e o Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, “comete o crime de contrafacção (vulgarmente designado plágio) quem utilizar, como sendo criação ou prestação sua, obra, prestação de outro artista”; “seja mera reprodução total ou parcial”.

Movo-me no meio académico, por isso, o sr. Botelho faz questão de vincar que, como não conhece a minha obra (e adaptou-a?), ao contrário do que fez com Alexandre O'Neil, a quem pediu para “roubar” (aspas suas) o título de um poema, no meu caso, “não existia a necessidade de pedir qualquer autorização e apenas por princípios de trato dirigi posteriormente à autora uma comunicação”. A quem não tenha o estatuto de um O'Neil, JB já pode roubar (sem aspas, o verbo é dele) livremente, não apenas um título, mas toda ou parte significativa da obra? Se é assim que, em Portugal, se pratica a nobre Arte do Cinema, onde irá ela parar? 

JB tem dito que levou um ano a adaptar a obra de Fernão Mendes Pinto (FMP), mas, ao mesmo tempo, fala das personagens, cenas e tramas de O Corsário dos Sete Mares atribuindo-as à Peregrinação. Se fez o que diz, como pode confundir as duas obras? Por desleixo ou má-fé? Ou, por não ter lido mesmo a Peregrinação, e vendo como o meu romance (recomendado pela Associação de Amizade Portugal-Japão, quando fez pesquisas para o filme) era uma espécie de guião – uma estrutura dramática em sete Actos/Mares, com cenas/capítulos, diálogos, monólogos e flashbacks –, pensando que eu me limitara a travestir os textos de FMP com novas roupagens, para atalhar caminho e poupar tempo, “inspirou-se” nele para o guião?

“Na verdade, o ‘pecado’ por mim cometido foi usar como inspiração uma ínfima e irrelevante parte do livro de Deana Barroqueiro, até agora desconhecido”, afirma JB. Sem acesso ao guião original, para o comparar com o meu romance e a Peregrinação, estou limitada às suas entrevistas e ao filme que vi apenas uma vez, enquanto ele tem acesso a todos os meus textos, que usa agora contra mim.

JB diz que o filme tem 78 cenas e que apenas duas foram “inspiradas” na minha obra. Mas eu provo que, sem as cenas exclusivas do meu livro, este filme não existia. Passo a enunciá-las:

 – Todas as cenas da China com personagens femininas, que JB e a sua produtora admitiram como adaptadas. 1. A filha do monteo a tocar o erhu e a cantar o poema que musicaram; a ensinar FMP a ler; 2. Meng a lavar-lhe as cicatrizes das costas, com uma bacia de água com pétalas de flores; 3. As cenas das prostitutas com os diálogos sobre o Yin e o Yang, no sexo; 4. A menção ao Mercado dos Cavalos Magros, onde se compravam as esposas, etc.

– Na Peregrinação não há violações por António Faria ou outrem, inventei a cena com Pinto num certo contexto da narrativa.

– O episódio da japonesa Wakasa, a minha Madame Butterfly que casa com Pinto, a entrar no barco e a despedir-se dele no alto de um monte, faz parte da história que criei a partir de três crónicas da casa do senhor de Tanegashima (a Tanixumaa de Pinto) que traduzi de um estudo inglês. JB nem o nome da ilha sabe escrever, chama-lhe Tagenashima, que não significa “ilha da Espingarda”, pois já se chamava assim muito antes da chegada dos portugueses com as armas, sendo também o nome de família do seu daimyo Tokitaka. Os mosquetes e arcabuzes chamavam-se Tanegashima teppõ (tubos de fogo de Tanegashima). 

– Não inventei nomes nem personagens no caso de D. Joana da Silva, a mulher adúltera. Ficcionei um escândalo da época, sem relação com FMP, a partir de arquivos e da História da Genealogia.

– Foi JB que referiu numa entrevista o “n.º 9 mágico”, como ideia sua. O número é cabalístico, mágico, da novena cristã e de outras superstições, herdadas da Idade Média. Como Pinto e o seu grupo oscilam entre oito e nove indivíduos e algumas tempestades são de nove dias, transformei-o num leitmotiv do meu romance.

– Das cenas comuns à Peregrinação e ao meu romance, como as da embaixada a Sumatra e da rainha da Etiópia, haverá muito para descobrir, comparando-as. Para JB basta mudar a cena de lugar, ou a personagem, para já não serem criações minhas e passarem a ser dele!

Em todas as suas intervenções JB cometeu erros crassos sobre a obra de Fernão Mendes Pinto, mostrando desconhecê-la. Com o meu romance aprendeu muito, decerto. Valha-nos isso!

As mentiras de João Botelho

"Uma banana não é uma maçã"

Um artigo de João Botelho no Público, desdizendo o que admitiu no ano passado e defender o indefensável: que não plagiou o meu romance O Corsário dos Sete Mares e dando-me ainda mais argumentos.

Para ler AQUI.

