14/09/2012

Carta Aberta ao Primeiro-Ministro, de Eugénio Lisboa



O texto que publico na íntegra, por cortesia da poetisa Ana Paula Lavado, é do escritor e ensaísta Eugénio Lisboa. O autor foi presidente da Comissão Nacional da UNESCO / conselheiro Cultural da Embaixada de Portugal em Londres entre 1978-1995 / professor catedrático especial de Estudos Portugueses na Universidade de Nottingham / professor catedrático visitante da Universidade de Aveiro / e coordenador do ensino da língua portuguesa na Suécia.
É Doutor Honoris Causa pelas universidades de Nottingham e Aveiro. A Câmara de Cascais outorgou-lhe a medalha de Mérito Cultural.Em Moçambique foi sucessivamente administrador e director das petrolíferas SONAPMOC, SONAREP e TOTAL.


CARTA AO PRIMEIRO-MINISTRO DE PORTUGAL

Exmo. Senhor Primeiro Ministro

Hesitei muito em dirigir-lhe estas palavras, que mais não dão do que uma pálida ideia da onda de indignação que varre o país, de norte a sul, e de leste a oeste. Além do mais, não é meu costume nem vocação escrever coisas de cariz político, mais me inclinando para o pelouro cultural. Mas há momentos em que, mesmo que não vamos nós ao encontro da política, vem ela, irresistivelmente, ao nosso encontro. E, então, não há que fugir-lhe.

Para ser inteiramente franco, escrevo-lhe, não tanto por acreditar que vá ter em V. Exa. qualquer efeito — todo o vosso comportamento, neste primeiro ano de governo, traindo, inescrupulosamente, todas as promessas feitas em campanha eleitoral, não convida à esperança numa reviravolta! — mas, antes, para ficar de bem com a minha consciência. Tenho 82 anos e pouco me restará de vida, o que significa que, a mim, já pouco mal poderá infligir V. Exa. e o algum que me inflija será sempre de curta duração. É aquilo a que costumo chamar “as vantagens do túmulo” ou, se preferir, a coragem que dá a proximidade do túmulo. Tanto o que me dê como o que me tire será sempre de curta duração. Não será, pois, de mim que falo, mesmo quando use, na frase, o “odioso eu”, a que aludia Pascal.

