18/11/2019

«1640»: Ventos de Revolta

CONTINUAÇÃO DA NARRATIVA DA RESTAURAÇÃO: VENTOS DE REVOLTA - narrado por Brás Garcia Mascarenhas no "1640"
«Das insurreições que assolavam o reino, ia-nos chegando notícia, tanto dos motins do Porto e de Coimbra como, em 1638, das alterações de Évora, que deram maior brado devido ao modo brutal como a revolta do Manuelinho foi esmagada e pelo grande número de populares justiçados. Ansiava-se por um Rei português, como proclamava uma das quadras do louco que dera nome à revolta: 
Um Rei novo nascerá, 
que novo nome há-de ter; 
de terra em terra andará. 
Muita gente lhe há-de morrer. 
Crescia o ódio ao Rei estrangeiro e à tríade de ministros traidores, que, como capatazes sabujos, governavam em seu nome, esbulhando Portugal e o nosso Império d’além-mar de homens, recursos e riquezas, para financiar as guerras do Império espanhol. 
O medo não calava as vozes do povo, que fizera canções de esperança das rimas proféticas do Bandarra, o sapateiro de Trancoso morto há quase cem anos. Os versos apontavam para o duque de Bragança, Dom João, que eu vira em menino a jurar fidelidade ao Príncipe Filipe, aquando da visita do pai a Lisboa. 
Também eu sentia um formigueiro de patriótica esperança de libertação, porém, nove anos de constantes combates no Brasil tinham-me deixado farto de guerras, decidido a não me meter em conjuras e a gozar o resto da minha vida no remanso do meu lar. O poeta que há em mim, todavia, não ficou incólume aos fumos da revolta, de que o meu Viriato se fez eco: 
Presságios mil, celestes e terrenos, 
por umas e outras partes repetidos, 
estavam prometendo, quando menos, 
grandes mudanças, reinos divididos 
e como lá dos campos agarenos 
a causa derivou destes perdidos, 
sua restauração tão desejada 
dos campos catalães foi derivada. 
(«Viriato Trágico» - Epopeia de Brás Garcia de Mascarenhas) 

Foi pelo abade Jacinto Freire de Andrade que tomei conhecimento da conjura e golpe que restaurou a Monarquia portuguesa, libertando-nos do jugo espanhol e fazendo girar a meu favor a roda da fortuna, numa inesperada mudança de vida, porque os meus crimes foram amnistiados e eu rendido à liberdade – «águas involtas são voltas de povo, / a que sai todo réu, peixe escondido; / logo saí da Pátria pera a Corte, / onde o caso passava desta sorte.» Cantei o milagroso sucesso, transbordando de entusiasmo patriótico: 
Já o morto valor ressuscitado 
na hora sinalada, oito do dia 
primeiro de Dezembro, ano apontado 
em quarenta, de antiga profecia: 
com a gala encobrindo o peito armado 
de várias partes lento concorria 
ao Paço, como tinha de costume, 
que este desmente, o que se já presume.
(«1640» - Deana Barroqueiro)

Sem comentários: