21/10/2009

Bíblia: Todos os defeitos e poucas virtudes

Considero bizarro o “escândalo” que José Saramago provocou em alguns católicos e judeus, ao considerar a Bíblia "um manual de maus costumes, um catálogo de crueldade e do pior da natureza humana".

Estranho tais reacções porque, enquanto escritora de romance histórico, publiquei em 2003/2004 os meus Contos Eróticos do Velho Testamento e os Novos Contos Eróticos do Velho Testamento, com a chancela da Editora Livros Horizonte, nos quais rescrevi as lendas do Livro do Génesis, do Antigo Testamento, transformando-as em crónicas realistas da Antiguidade pré-clássica que põem em evidência os mesmos defeitos apontados por José Saramago, referindo-me ao dito Livro, numa entrevista que me fez Maria Teresa Horta para o Diário de Notícias (17/03/04), em idênticos termos, como um livro de maus exemplos com todos os defeitos e muito poucas virtudes.

Ao fazê-lo, não me movia o ódio, nem a ideologia comunista, nem a senilidade, mas apenas a curiosidade e o estudo que me fazem investigar qualquer tema até ao mais ínfimo pormenor. Segui a versão da Bíblia “traduzida das línguas originais, com uso crítico de todas as fontes antigas pelos missionários Capuchinhos” que são especialistas desta matéria. Moveu-me à sua escrita, sobretudo, o erotismo fortíssimo que se desprendia daqueles contos de há quatro mil anos (a maioria das suas histórias são versões das lendas e contos da Mesopotâmia e de outras civilizações mais antigas, como o dilúvio de Ur transformado no dilúvio de Noé).

Não são, portanto, textos ditados por Deus, mas inventados e plagiados por homens que acreditavam em deuses cruéis e vingativos e os usavam para justificar as suas lutas pelo poder, os seus actos de violência e crueldade ou o domínio pelo terror supersticioso da gente crédula e ignorante. Como ainda acontece com os países muçulmanos onde impera o fundamentalismo. Por isso, o Deus cristão, o Jeová judeu ou o Alá muçulmano não se distinguem em nada de Baal ou de qualquer outro deus pagão, com a sua brutalidade, ódio ao ser humano e pusilanimidade, como criatura feita à imagem do homem… que o criou.

Do ponto de vista histórico (o único que me interessa), o Antigo Testamento que foi o exclusivo objecto do meu estudo não passa de um texto literário, uma colectânea de lendas como a Ilíada ou a Odisseia, embora de pior qualidade do que as referidas obras gregas. Procurei nos meus contos repor o realismo da vida daquelas tribos de pastores, primitivas e nómadas, investigando a História desse período através dos documentos e provas existentes, assim como das notas dos padres Capuchinhos.

Os meus contos lançaram um olhar feminino sobre a Bíblia, nada comum até aos nossos dias, procurando mostrar a condição da mulher, desprezada, aviltada, usada pelos homens como objecto de compra e venda, inferior ao gado dos seus rebanhos, e como animal de procriação, essa condição veiculada nos ditos livros sagrados das três religiões principais e de que, mesmo no Século XXI, a mulher ainda continua a ser vítima.

Porque não suscitei, então, a mesma indignação, se os meus contos são muito mais violentos e denunciadores desses maus exemplos de vícios e crimes, do que os livros de José Saramago? Só encontro uma resposta: eu não era o Nobel da Literatura, mas apenas uma escritora pouco conhecida, que não provocaria o mesmo “perigoso” efeito de denúncia no mundo, apesar das versões brasileira, espanhola e italiana dos seus contos.

Santa hipocrisia! Espero que o livro de José Saramago seja um sucesso!

16/10/2009

Mais de 150 pessoas no lançamento
d’ O Espião de D. João II

A grande sala de jantar do 7º piso do El Corte Inglés ficou sobrelotada. Havia mais do dobro de pessoas para as setenta cadeiras que os organizadores disponibilizaram no evento e alguns convidados, não tendo conseguido entrar na sala, acabaram por desistir e retirar-se. A todos os que não puderam assistir, àqueles a quem eu não consegui falar ou sequer ver, venho deixar aqui o meu pedido de desculpas.

