30/11/2019

1 de Dezembro de 1640 - Portugal Restaurado

Sucesso da Restauração: 


«Morto o secretário e presa a duquesa no paço, era necessário fazer caucionar a nossa acção pelos três estados. Temíamos que o povo se distanciasse de nós, desconfiado de uma conjura feita por nobres, essa nobreza que o deixara desamparado, aquando dos motins de Évora e Porto, onde tanta da sua boa gente fora justiçada na forca ou condenada às galés. Era urgente trazer para as ruas esse povo, que aos primeiros rumores do golpe se tinha refugiado com medo em suas casas e nas igrejas, levando-o a aclamar Dom João. Dividimo-nos em grupos e fomos percorrer a cidade aos gritos de “Liberdade! Viva El-Rei Dom João, o Quarto!”, a que todos respondiam com muitos “Real, real por El-Rei Dom João, Rei de Portugal!”.

Eu fui, com o meu bando, buscar o senhor Arcebispo de Lisboa, Dom Rodrigo da Cunha, que estava prevenido desde a véspera e saiu logo em procissão com o seu clero, levando um padre na dianteira uma grande cruz alçada, com um Cristo. Soubemos que o Senado da Câmara estava reunido e para lá nos dirigimos, a fim de anunciar que já havia um Rei natural. Encontrámos as portas cerradas por ordem do presidente, que tomara o tumulto por um motim popular e quisera salvaguardar o palácio. Ameaçámos deitar as portas abaixo, mas, mal soube da Restauração, Dom Pedro de Meneses abriu as portas e aclamou El-Rei à janela, dando-me a bandeira da cidade para ser hasteada no Castelo de São Jorge. Podeis imaginar a minha emoção, quando montei a cavalo com ela na mão, seguido por uma multidão que começou a gritar “Milagre! Milagre!”.

A voz de Brás soa emocionada, ao declamar a oitava, contagiando-nos a todos com o seu sentimento: – Chegado em procissão à porta santa / do melhor Português, ergue influído / a vista a um crucifixo com fé tanta, / quanto está de perigos combatido, / pergunta: Se é o Rei que se levanta, / e por ele, ao primeiro prometido? / Em sinal de que o é, descrava um braço, / ditosa procissão, ditoso abraço. 
– Foi assim mesmo, até parece que estiveste lá connosco! – exclama Dom Álvaro, retomando a sua narração:

 «A imagem do Cristo pregado na cruz, com toda aquela agitação, soltara o braço direito e movia a mão um lado para o outro, como a abençoar-nos.
– É um milagre e obra de Deus que tenhamos rei! Viva o nosso Rei Dom João IV», bradava Dom Rodrigo da Cunha, sobre as cabeças da multidão ajoelhada.
Foi uma ajuda verdadeiramente providencial, esta bênção à nossa causa! Em Madrid disseram mais tarde que fora o próprio arcebispo que tinha desprendido o braço da imagem, para comover o povo, até aí irresoluto. Houve, todavia, uma notícia na Gazeta sobre um homem que duvidou deste milagre e a parede, junto da qual conversava com alguns companheiros, mostrando o seu descrédito, caiu-lhe em cima e matou-o.

Hasteei a bandeira no Castelo de São Jorge, depois de o tomarmos à guarnição espanhola, libertando Matias de Albuquerque e Rodrigo Botelho, conselheiros da Fazenda, que o Secretário ali fizera prender. Também no supremo Senado da Casa da Suplicação, Aires Saldanha e Dom Gastão Coutinho abriram as cadeias e deram liberdade a todos os presos que lá se achavam encarcerados por serem contrários a Castela. Os que, como eu, percorriam a cidade anunciando a boa nova – e também com o fito de impedir quaisquer desmandos do povo –, volveram ao Paço tendo deixado a cidade tão sossegada, como se aquele dia primeiro de Dezembro fosse igual a todos os outros e não o da Restauração de um reino perdido havia sessenta anos.».

