Nesta manhã, o sol entrou-me pelas janelas e com ele vieram as palavras dessa poetisa que se esconde por trás dos gestos de todos os dias e dos múltiplos papéis da vida em que se desdobram as mulheres.
Todavia, a voz subterrânea e íntima de Isabel é mais forte do que todas as vozes do quotidiano, impossível de silenciar, desassossegada, irisada e poderosa como o caudal do rio que banha a sua cidade.
Saboreio-a como um refresco e sei que o dia já não pode correr mal.
Obrigada, Isabel, poetisa encoberta das Terras do Norte, cuja paisagem nos oferece feita pintura e poema. Aqui a tendes:
DESDE O MINHO...
O pássaro da manhã tinha lona de falua nas asas e milho-rei no bico.
Eu estava sentada no meu castelo de pedras rumorosas a vigiar o
nascente. Cada minuto de espera era um acento, um risco de chuva. Eu anelava por aquele novelo de luz para rutilar a minha tristeza.
Ao longe, pelos caminhos núncios da aldeia, vinham as mulheres com cabazes de trabalho nos braços e com o credo na boca. Se uma aragem lhes desalinhava as madeixas do cabelo arruçado, logo ajeitavam o lenço delido na cabeça e pregavam os olhos nas tranças que escorriam pelas ladeiras dos corpos tenros.
As raparigas que esvoaçavam além,entre as flores rasteiras e cheirosas que bordejavam a biqueira do rio, livravam-se das alparcatas do medo e derriçavam palavras mudas nas águas translúcidas. Depois, inundavam o tempo no macramé das hortas e faziam da terra o ventre das suas vidas.
O pássaro da manhã aninhou-se no meu castelo para encher de azul as linhas que escrevo e espigar o sonho da noite escura.
Navegadora,
Estendo-lhe as minhas mãos, os dedos entrelaçados de gratidão.
Os meus filhos ofereceram-me neste Natal o filme que não pude ver no cinema: "O Leitor". Hoje de manhãzinha, deixei-me ir pelas imagens, para desvendar se o destino era um acaso na vida daquelas personagens.
Um beijinho. Um sorriso.
Isabel
Valença do Minho, 26 de Dezembro de 2009
Sou eu que lhe devo gratidão, querida Isabel, e um grande beijo de amizade.
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