Fiz questão de chegar meia hora mais cedo para poder receber os amigos que se adiantassem, agradecer-lhes a presença, conversar um pouco e assinar-lhes os livros para não terem de esperar mais tarde, dado que muitos vinham de fora de Lisboa, nomeadamente do Algarve. Porém, com grande mágoa minha, nem mesmo assim logrei dar as boas-vindas a toda aquela encantadora e luzida assembleia de mais de cento e cinquenta pessoas.

O Espião de D. João II teve a honra de ser apresentado pelo Dr. Guilherme d’Oliveira Martins, presidente do Tribunal de Contas e do Centro Nacional de Cultura, o qual, de pois de tecer grandes elogios à obra, a fim não prejudicar o suspense da narrativa, escolheu debruçar-se sobre o mito da demanda do Preste João das Índias e encantou a assistência com uma verdadeira lição de História sobre o tema.

Assim, desejo expressar a minha gratidão à editora Esquilo, na pessoa do seu editor, Dr. Paulo Alexandre Loução, ao Dr. Guilherme d’Oliveira Martins pela sua brilhante participação e a todos os que vieram festejar comigo por cumplicidade neste amor dos livros e da escrita e por bem-querer.

Por fim, os meus agradecimentos à equipa do El Corte Inglês, pelo gentil recebimento na sala do seu restaurante e pelo transtorno que lhes possa ter causado a hora tardia em que os deixámos.

Bem hajam todos pelos momentos de intenso prazer e emoção que me causaram!

09/10/2009

No rasto de Pêro da Covilhã

Enquanto escritora de romance histórico, pretendo dar aos meus leitores a visão dos factos e dos lugares segundo o ponto de vista e a experiência daqueles que viveram na época de que me ocupo, em particular, os séculos XV, XVI e XVII. Por isso, só visito esses sítios distantes por onde peregrinaram os meus heróis, depois de concluído o romance, a fim de não deixar contaminar essa visão pelo olhar contemporâneo, todo outro, do Século XXI. Vou apenas para verificar se as minhas pesquisas e o mágico olhar da imaginação não atraiçoaram o rigor histórico e a realidade desse mundo antigo.

Assim sendo, integrei-me com o meu marido, João Pires Ribeiro, na embaixada cultural do Centro Nacional de Cultura, que partia ao encontro da História, seguindo o rasto de Afonso de Albuquerque, o Terrível, através das fortalezas de Mascate, Curiate, Khasab (Musandam), Ormuz, ou do forte do Bahrein, entre outras. Eu, porém, seguia outro rasto, não o do conquistador e futuro governador das Índias, mas o do Espião de D. João II que o precedeu e, em 1487, encetou uma das mais extraordinárias viagens de todos os tempos: Pêro da Covilhã. Tal como Marco Polo, também ele esteve duas vezes em Ormuz, e no Cairo, antes e depois da sua peregrinação de seis anos pela Índia e pela costa Oriental de África e de onde voltaria a partir para a Arábia Félix, Sinai e, por fim, Etiópia, término da sua demanda do Preste João e da sua viagem sem regresso.


Com inexplicável emoção vislumbrei, por entre a neblina dos fiordes formados pelas estranhas configurações das montanhas de Omã, essa mesma paisagem que Pêro da Covilhã contemplou 520 anos antes de mim – as costas da Pérsia (Irão) e a florescente e rica ilha de Ormuz, a “Pedra do Anel”, onde desembarcou pela segunda vez, por ordem d’el-Rei D. João II, para aí deixar o Rabi Josef. Mal sabendo nadar, não resisti a meter-me naquele mar salgadíssimo, cuja densidade me permitia flutuar sem barbatanas nem coletes de salvação. A presença do meu herói bastava para me fortalecer a coragem, espicaçando-me a portuguesa costela aventureira. Porém, ao contrário da tolerância religiosa e do esplendor do luxo e das artes, que o espião de D. João II aí encontrou, foi-nos negada a entrada numa aldeia, pelos seus chefes, a pretexto do Ramadão e da nossa presença ser nociva (decerto por sermos infiéis, apesar de nos apresentarmos tapados da cabeça aos pés por balandraus mouros e lenços, por respeito aos seus costumes, sendo nós os visitantes.