 – Também dei conta desse raríssimo sucesso no meu poema: Sobem graças ao Céu enquanto a terra / com lágrimas devotas se regava, / publica-se o milagre, e se desterra / o grão pavor que os peitos ocupava: / troca-se em branda paz a dura guerra, / e qual, se não passara o que passava, / teve Lisboa cheia de alegria, / dous pacíficos Reis em um só dia.

– Por último, nomeámos governadores do reino o arcebispo de Lisboa, o arcebispo de Braga (apesar da sua reconhecida fidelidade a Castela) e o visconde Dom Lourenço de Lima, enquanto Dom João não chegasse a Lisboa. Dez dias mais tarde, criámos um Conselho de Guerra, para estarmos prevenidos e tratarmos da defesa das fronteiras contra a invasão do exército espanhol que o conde-duque não tardaria em ordenar – termina, Dom Álvaro, com um suspiro fatigado, o seu longo relato.

(«1640» - de Deana Barroqueiro)

1640 - Restauração (cont.)

Defenestração de Miguel de Vasconcelos 

– Não duvido de que Deus nos ajudou porque fizemos uma revolta quase sem derramamento de sangue, coisa raríssima que espantou todas as nações da Europa – diz Dom Álvaro, assim que o alvoroço sossega, retomando o fio à sua história. – Não podíamos deixar Miguel de Vasconcelos com vida, mas queríamos evitar mortes desnecessárias. 
« Dom António Telo entrou na Secretaria, a fim de cumprir o juramento que fizera de o matar com as suas próprias mãos, mas não achou rasto dele. Quando se preparava para prosseguir com a busca em outras salas do paço, uma escrava que, se refugiara assustada a um canto, apontou para um armário de papéis contra o qual disparou dois tiros. Ouviu-se uma restolhada e o traidor, perdida toda a arrogância e a tremer de medo, saltou de dentro como uma mola, escancarando as portas, com uma clavina engatilhada, atirando à toa, antes de cair ferido ou moribundo. Muitas mãos apoderaram-se dele e, erguendo-o no ar, defenestraram-no. 

Mal o corpo caiu na praça, a regateira Brígida d’Alfama, à frente de um magote de petintais, agarrou-o pelos cabelos e levou-o de rojo para o meio da turba, que o golpeou com pedras, paus e navalhas, socos e pontapés, rasgando-lhe as roupas para levar mementos, até dele não restar senão uma massa sangrenta sem forma humana. Acabava, de modo ignominioso, o ministro prepotente que tantas vidas pisara e a tantos desdenhara, calcado a pés e cuspido de desprezos, como o mais miserável dos criminosos. Na sua escrivaninha achámos uma carta com uma denúncia da conspiração com os nomes de todos os conjurados, que ele não chegara a ler e, por isso, não tomou medidas para a fazer abortar.». 

– Ele não acreditava numa revolta da nobreza e o golpe apanhou-o desprevenido – zomba Dom Rodrigo. – Da mesma arrogância comungava Olivares, achando que nos podia humilhar à sua guisa. Quando teve notícia de que perdera o reino de Portugal, foi pedir alvíssaras a Dom Filipe pela boa nova, dizendo-lhe: “Tem Vossa Majestade mais um grande Estado, dentro da Espanha, o de Bragança, para possuir ou dar, como for servido”. Queria com isto dizer, que agora já podiam dispor de Portugal como mais uma província ou coutada espanhola, porque os vastíssimos domínios do duque de Bragança passariam para a coroa, por crime de lesa-majestade. Chamaram “rei de um inverno” a Dom João, seguros de que o seu reinado só duraria uns meses. 
– Pelas leis da guerra era forçoso matar a Miguel de Vasconcelos – insiste Dom Álvaro, prosseguindo com a sua narrativa. – Se o deixássemos vivo, haveria de ser causa de maior infelicidade para Portugal, que aquela que já havia causado. 

