27/02/2016

Nova Edição de D. Sebastião e o Vidente

Já está nas livrarias a nova edição, revista, do meu romance D. Sebastião e o Vidente, com a chancela da Casa das Letras/Leya. Para festejar o seu 10º aniversário, pois foi em 2006 que a Porto Editora o escolheu para se lançar na ficção, apresentando-o com imensa pompa, brilho e circunstância no Mosteiro dos Jerónimos. Aqui vos deixo a minha Carta ao Leitor, que serve de introdução ao livro.

  “La pluma es lengua del alma: cuales fueren los conceptos

                              que en ella se engendraren, tales serán sus escritos”

(El Ingenioso Hidalgo Don Quijote de La Mancha
Miguel de Cervantes 1605)
Caríssimo leitor(a)

 «D. Sebastião e o Vidente» foi o meu primeiro romance histórico de longo fôlego, a obra que a Porto Editora escolheu, em 2006, para iniciar o seu projecto editorial de ficção. Constitui um marco no percurso da minha escrita, porque, embora já tivesse publicado sete romances juvenis e dois livros de contos, foi este livro, premiado e com várias edições esgotadas, que me tornou conhecida como romancista.  
“D. Sebastião e o Vidente” representou não um corte com a obra anterior, mas um ponto de viragem, uma mudança em termos de objectivos, de destinatários e de maturidade da escrita. Teve uma longa gestação (cerca de três anos) e um parto difícil, com muitas versões destruídas. Talvez porque, inconscientemente, a antiga professora de literatura que ainda me habita se insurgisse contra a liberdade da escritora e lutasse para impor a sua vontade, ansiosa por partilhar com os leitores esse tesouro extraordinário de personagens, sucessos e obras do Renascimento português, que lhe serviram de modelo.
Creio que o tema do sebastianismo me surgiu de uma visão pessimista de Portugal, do marasmo do nosso presente e da incerteza do nosso futuro colectivo. Acabávamos de entrar no terceiro milénio da nossa era, um tempo que se esperava de grande Descoberta, Progresso e Conhecimento, para maior felicidade do homem; contudo, no mundo, sopravam cada vez mais fortes os ventos do desencanto, da violência, da pobreza e da superstição. Portugal, avesso à mudança, continuava à espera de um D. Sebastião que o viesse salvar do pântano da mediocridade e imobilismo em que vegetava.
Neste contexto, assume primordial importância no romance um narrador que dialoga, num registo irónico e crítico, com o leitor/a, permitindo-lhe estabelecer uma relação de distanciação e/ou proximidade entre as duas épocas, cotejando o passado com o presente. «A Literatura e a História não dividem o seu património», afirma uma máxima chinesa, porque uma obra literária dá sempre testemunho de um determinado tempo, espaço e civilização. E esse conhecimento é, na minha concepção, a mais-valia do romance histórico.
Assim, o leitor é convidado a sair do seu tempo pessoal e a mergulhar num outro tempo, efabulado, porém, recriado a partir de uma rigorosa investigação de fontes documentais, que se reflecte na contextualização da acção, da linguagem, das mentalidades, dos lugares e dos costumes do século XVI.
De igual modo, as personagens históricas do rei D. Sebastião (o mais desejado e caluniado de Portugal) e de Miguel Leitão de Andrada (um fidalgote de Pedrógão Grande, com fama de vidente e autor da Miscelânea, uma das fontes do romance) são retratadas de forma realista, por vezes crua, mas humanizada, procurando fazer-lhes a justiça que lhes foi negada. Duas vidas entrelaçadas pelo Destino, desde o nascimento até ao desastre de Alcácer-Quibir, que reflectem o espírito da época, esse binómio do idealismo-materialismo, magistralmente encarnado em D. Quixote e Sancho Pança, de Miguel de Cervantes.
D. Sebastião é, apesar de todas as esperanças da nação, um órfão privado de afectos, criado e educado por velhos, como a avó sedenta de poder e o tio cardeal, ambicioso e fraco. Caprichoso e insolente, cresce atormentado pelos seus traumas e complexos de adolescente, sublimados nos sonhos de glória de mancebo visionário, senhor de um poder absoluto (alimentado pela corrupção dos cortesãos e dos políticos) que o arrasta ao desastre, profetizado pelas dolorosas visões de Miguel Leitão de Andrada.
E como todo o autor de romances históricos é por natureza um criador de mitos, ofereço aos meus leitores uma complexa intriga palaciana, feita de conspiração, mistério e revelação… que, dez anos depois da sua criação – uma década preenchida pela trilogia de romances de viagens e descobrimentos, «O Navegador da Passagem», «O Espião de D. João II» e «O Corsário dos Sete Mares: Fernão Mendes Pinto» –, surge em nova edição, revista e melhorada, com a chancela da Casa das Letras/Leya.
Se a leitura vos proporcionar algumas horas de prazer e contribuir para um melhor conhecimento deste período da nossa História, o romance terá cumprido a sua missão e a autora seguirá novo caminho, na senda da sua escrita.

Deana Barroqueiro



18/02/2016

Uma fotografia “assombrosa” e mais um português premiado no World Press Photo 2015



O maior concurso de fotojornalismo do mundo foi dominado pela crise dos refugiados. A imagem do ano encontra-os, de madrugada, na fronteira entre a Sérvia e a Hungria. Mário Cruz, fotógrafo da Agência Lusa, ganhou um dos primeiros prémios.

É uma fotografia a preto e branco, cheia de grão e com pouco contraste. A falta de luz é testemunha da precaridade da situação – dois refugiados na fronteira entre a Sérvia e a Hungria fazem passar um bebé pelo buraco na vedação de arame farpado.

Warren Richardson, o fotógrafo australiano que com esta imagem acaba de receber o prémio principal do World Press Photo 2015, acompanhava há horas um grupo de 200 pessoas que tentavam atravessar a fronteira e que tinham passado toda a noite a fugir da polícia. Não podia usar flash porque se o fizesse denunciaria os refugiados. Eram três da manhã e só a lua lhes permitia ver onde punham os pés. Richardson tinha passado os últimos dias acampado ali, entre os refugiados.
“Eles mandaram as mulheres e as crianças primeiro, depois os homens com filhos e os mais velhos. Devo ter estado com este grupo umas cinco horas. Passámos a noite toda a brincar ao gato e ao rato com a polícia”, disse Richardson, um freelancer que tem a Hungria por base, quando explicou em que circunstância fez aquela que é agora a Fotografia do Ano 2015, segundo o júri do mais importante concurso de fotojornalismo do mundo. “Estava exausto quando tirei a fotografia”, recorda o australiano, citado no comunicado que anuncia os premiados.

Na longa lista dos prémios deste ano, distribuídos por oito categorias, volta a haver um português. Mário Cruz, da agência Lusa, fotografou os talibés no Senegal e na Guiné-Bissau, rapazes entre os cinco e os 15 anos que vivem em escolas islâmicas e que, a pretexto de receberem uma educação corânica, são obrigados a mendigar pelas ruas, entregando os seus ganhos diários – dinheiro, arroz, açúcar  aos professores, que muitas vezes lhes batem e os violam. Alguns são confiados a estes falsos mestres pelos pais, sem meios para lhes garantirem outro tipo de educação, muitos são raptados.
"Talibes, Modern-day Slaves" MÁRIO CRUZ
As fotografias que valeram a Mário Cruz, de 28 anos, o primeiro prémio na categoria de Temas Contemporâneos, um ensaio sobre uma forma de escravatura contemporânea a que deu o nome deTalibés, Modern-day Slaves, acabam de ser publicadas pela revista norte-americana Newsweek, são a preto e branco e mostram, por exemplo, crianças a dormir sobre um chão de cimento numa escola islâmica em Saint Louis, no Senegal, onde vivem mais de 30 “discípulos”. Noutra vê-se um adolescente de 15 anos, Abdoulaye, num quarto com uma grade que o impede de fugir ao seu marabu (professor).
Fugir foi precisamente o que fizeram os meninos que o fotógrafo encontrou na margem de um rio, também em Saint Louis, numa zona conhecida como a cidade dos talibés, dado o elevado número de rapazes que trocam os abusos de que são alvo nas escolas islâmicas pelas ruas, vivendo também na miséria mas em liberdade. A imagem captada por Mário Cruz parece transformá-los em espectros, como se os seus corpos não tivessem peso e não pudessem ser tocados, como se estivessem junto à água, à espera que algo aconteça.

Outra das fotografias desta série viaja até Bafatá, na Guiné-Bissau. Foi tirada num centro de acolhimento para rapazes que escaparam aos seus marabus ou que lhes foram retirados pelos tribunais, nos raros casos em que estes professores são julgados. Só em 2014 este centro recebeu 45 talibés fugidos da escravatura. No texto publicado no site da revista norte-americana, Mário Cruz acrescenta que, segundo dados recentes da ONG Human Rights Watch, mais de 30 mil rapazes são forçados a mendigar só na região de Dacar. São na maioria senegaleses mas, em virtude do crescente tráfico de pessoas, o número de meninos de países vizinhos como a Guiné-Bissau tem vindo a aumentar.

Cruz, que já viu o seu trabalho elogiado pelo New York Times  o prestigiado diário americano chegou a publicar na sua edição impressa internacional algumas das fotografias de Roof, série em que acompanha pessoas que, por vários motivos, vivem hoje em edifícios abandonados de Lisboa , já recebeu também o maior prémio de fotojornalismo português, o Estação Imagem, em 2014, com a reportagem Cegueira RecenteO repórter da Lusa junta-se, agora, aos outros quatro portugueses que também já foram distinguidos pelo World Press Photo: Eduardo Gageiro (retrato do general Spínola, 1974), Carlos Guarita (indústria de armamento, 1994), Miguel Barreira (bodyborder nas ondas da Nazaré, 2007) e Daniel Rodrigues (rapazes a jogarem à bola na Guiné-Bissau, 2013).