O problema de ligação das empresas com a investigação não se resolve com menos ciência, mas sim com mais ciência.
Vários têm sido, no Governo, os candidatos ao título de campeão da asneira. Rui Machete tem-se esforçado, mas, não querendo ficar atrás dessa figura maior do PSD, um político do CDS, António Pires de Lima, ministro da Economia (dividindo a pasta com Paulo Portas), resolveu entrar na competição quando defendeu há meses a introdução nas escolas básicas e secundárias de uma disciplina obrigatória de Empreendedorismo. A ideia não é só dele: é parte da “Estratégia de Fomento Industrial” aprovada em Conselho de Ministros. A escola, pela voz do ministro da Economia e com a aprovação de todo o Governo, tem de estar ao serviço dos negócios.
Ora isto é um disparate. A
escola tem de formar para a vida, transmitindo conhecimentos, moldando
atitudes e inculcando valores. E a vida está muito longe de se
restringir à gestão de empresas. Pires de Lima, no seu mundo Superbock,
acha que a escola tem de formar muitos meninos e meninas para alimentar
os quadros empresariais. Olha para uma criança do 1.º ciclo e vê nela um
gestor em potência. Não lhe interessa se ela vai dominar o Português, a
Matemática ou a Física, para as quais as actuais horas lectivas parecem
não chegar: tem é de dominar o Empreendedorismo. Não sabemos que
disciplina irá ele extinguir para acrescentar a nova. E falta-nos saber
que parte do orçamento do seu ministério irá servir para pagar aos
professores de Empreendedorismo, quiçá empresários falidos que
ambicionam um emprego escolar. Ou saber se vai apelar aos empresários
bem-sucedidos para investirem na contratação de docentes para as nossas
escolas.
O ministro da Economia pouco sabe de Educação e de Ciência. E, absorto como tem andado nos seus negócios (tanto das empresas como da política, os dois entre nós muito bem misturados), também sabe pouco da vida real. Se soubesse, saberia, por exemplo, o que recordou há semanas no Porto, numa Conferência sobre Ciência e Economia, o físico espanhol Pedro Echenique. Em 1995, quando se discutia nos Estados Unidos uma diminuição do financiamento público à investigação científica, os CEO de 15 das principais empresas de base científico-tecnológica, como a IBM e a General Electric, subscreveram uma carta aberta pedindo o reforço da ciência fundamental. Queriam que o Congresso continuasse o apoio "a um vibrante programa de investigação universitária com visão de futuro".
Acontece que o futuro costuma chegar pela mão de cientistas inovadores, em geral muito longe da “economia real”. Não faltam exemplos. O laser foi inventado há mais de 50 anos, numa equipa de ciência fundamental (ora cá está: a óptica quântica!) que trabalhava nos Bell Labs. Na altura foi chamado uma invenção à procura de aplicações. Hoje é o que se sabe: está por todo o lado, nos cabos ópticos, nos CD, nas cirurgias, no corte de materiais, nas luzes das discotecas e até nas caixas de supermercados, por onde passam os códigos de barras das cervejas. Com a orientação de Pires de Lima jamais teria havido lasers.
Existe, de facto, em Portugal um problema de ligação das empresas com a investigação. Mas ele não se resolve com a diminuição da investigação fundamental. Não se resolve com menos ciência, mas sim com mais ciência. Precisamos, em particular, que os gestores percebam o valor da ciência, tal como os seus congéneres norte-americanos, e invistam nela, apoiando os programas públicos de ensino avançado e pesquisa, e contratando, com o seu próprio dinheiro, doutores e pós-doutores. Não precisamos de economias na ciência, mas sim de pessoas na economia que apostem na ciência.
Tudo isto é sabido pelo ministro Nuno Crato. Ele não poderá explicar ao seu colega?
Professor universitário, tcarlos@uc.pt
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