«Dom Miguel de Almeida e um bom número de companheiros foram pelo interior do paço, em busca de Dona Margarida de Sabóia, achando-a junto a uma janela da Casa da Galé, muito assustada com o tumulto e a rogar ao povo que a socorresse e livrasse das mãos dos amotinados. Afastaram-na da janela com muita cortesia e, com igual decoro, impediram-na de descer para o Terreiro do Paço. 
– Senhores, já estais satisfeitos e vingados com a morte do ministro culpado – arengou ela, recuperando o alento. – Ele foi castigado. Não passe adiante o furor, que não deve entrar em corações tão nobres. Prometo-vos que El-Rei perdoará a todos, vendo a obediência com que respeitais o seu serviço. 
D Sebastião de Matos de Noronha, o arcebispo de Braga, irrompeu na sala a vociferar contra os conjurados. O presidente do Tribunal do Paço era conhecido por ser do partido de Castela e pelo seu génio violento. 
– Peço a Vossa Reverência que se cale – atalhou Dom Miguel, num tom nada respeitoso. – Muito me tem custado livrá-lo da morte, porque os portugueses leais o tomam por traidor e já ontem à noite o queriam matar. 

O arcebispo achou prudente obedecer e retirar-se em silêncio para lugar seguro, longe da vista dos homens armado. A duquesa de Mântua, vendo que a tratavam com grande acatamento, retomou a sua sobranceria e as promessas:
 – Eu rogarei a El-Rei Dom Filipe pelo perdão… 
Não chegou a terminar a frase, interrompida por muitas vozes:
 – Já não conhecemos outro rei, senão Dom João IV. 
– Aclamámos ao duque de Bragança por nosso Rei natural. 
– O reino de Portugal está de novo livre e restaurado! 

Dona Margarida enfureceu-se ao ouvi-los e, perdendo o ar conciliatório que usara até àquele momento, insultou-os de modo tão destemperado que Dom Carlos de Noronha lhe disse em voz dura, mais de mando que de cortesia: 
– Rogo a Vossa Alteza que se retire, porque desta sorte posso perder-lhe o respeito!
 – A mim? E como? – desafiou, empertigando-se. 
– Obrigando Vossa Alteza, se não quiser entrar por esta porta, a sair por aquela janela. 
Sentindo na voz de Dom Carlos que este não hesitaria em cumprir a ameaça, a duquesa sufocou os protestos e retirou-se com as suas damas para a capela, não sem antes ter assinado uma ordem ao governador do Castelo, para que não saísse em armas contra os revoltosos. Dom Antão de Almada montou guarda com alguns homens aos seus aposentos, para a impedir de comunicar com Madrid e dar notícia da Restauração. 
(«1640» - Deana Barroqueiro)

«1640» - Preliminares do golpe

Amanhã é o Aniversário da Restauração de 1640. Eis o relato dos preliminares  da revolução pela voz da minha personagem e protagonista dos acontecimentos reais: 

«Quarenta confederados, não muitos para tão difícil empresa, mas assim o exigia o segredo. Cada um de nós tinha às suas ordens um punhado de parentes e amigos leais para levar a bom porto a tarefa que lhe fora destinada, porque se alguém falhasse poderia comprometer toda a missão. Reuníamo-nos, pela calada da noite e no maior segredo, nunca na mesma casa, que mantínhamos às escuras, usando apenas uma sala ou quarto interior; na rua tomávamos as maiores precauções para não levantar suspeitas, indo cada um por sua vez e embuçados, para não sermos reconhecidos. E sempre em pequeno número, para minorar o desastre se fôssemos descobertos, transmitindo em seguida as informações ou ordens aos nossos aliados e restantes conjurados.

O ponto de encontro para o derradeiro lance foi o Terreiro do Paço e a hora aprazada as nove da manhã de Sábado, dia primeiro de Dezembro. O palácio, onde se alojava a Vice-Rainha e Vasconcelos tinha o seu ofício, estava protegido por uma força de alabardeiros alemães e pela guarnição castelhana do forte. Era a cabeça da hidra que precisava de ser decepada, logo de início, conquanto a surpresa jogasse a nosso favor. Esperava-nos a morte, se fôssemos mal sucedidos, e para ela nos preparámos, na véspera, uns fazendo o seu testamento, todos confessando-se e comungado com os padres, nossos companheiros.

