Durante uma conferência organizada pela Fundação Francisco Manuel dos Santos em Lisboa, intervenientes criticaram os recentes cortes no financiamento do sistema científico nacional.
“Não houve por aí um sítio onde o número de estudantes de doutoramento caiu 40%?” A pergunta, irónica, veio do biólogo britânico Paul Nurse, prémio Nobel da Medicina e presidente da Royal Society, durante a palestra, intitulada “Fazer funcionar a ciência”, que proferiu na sexta-feira na Universidade de Lisboa (UL).
Recorde-se que, como se soube há dias, o número de bolsas de doutoramento atribuído pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) sofreu uma queda de 40% em relação ao ano anterior e que o das bolsas de pós-doutoramento diminuiu 65%.
Nurse não foi o primeiro nem o último a referir-se directa e duramente, ao longo de uma conferência organizada pela Fundação Francisco Manuel do Santos (FFMS) sobre o tema “ciência, cultura e inovação”, aos recentes cortes do financiamento público da ciência em Portugal.
Logo no início, enquanto dava as boas-vindas aos intervenientes perante uma sala cheia, o reitor da UL, António Cruz Serra, evocou durante alguns minutos “o enorme ataque às universidades e o desinvestimento na ciência”, achando que “as circunstâncias exigiam que fizesse este discurso”. Também o sociólogo António Barreto, presidente da FFMS, argumentou na sua curta intervenção que “embora nada nem ninguém escape aos cortes, o que em certo sentido é justo, a austeridade excessiva pode causar mais estragos do que benefícios”.
Mais tarde, Paul Nurse faria notar ainda que “quando se corta do lado das descobertas científicas, rapidamente se perde a inovação a curto prazo”, qualificando quem acredita o contrário de “ingénuo”.
José Brandão de Brito, do Instituto Superior de Economia e Gestão, foi outro orador que não quis deixar de salientar oportuna a realização da conferência num momento em que a ciência “acaba de receber um enorme e violento golpe – talvez o maior desde que recuperámos a democracia em 1974”.
Já à margem do evento, Carlos Salema, que foi presidente da JNICT (antecessora da FCT) entre 1989 e 1992, disse ao PÚBLICO que o que está a acontecer é “sobretudo uma alteração profunda” de uma situação que já existia, mas que está agora a ser feita “com pouco cuidado”. “Claro que não concordo!”, exclamou. “Passar de mil bolsas [de doutouramento] para 300!”.
Graça Carvalho, ex-ministra da Ciência de Durão Barroso e hoje eurodeputada, mostrou-se mais moderada, mas disse-nos, contudo, que o corte “deveria ter sido mais gradual” e que “em altura de crise faz mais sentido continuar com mais bolsas individuais do que ter tantos cursos doutorais”, fazendo referência às novas bolsas criadas pelo Governo em 2012 e que são atribuídas pelas universidades aos seus candidatos a doutoramento. “É mais barato e [as bolsas individuais] chegam mais depressa às pessoas.”
Elvira Fortunato, da Universidade Nova de Lisboa, desenvolveu há uns anos o primeiro transístor em papel. E a área em que trabalha – engenharia dos materiais – foi considerada pela União Europeia como uma das mais competitivas em Portugal. Porém, também não escapou aos cortes. “Acho que o corte foi muito drástico”, disse-nos. “E foi transversal”, acrescenta – em todas as áreas, de forma indiscriminada. “No ano passado, a área [dos materiais] teve 54 bolsas de doutoramento; este ano foram nove, com a desculpa de que havia os planos [bolsas] doutorais.” Mas essas são ainda menos – apenas seis – o que corresponde a uma quebra de mais de 70%.
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