Idêntica emoção experimentei, todavia, no Mar Roxo por onde Pêro da Covilhã navegou a medo nos djelbas, os barcos mouros feitos de tábuas atadas por cordas de cairo, sem pregadura, primeiro com o seu malogrado companheiro, o albicastrense Afonso de Paiva, e posteriormente sozinho duas ou três vezes. Aí pude mergulhar também nas suas águas, numa praia privativa de um hotel para estrangeiros, a salvo da intolerância religiosa e da sujeição ignóbil e castradora imposta às mulheres, para as reduzir à condição de servas dos homens, uma espécie de animais domésticos para reprodução.

No Cairo, mal vi os souqs, os quarteirões dos comerciantes, no entanto pareceu-me terem perdido o espírito antigo que ainda senti nos de Istambul, talvez devido ao excesso de turismo e da globalização no seu aspecto mais negativo de “formatação” dos povos. No entanto, a Cidade dos Mortos, onde o meu herói se bateu contra um bando de meliantes, não me defraudou. Nessa grande urbe, dentro da imensa cidade do Cairo, os vivos coabitam com os mortos, porque, desde há muitos séculos, ela se fez refúgio de miseráveis, desvalidos e criminosos, onde até a polícia receia penetrar. Vi do interior do autocarro (não deixam os turistas passear-se por ali) os túmulos ocres em forma de casas e os mausoléus de mármore que erguem as suas cúpulas altivas, semelhantes a minaretes de mesquitas ou abóbadas de palácios, tal como eu as descrevi em O Espião de D. João II, através dos olhos de Pêro da Covilhã. Disfarcei, para que os meus companheiros de viagem não me vissem chorar.

07/10/2009

O Espião de D. João II no Top 10 das Bertrand

Apesar de só ter visto a luz no dia 28 de Setembro, portanto há uma semana, O Espião de D. João II conta-se entre os dez livros mais vendidos das livrarias Bertrand.

Pode não ser muito significativo, mas deixou-me nas nuvens, como um começo auspicioso para o recem-nascido.

O veredicto dos leitores só o terei depois de lhe penetrarem no âmago e conhecerem as suas qualidades e defeitos. Espero que o declarem persona grata e me absolvam das suas falhas!
Esperar a sentença é o mais angustiante.

Gostaria de vos ver no lançamento, visitantes conhecidos e desconhecidos, pelo menos aos que estão perto, para festejar convosco.

Um grande abraço

Deana Barroqueiro

04/10/2009

O Espião de D. João II e O Navegador da Passagem, as duas faces da medalha

No verão de 2008, ao concluir O Navegador da Passagem, que narra as viagens de Bartolomeu Dias, já não consegui afastar do pensamento a história de outra personagem que aí aparecia, embora fugazmente: Pêro da Covilhã.

Como podia eu glorificar um e ignorar o outro, se eles eram como as duas faces da mesma áurea medalha? Para mais, a minha admiração por estes dois descobridores já vinha de longe, de um anterior projecto de criação de uma colecção juvenil de romances de aventuras com a saga dos Descobrimentos Portugueses, de cuja galeria de heróis ambos faziam parte.

Desde esse tempo, por mais de uma vez, tentei retomar a personagem de Pêro da Covilhã e escrever a sua odisseia, numa perspectiva mais histórica e menos efabulada, embora aproveitando muito do material da saga, fruto de uma pesquisa de longos anos. Narrar a sua peregrinação solitária (separou-se de Afonso de Paiva, em Adem, nos primeiros meses de jornada) de mais de seis anos através da Europa, África e Ásia – um mundo hostil de gente dominada pelo medo, o fanatismo religiosos e a superstição –, durante a qual Pêro da Covilhã desvendou mitos e lendas velhas de muitos séculos, descobriu impérios perdidos e reinos nunca antes visitados por um europeu, desenhando nos mapas imprecisos da sua época os contornos e trilhos do futuro. Uma Demanda mística, concretizada num tempo e espaço reais, semeada de triunfos, perigos e sofrimentos verdadeiros, que só pode ter paralelo na busca do Graal.

Irresistível!

Assim surgiu O Espião de D. João II, romance de viagens e de acção, com uma narrativa linear, adequada a esta personagem solar, um aventureiro dos quatro costados que, embora nado e criado no Portugal do século XV, não deixa de ser um misto de James Bond e de Indiana Jones, sem tecnologia, porém, com talentos extraordinários que o distinguiram dos homens do seu tempo.
Deana Barroqueiro