Houve momentos de grande emoção, como aquele que presenciei na casa do falecido Luís da Silva, o comendador e alcaide-mor de Seia, quando às sete horas da manhã fui buscar os seus filhos, António e Fernão, porque, sendo assaz moços, iriam comigo para o Terreiro do Paço. Fizeram-me entrar para a capela, onde Dona Mariana de Lencastre, uma fervorosa crente na vinda do Encoberto, com varonil inteireza e procurando manter firmes as mãos que seguravam a espada, armava os dois filhos para a luta que se avizinhava, exortando-os a cumprirem o seu dever, para maior honra dos seus antepassados. Anunciou-me, com muito orgulho, que também havia mulheres patriotas que queriam participar na Restauração da Pátria, mesmo as viúvas como ela e Dona Filipa de Vilhena, a condessa de Atouguia, que na falta do marido, armara igualmente os filhos, Dom Jerónimo e Dom Francisco. Devemos muito a inúmeras mulheres, cujos nomes injustamente esquecemos. Injustiça maior não terem sido cantadas como mereciam, nem terem os seus nomes registados para futura memória, por mais cronistas e poetas da fibra de Brás Garcia».

Que inda tem Portugal tão generosas / matronas, que não somente guardaram / segredo varonil, mas animosas / seus próprios filhos com suas mãos armaram; / imitando as antigas valorosas, / que aos maridos nas guerras ajudaram, / que brotou sempre a planta portuguesa / assombros de valor e de beleza. –  recita o poeta.
– Assim mesmo, Brás, sem tirar nem pôr! Fomos chegando ao Terreiro do Paço, sós ou em pequenos grupos, a pé, a cavalo ou em coches, dispondo-nos em bandos pela praça, em lugares estratégicos, desde o Arco dos Pregos ao do Ouro, de modo a acorrer prestes ao chamado.

«Decididos a arriscar a vida pela mais nobre das empresas, sabíamos o que estava em jogo e como a responsabilidade de muitas vidas pesava nos nossos ombros, por isso o sentimento era de apreensão e temor. O que também deu azo a algumas anedotas, de que não posso deixar de vos dar um exemplo, protagonizado por alguém que todos conhecemos. Quando nos cruzávamos com algum conhecido, para sabermos se era do nosso partido, perguntávamos o santo-e-senha. Ora aconteceu que passou por nós Dom Manuel Pereira da Cunha e parou para nos falar, porém, ao ouvir a pergunta “Quem vive?”, em vez de dar a contra-senha “El-Rei Dom João IV”, respondeu num tom agastado, Quem vive? Vive minha sogra, que por meus pecados ninguém vive mais que ela! O infeliz era malcasado e vivia infernizado pela sogra, embora esperasse dela uma boníssima herança.

Ainda nos ríamos quando o relógio deu a primeira badalada das nove e João Pinto Ribeiro bradou: Ide então ali, à sala dos tudescos, a tirar um Rei e pôr outro, para logo nos tornarmos para casa! Todos vós, mesmo os que não estivestes presentes, sabeis o que então se passou. Saltámos dos cavalos e coches e corremos para o Paço, onde alguns dos nossos já tinham entrado na sala da guarda real (como se fazia, de ordinário, enquanto se esperava para ser recebido por Vasconcelos) e, em ouvindo o sino, dominaram os archeiros e os guardas tudescos, após uma breve mas renhida luta.

Houve poucos feridos de parte a parte e apenas um morto, o corregedor Francisco Albergaria, que levou dois tiros por ter gritado Viva El-Rei Dom Filipe, em resposta a Dom Miguel de Almeida, que bradava, de espada em punho e com uma força de espantar num ancião de oitenta anos, Liberdade, liberdade! Viva El-Rei Dom João o IV! A multidão ia engrossando na praça: aprendizes, oficiais e mestres de desvairados ofícios, atraídos pelo alvoroço ou convocados pelos Vinte e Quatro dos Mesteres e também pelo Juiz do Povo, gente que o padre Nicolau da Maia trouxera para a nossa causa. Dom Miguel apareceu na varanda e repetiu o grito: Valorosos Lusitanos, viva El-Rei Dom João, o quarto de Portugal, até agora duque de Bragança. Viva! Morram os traidores, que nos arrebataram a liberdade! E o Terreiro do Paço estremeceu com o estrondo dos grandes vivas dados em resposta.»
(Deana Barroqueiro - «1640»)

29/11/2019

Contos Eróticos do Velho Testamento - Cursos e Tese de Doutoramento

Os meus Contos Eróticos do Velho Testamento são objecto de estudo e de Doutoramento na Universidade de Minas Gerais, Brasil. 