Mas tenho, como disse, 82 anos e, portanto, uma alongada e bem vivida experiência da velhice — a minha e da dos meus amigos e familiares. A velhice é um pouco — ou é muito – a experiência de uma contínua e ininterrupta perda de poderes. “Desistir é a derradeira tragédia”, disse um escritor pouco conhecido. Desistir é aquilo que vão fazendo, sem cessar, os que envelhecem. Desistir, palavra horrível. Estamos no verão, no momento em que escrevo isto, e acorrem-me as palavras tremendas de um grande poeta inglês do século XX (Eliot): “Um velho, num mês de secura”... A velhice, encarquilhando-se, no meio da desolação e da secura. É para isto que servem os poetas: para encontrarem, em poucas palavras, a medalha eficaz e definitiva para uma situação, uma visão, uma emoção ou uma ideia.A velhice, Senhor Primeiro Ministro, é, com as dores que arrasta — as físicas, as emotivas e as morais — um período bem difícil de atravessar. Já alguém a definiu como o departamento dos doentes externos do Purgatório. E uma grande contista da Nova Zelândia, que dava pelo nome de Katherine Mansfield, com a afinada sensibilidade e sabedoria da vida, de que V. Exa. e o seu governo parecem ter défice, observou, num dos contos singulares do seu belíssimo livro intitulado The Garden Party: “O velho Sr. Neave achava-se demasiado velho para a primavera.” Ser velho é também isto: acharmos que a primavera já não é para nós, que não temos direito a ela, que estamos a mais, dentro dela... Já foi nossa, já, de certo modo, nos definiu. Hoje, não. Hoje, sentimos que já não interessamos, que, até, incomodamos. Todo o discurso político de V. Exas., os do governo, todas as vossas decisões apontam na mesma direcção: mandar-nos para o cimo da montanha, embrulhados em metade de uma velha manta, à espera de que o urso lendário (ou o frio) venha tomar conta de nós. Cortam-nos tudo, o conforto, o direito de nos sentirmos, não digo amados (seria muito), mas, de algum modo, utilizáveis: sempre temos umas pitadas de sabedoria caseira a propiciar aos mais estouvados e impulsivos da nova casta que nos assola. Mas não. Pessoas, como eu, estiveram, até depois dos 65 anos, sem gastar um tostão ao Estado, com a sua saúde ou com a falta dela. Sempre, no entanto, descontando uma fatia pesada do seu salário, para uma ADSE, que talvez nos fosse útil, num período de necessidade, que se foi desejando longínquo. Chegado, já sobre o tarde, o momento de alguma necessidade, tudo nos é retirado, sem uma atenção, pequena que fosse, ao contrato anteriormente firmado. É quando mais necessitamos, para lutar contra a doença, contra a dor e contra o isolamento gradativamente crescente, que nos constituímos em alvo favorito do tiroteio fiscal: subsídios (que não passavam de uma forma de disfarçar a incompetência salarial), comparticipações nos custos da saúde, actualizações salariais — tudo pela borda fora. Incluindo, também, esse papel embaraçoso que é a Constituição, particularmente odiada por estes novos fundibulários. O que é preciso é salvar os ricos, os bancos, que andaram a brincar à Dona Branca com o nosso dinheiro e as empresas de tubarões, que enriquecem sem arriscar um cabelo, em simbiose sinistra com um Estado que dá o que não é dele e paga o que diz não ter, para que eles enriqueçam mais, passando a fruir o que também não é deles, porque até é nosso.Já alguém, aludindo à mesma falta de sensibilidade de que V. Exa. dá provas, em relação à velhice e aos seus poderes decrescentes e mal apoiados, sugeriu, com humor ferino, que se atirassem os velhos e os reformados para asilos desguarnecidos, situados, de preferência, em andares altos de prédios muito altos: de um 14º andar, explicava, a desolação que se comtempla até passa por paisagem. V. Exa. e os do seu governo exibem uma sensibilidade muito, mas mesmo muito, neste gosto. V. Exas. transformam a velhice num crime punível pela medida grande. As políticas radicais de V. Exa, e do seu robôtico Ministro das Finanças — sim, porque a Troika informou que as políticas são vossas e não deles... — têm levado a isto: a uma total anestesia das antenas sociais ou simplesmente humanas, que caracterizam aqueles grandes políticos e estadistas que a História não confina a míseras notas de pé de página.Falei da velhice porque é o pelouro que, de momento, tenho mais à mão. Mas o sofrimento devastador, que o fundamentalismo ideológico de V. Exa. está desencadear pelo país fora, afecta muito mais do que a fatia dos velhos e reformados. Jovens sem emprego e sem futuro à vista, homens e mulheres de todas as idades e de todos os caminhos da vida — tudo é queimado no altar ideológico onde arde a chama de um dogma cego à fria realidade dos factos e dos resultados. Dizia Joan Ruddock não acreditar que radicalismo e bom senso fossem incompatíveis. V. Exa. e o seu governo provam que o são: não há forma de conviverem pacificamente. Nisto, estou muito de acordo com a sensatez do antigo ministro conservador inglês, Francis Pym, que teve a ousadia de avisar a Primeira Ministra Margaret Thatcher (uma expoente do extremismo neoliberal), nestes termos: “Extremismo e conservantismo são termos contraditórios”. Pym pagou, é claro, a factura: se a memória me não engana, foi o primeiro membro do primeiro governo de Thatcher a ser despedido, sem apelo nem agravo. A “conservadora” Margaret Thatcher — como o “conservador” Passos Coelho — quis misturar água com azeite, isto é, conservantismo e extremismo. Claro que não dá.Alguém observava que os americanos ficavam muito admirados quando se sabiam odiados. É possível que, no governo e no partido a que V. Exa. preside, a maior parte dos seus constituintes não se aperceba bem (ou, apercebendo-se, não compreenda), de que lavra, no país, um grande incêndio de ressentimento e ódio. Darei a V. Exa. — e com isto termino — uma pista para um bom entendimento do que se está a passar. Atribuíram-se ao Papa Gregório VII estas palavras: “Eu amei a justiça e odiei a iniquidade: por isso, morro no exílio.” Uma grande parte da população portuguesa, hoje, sente-se exilada no seu próprio país, pelo delito de pedir mais justiça e mais equidade. Tanto uma como outra se fazem, cada dia, mais invisíveis. Há nisto, é claro, um perigo.

