CONTINUAÇÃO DA NARRATIVA DA RESTAURAÇÃO: VENTOS DE REVOLTA - narrado por Brás Garcia Mascarenhas no "1640"
«Das insurreições que assolavam o reino, ia-nos chegando notícia, tanto dos motins do Porto e de Coimbra como, em 1638, das alterações de Évora, que deram maior brado devido ao modo brutal como a revolta do Manuelinho foi esmagada e pelo grande número de populares justiçados. Ansiava-se por um Rei português, como proclamava uma das quadras do louco que dera nome à revolta:
Um Rei novo nascerá,
que novo nome há-de ter;
de terra em terra andará.
Muita gente lhe há-de morrer.
Crescia o ódio ao Rei estrangeiro e à tríade de ministros traidores, que, como capatazes sabujos, governavam em seu nome, esbulhando Portugal e o nosso Império d’além-mar de homens, recursos e riquezas, para financiar as guerras do Império espanhol.
O medo não calava as vozes do povo, que fizera canções de esperança das rimas proféticas do Bandarra, o sapateiro de Trancoso morto há quase cem anos. Os versos apontavam para o duque de Bragança, Dom João, que eu vira em menino a jurar fidelidade ao Príncipe Filipe, aquando da visita do pai a Lisboa.
Também eu sentia um formigueiro de patriótica esperança de libertação, porém, nove anos de constantes combates no Brasil tinham-me deixado farto de guerras, decidido a não me meter em conjuras e a gozar o resto da minha vida no remanso do meu lar. O poeta que há em mim, todavia, não ficou incólume aos fumos da revolta, de que o meu Viriato se fez eco:
Presságios mil, celestes e terrenos,
por umas e outras partes repetidos,
estavam prometendo, quando menos,
grandes mudanças, reinos divididos
e como lá dos campos agarenos
a causa derivou destes perdidos,
sua restauração tão desejada
dos campos catalães foi derivada.
(«Viriato Trágico» - Epopeia de Brás Garcia de Mascarenhas)
Foi pelo abade Jacinto Freire de Andrade que tomei conhecimento da conjura e golpe que restaurou a Monarquia portuguesa, libertando-nos do jugo espanhol e fazendo girar a meu favor a roda da fortuna, numa inesperada mudança de vida, porque os meus crimes foram amnistiados e eu rendido à liberdade – «águas involtas são voltas de povo, / a que sai todo réu, peixe escondido; / logo saí da Pátria pera a Corte, / onde o caso passava desta sorte.»
Cantei o milagroso sucesso, transbordando de entusiasmo patriótico:
Já o morto valor ressuscitado
na hora sinalada, oito do dia
primeiro de Dezembro, ano apontado
em quarenta, de antiga profecia:
com a gala encobrindo o peito armado
de várias partes lento concorria
ao Paço, como tinha de costume,
que este desmente, o que se já presume.
(«1640» - Deana Barroqueiro)
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