Na quinta-feira, 14 de Novembro de 2019 | das 14 às 16h:00 teve lugar no Real Gabinete Português de Leitura, do Rio de Janeiro, o Curso "Mulheres que Matam" ministrado pela Professora Doutora Lyslei Nascimento, da Universidade Federal de Minas Gerais. 


Ementa: Leitura de alguns contos da coletânea Contos eróticos do Velho Testamento, de Deana Barroqueiro, publicada em 2018. Nessa antologia, a escritora se apropria de episódios, personagens e histórias da Bíblia e as reescreve, ironicamente, a partir de uma atmosfera de sedução e de mistério. Dedicadas a todas as mulheres, maltratadas ou assassinadas, lutadoras e pertinazes, essas narrativas promovem um olhar que retira da mulher a tradicional condição de vítima, alçando-a a uma posição ativa. Nesse sentido, o delito cometido por mulheres parece, também mudar de estatuto. 


Acompanha essa leitura o conto “Emma Zunz”, de Jorge Luis Borges, e os textos teóricos: “Os agentes de Satã: III. A mulher”, de Jean Delumeau, em História do medo no Ocidente, 1993, e “Mulheres que matam”, de Josefina Ludmer, em O corpo do delito: um manual, 2002. 


Programa: 

1 A mulher como agente de Satã: religião, medicina, justiça. 

2 Mulheres e crimes na Bíblia: personagens e histórias quase invisíveis. 


3 Os contos eróticos de Deana Barroqueiro. 


4 Judite: a viúva casta (da Bíblia à Literatura). 


5 Um contraponto: Emma Zunz, de Jorge Luis Borges. 


6 De vítimas a vingadoras: às margens do Éden. 


Bibliografia básica: 

A BÍBLIA de Jerusalém. Judite. Vários tradutores. São Paulo: Paulinas. 1985. 
BARROQUEIRO, Deana. Os langores de Holofernes. In: Contos eróticos do Velho Testamento. Lisboa: Planeta, 2018. 
BORGES, Jorge Luis. Emma Zunz. In:. Jorge Luis Borges: Obras completas. v. 1. Trad. Flávio José Cardozo. São Paulo: Globo, 1998. p. 627-631. (O Aleph, 1949). 
DELUMEAU, Jean. Os agentes de satã: III. A mulher. In: História do medo no Ocidente: 1300-1800, uma cidade sitiada. Trad. Maria Lúcia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. p. 462-522. 
LUDMER, Josefina. Mulheres que matam. In: O corpo do delito: um manual. Trad. Maria Antonieta Pereira. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002. p. 329-374. 
NASCIMENTO, Lyslei. Mulheres que matam: Judite, crime e redenção. In: JEHA, Julio; JUÁREZ, Laura; 
NASCIMENTO, Lyslei (Org.). Crime e transgressão na literatura na literatura e nas artes. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2015. p. 155-172. Informações: (21) 2221-3138 | gabinete@realgabinete.com.br

26/11/2019

O Museu do Prado Feesteja os seus 200 anos

Quando o Museu do Prado faz anos, a festa é também da rainha portuguesa que o criou: Isabel de Bragança teve uma vida curta e muito infeliz, mas isso não a impediu de criar uma das melhores pinacotecas do mundo. 