De V. Exa., atentamente,

Eugénio Lisboa

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Camões no Oriente, de Eduardo Ribeiro

Finalmente em Portugal a apresentação da obra do investigador e escritor Eduardo Ribeiro, a cargo do Prof. Dr. Rui Manuel Loureiro. Uma sessão a não perder.
18 de Setembro, pelas 18 h.
na Delegação Económica e Comercial de Macau
Av. 5 de Outubro, nº 115 - r/chão
Lisboa



SINOPSE DO LIVRO

‘’Camões no Oriente’’ de Eduardo Ribeiro é um «contributo relevante para o conhecimento da vida de Camões nas partes do Oriente e para o conhecimento de alguns aspectos da sua obra poética escrita durante uns largos anos», segundo palavras de um emérito camonista em carta particular ao Autor.

Que continua: «o título não faz jus à amplitude da obra (…) porque as suas informações, reflexões e plausíveis conjecturas sobre Camões após o seu regresso a Lisboa, em 1570, em particular sobre a edição de Os Lusíadas, merecem leitura atenta».
Com efeito, a obra que ora apresentamos ao público é muito mais do que o título anuncia. O título, retirado do primeiro dos seis textos publicados (Roteiro Cronológico de Camões no Oriente), acompanha cronologicamente a vida do Poeta quinhentista desde a partida de Lisboa para a Índia em 1553, segue-lhe os passos em Goa (1553-1562), acompanha-o até Macau (1562-1564), faz com ele o regresso pelo Índico (Goa, 1565?-1567) e Moçambique (1568-1569) e, finalmente, analisa os últimos dez anos do Poeta no Reino (1570-1580).

Um acompanhar a par e passo dos últimos vinte e sete anos do Épico e Lírico, dessa figura ímpar das Letras Portuguesas, aqui revisitado mas sobretudo descoberto, num ‘’passeio prazenteiro e redentor pelo Camões que não nos foi mostrado e nunca revelado’’, em ‘’digressão não apenas pelo poeta mas pelo homem de combate e de cultura, o cidadão, o pinga-amor, o amador, o cientista, o homem liberto que Camões sempre foi, ainda que várias vezes preso, súbdito e obediente, soldado do império, amante da arte e dos sentidos, escravo do seu estro criador, um português de alma genuinamente lusa (…)’’ (Frederico Rato, Nota de Apresentação).

É esse Camões que Eduardo Ribeiro pacientemente estuda e investiga, recupera e trata, remoça e nos devolve, após trabalho de formiguinha talentosa, laboriosa e infatigável, em dádiva generosa’’) (idem).

11/09/2012

Nevoeiro, de Fernando Pessoa (Mensagem para Passos Coelho)



Depois da mensagem do primeiro ministro a anunciar medidas que vão criar mais pobreza para os velhos e os trabalhadores e mais riqueza para os ricos e intocáveis, deixo-vos esta outra Mensagem premonitória de um poeta desassossegado, na voz de Gal Costa.

Imersos num país de Nevoeiro de que nem o sol glorioso logra libertar-nos, assistimos impotentes à nossa destruição, levada a cabo por governantes incompetentes que juraram proteger-nos. Onde está a prometida equidade, que me faria aceitar os sacrifícios insuportáveis que nos pedem, quando vejo que os que mais podiam contribuir para a crise, são os que menos pagam e mais recebem, graças a um rol de medidas de excepção que lhes são oferecidas?

Estou a atingir o ponto de saturação, com esta política de extorsão, desigualdade de sacrifícios e de falta de horizontes. Estão a destruir o tecido social do país, borrifando-se para a democracia e os direitos do indivíduo. Não foram tanto os gastos das pessoas, mas as más políticas, a corrupção, jogos de influências e compadrios dos partidos que alternaram no Governo que puseram o país neste estado.

Portugal... é Hora!