24/04/2018

O plágio do livro de Deana Barroqueiro


O Clarim - Abril 20, 2018   Cultura
 Joaquim Magalhães de Castro

A noiva de Fernão Mendes Pinto
Respigo esta semana, e a respeito do plágio que João Botelho fez da obra de Deana Barroqueiro “O Corsário dos Sete Mares” no seu mais recente filme “Peregrinação”, um resto de conversa que ficou por transcrever após uma entrevista feita a essa escritora de romances históricos aquando da sua participação no festival literário Rota das Letras, já lá vão alguns anos. Curiosamente, a temática desse resto de conversa diz respeito a um dos episódios que Botelho incluiu no seu filme como se fizesse parte do enredo da obra de Fernão Mendes Pinto, quando, na verdade, é uma ficção de Deana Barroqueiro, se bem que inspirada na tradição oral da região de Tanegashima.
Confessou-me, na altura, Deana Barroqueiro, que apenas visita os países que lhe servem de inspiração para as suas obras uma vez estas concluídas, e isto para «não contaminar com o olhar actual a realidade da época». Aquando da sua visita a Macau acabara de ser editado “O Corsário dos Sete Mares” (hoje de novo notícia, devido à polémica instalada), que nos fala das viagens de Fernão Mendes Pinto, por isso pudera a autora visitar, «finalmente», o Japão, palco, como se sabe, de muitas das peripécias do aventureiro de Montemor-o-Velho.
Em terras do Sol Nascente, Deana e o marido, inseparável companheiro de viagem, seriam recebidos «com uma imensa simpatia, quase carinho». Lembrava a escritora «uma cidadezinha perto de Quioto onde há uma família de japoneses que mantém, numa vivenda de dois andares, situada no centro da cidade, um pequeno museu ligado aos portugueses». Trata-se de um espaço recheado com «uma espécie de painéis namban» que de certa forma continuam «a narrativa dos painéis presentes no Museu de Arte Antiga. Tudo muito bem arranjado, com aquele brio próprio dos nipónicos». Teve o casal de portugueses a oportunidade de conhecer a actual proprietária, que ciosamente dava continuidade à tradição iniciada pelo pai.
Embora haja quem refute a hipótese, Fernão Mendes Pinto terá sido um dos três primeiros ocidentais, juntamente com António da Mota e Diogo Zeimoto, a chegar ao arquipélago nipónico, «em 1541 ou 1543», pois ele mesmo o afirma na sua imortal obra. Terá sido ele também quem ofereceu uma das armas ao daimio de Tanegashima (Zeimoto ofereceu um outro exemplar), na altura um deslumbrado jovem de 17 anos. Perdera esse nobre japonês uma série de possessões do seu domínio a favor do tio que expulsara o pai, «pois este era um tirano», ocupando assim o seu lugar. O daimio logo encarregou o seu armeiro-mor de fazer uma réplica de um mosquete e outra de um arcabuz. Aita – assim se chamava o armeiro – apenas manufacturava armas brancas, mas atendeu ao pedido do seu senhor o melhor que pôde. De tal modo ficou o daimio entusiasmado com o produto final que não o deixava sair do palácio, «pois o considerava tesouro da família». Contudo, essas armas de fogo tinham um grave defeito: a culatra não fechava. Confrontado com essa falha, «sentindo-se profundamente desonrado», Aita estava pronto a fazer haraquiri quando, ao olhar para a sua jovem filha Wakasa num derradeiro acto de despedida, teve uma ideia brilhante. Mandá-la-ia de presente ao namban em troca do segredo do fecho da culatra. Ou seja, se o português casasse com a filha teria de trabalhar com ele e revelar-lhe esse segredo, assim como o segredo da pólvora.
«A primeira história de amor entre um ocidental e uma japonesa, surge, assim, no seguimento da introdução das armas de fogo no Japão pelos portugueses do século XVI», concluia Deana Barroqueiro.
Para os habitantes de Tanegashima o dito namban era o nosso Fernão Mendes Pinto, que acabaria até por casar com a bela Wakasa. Afirmava Deana Barroqueiro ter lido quatro crónicas da época, «embora traduzidas para Inglês», atestando esse facto. Aliás, os «amores entre Pinto e Wakasa» dariam azo a todo tipo de literatura: do pequeno poema ao género épico, passando pela literatura de cordel. Dizia-me Deana Barroqueiro: «Logo a seguir a essas crónicas apareceram uma série de textos avulsos, contos, peças de teatro, romances, poemas narrando esse casamento em várias versões, inclusive uma versão em que a princesa Wakasa engravida e tem um filho, que o namban, entretanto casado no seu país de origem, virá mais tarde buscar, o que leva a princesa a suicidar-se. Uma das versões mostra-nos Wakasa no alto de um monte, vendo os barcos a chegar, suicidando-se de seguida».
Curiosamente, esse é um cenário que lembra em tudo a história de Madame Butterfly, imortalizada por Puccini na ópera homónima. Não seria a primeira vez que os estrangeiros, à falta da capacidade nossa ou, quiçá, audácia, se apropriam de histórias extraordinárias protagonizadas por portuguesas para as transformar em êxitos de vendas em todo o mundo. O caso mais paradigmático é o de Robinson Crusoe, obra de Daniel Defoe inspirada na desdita de um degredado português.
É muito possível, pois, haver entre os nipónicos descendentes de Fernão Mendes Pinto. Deana não descarta a hipótese: «No meu romance apresento versões possíveis, conseguindo conciliá-las recorrendo a vários narradores. É muito natural que haja descendência desse encontro. Na referida literatura de cordel há até uma gravura com o rosto de Fernão Mendes Pinto, algo que em Portugal não acontece». Quanto a Wakasa ela é, entre muitas outras coisas, nome de mercearia e marca de rebuçados e, no centro de Tanegashima, surge em forma de estátua essa filha do armeiro Aita, elevada à condição de princesa, empunhando um arcabuz.
Joaquim Magalhães de Castro