(Edição Público Porto19 Nov 2019 Artes - Lucinda Canelas)

Nada mais apropriado do que o museu que deve em boa parte a sua existência a uma mulher celebre o dia exacto do seu 200.º aniversário com uma das suas principais exposições dedicada a duas pintoras, coisa inédita na sua história. Falamos do Museu do Prado, em Madrid, da rainha que o fundou, a portuguesa Isabel de Bragança, e de Sofonisba Anguissola e Lavinia Fontana, duas artistas italianas dos séculos XVI e XVII. Francisco de Goya também lá está (e por direito), numa exposição saída de um projecto mais vasto para o novo catálogo raisonné dos seus desenhos ( fica até 16 de Fevereiro).

Estas são praticamente as últimas propostas de um intenso ano de festa marcado por conferências, restauros e exposições, com destaque para a de Fra Angelico e a que juntou Velázquez, Rembrandt e Vermeer. Foi há precisamente 200 anos que uma colecção destinada à esfera da corte se transformou num importante instrumento de democratização da arte, embrião daquela que viria a ser uma das melhores pinacotecas do mundo, hoje visitada por três milhões de pessoas por ano.

Na sua génese está uma princesa portuguesa, Isabel de Bragança (1797-1818), a primeira de nove fi lhos de um casal eternamente desavindo, o rei D. João VI e D. Carlota Joaquina. Para reforçar as alianças entre Portugal e Espanha, a infanta viria a tornar-se mulher de um dos seus tios maternos em 1816. Fernando VII tinha, então, 31 anos, Isabel apenas 19. Pouco tempo depois, engravidou da sua primeira filha, que morreu aos cinco meses, tornando ainda mais difícil a sua vida na capital espanhola. O marido, de “gesto antipático” e “modos camponeses”, conta Marsilio Cassotti no livro Infantas de Portugal, Rainhas em Espanha, desprezava-a. (Jornal Público)

Embora não fosse feliz no casamento, Isabel terá conseguido levar Fernando VII a investir na criação de um museu, com as centenas de obras que encontrou armazenadas no Mosteiro do Escorial , convencendo o marido a recuperar o degradado edifício do Gabinete de História Natural. Isabel conseguiu o seu intento, mas morreu do seu segundo parto em 1818, um ano antes da inauguração do seu museu.

18/11/2019

«1640»: Ventos de Revolta

CONTINUAÇÃO DA NARRATIVA DA RESTAURAÇÃO: VENTOS DE REVOLTA - narrado por Brás Garcia Mascarenhas no "1640"
«Das insurreições que assolavam o reino, ia-nos chegando notícia, tanto dos motins do Porto e de Coimbra como, em 1638, das alterações de Évora, que deram maior brado devido ao modo brutal como a revolta do Manuelinho foi esmagada e pelo grande número de populares justiçados. Ansiava-se por um Rei português, como proclamava uma das quadras do louco que dera nome à revolta: 
Um Rei novo nascerá, 
que novo nome há-de ter; 
de terra em terra andará. 
Muita gente lhe há-de morrer. 
Crescia o ódio ao Rei estrangeiro e à tríade de ministros traidores, que, como capatazes sabujos, governavam em seu nome, esbulhando Portugal e o nosso Império d’além-mar de homens, recursos e riquezas, para financiar as guerras do Império espanhol. 
O medo não calava as vozes do povo, que fizera canções de esperança das rimas proféticas do Bandarra, o sapateiro de Trancoso morto há quase cem anos. Os versos apontavam para o duque de Bragança, Dom João, que eu vira em menino a jurar fidelidade ao Príncipe Filipe, aquando da visita do pai a Lisboa. 
Também eu sentia um formigueiro de patriótica esperança de libertação, porém, nove anos de constantes combates no Brasil tinham-me deixado farto de guerras, decidido a não me meter em conjuras e a gozar o resto da minha vida no remanso do meu lar. O poeta que há em mim, todavia, não ficou incólume aos fumos da revolta, de que o meu Viriato se fez eco: 
Presságios mil, celestes e terrenos, 
por umas e outras partes repetidos, 
estavam prometendo, quando menos, 
grandes mudanças, reinos divididos 
e como lá dos campos agarenos 
a causa derivou destes perdidos, 
sua restauração tão desejada 
dos campos catalães foi derivada. 
(«Viriato Trágico» - Epopeia de Brás Garcia de Mascarenhas) 

Foi pelo abade Jacinto Freire de Andrade que tomei conhecimento da conjura e golpe que restaurou a Monarquia portuguesa, libertando-nos do jugo espanhol e fazendo girar a meu favor a roda da fortuna, numa inesperada mudança de vida, porque os meus crimes foram amnistiados e eu rendido à liberdade – «águas involtas são voltas de povo, / a que sai todo réu, peixe escondido; / logo saí da Pátria pera a Corte, / onde o caso passava desta sorte.» Cantei o milagroso sucesso, transbordando de entusiasmo patriótico: 
Já o morto valor ressuscitado 
na hora sinalada, oito do dia 
primeiro de Dezembro, ano apontado 
em quarenta, de antiga profecia: 
com a gala encobrindo o peito armado 
de várias partes lento concorria 
ao Paço, como tinha de costume, 
que este desmente, o que se já presume.
(«1640» - Deana Barroqueiro)

«1640» - A Conspiração

CONTINUAÇÃO DA NARRATIVA DA RESTAURAÇÃO

No período que antecedeu a revolução de 1640, os conjurados desesperavam com as hesitações de D. João, o duque de Bragança, em aceitar a coroa e chegaram a ameaça-lo com a escolha do irmão, D. Duarte, ou até com a implantação da República. Assim o relata D. Álvaro de Abranches a D. Francisco Manuel de Melo, quando o visita na prisão: 

«– Dom Duarte de Bragança partilhara da aversão de seu pai ao domínio castelhano, tendo recusado a mão de Dona Maria de Guzmán, a filha do valido, que lhe tomou grande ódio. Exercia grande influência sobre o irmão mais velho e opôs-se ao seu casamento com “uma parenta do Olivares”. Por isso, Dona Luísa não morria de amores pelo cunhado, temendo que o seu Império sobre Dom João fosse maior que o dela. Um desamor agravado com o desrespeito que ele lhe mostrou ao ter conversação pecaminosa com uma das suas açafatas, pelo que forçou o marido a dar casa própria aos cunhados, fora do paço de Vila Viçosa. O Infante morou durante algum tempo com o irmão mais novo, Dom Alexandre, numa quinta cedida por Francisco de Lucena, mas o desejo de buscar fortuna levou-o a partir para Madrid, em 1634, acompanhado de Francisco de Sousa Coutinho… 
– O mais célebre político e diplomático do nosso tempo – interrompo eu, pois nunca é tarde para se fazer justiça e elogiar a quem é merecedor. 
– Sem dúvida! Era já o homem de maior confiança do duque Dom João, que o enviou com o cargo de aposentador-mor do seu irmão, para acomodar os sessenta criados, a livraria, o guarda-roupa, a repostaria, a cozinha, a coudelaria e a escrivaninha, entre outros serviços, com créditos abertos nas maiores cidades de Alemanha, Itália, e França. «Talvez esperasse grandes mercês de Dom Filipe, por ser quem era, ou de uma recomendação para Fernando II, Imperador do Sacro Império e Rei da Hungria, mas nem sequer foi recebido em audiência pelo rei, como era devido a um Grande de Portugal. Sentindo-se pouco estimado e nada favorecido, seguiu para a Alemanha. Quanto às hesitações do duque Dom João, de que falávamos há pouco, após nova visita, e já no auge da desesperação, Pêro de Mendonça atreveu-se mesmo a dizer-lhe que, se o irmão também declinasse a honra e o dever de ser Rei de Portugal, talvez os conjurados não tivessem outro remédio senão a substituir a monarquia por uma república, ao modo de Holanda ou Veneza. 
«– Se nós proclamarmos a República, que partido tomará Vossa Excelência, o de Espanha ou o de Portugal? – perguntou-lhe, olhos nos olhos. 
– O da Pátria, Pêro de Mendonça! – respondeu Dom João de imediato, dando novas esperanças aos patriotas que decidiram agir.». 
(«1640» - Deana Barroqueiro)