31/10/2010

Made in Portugal ou Produto Estrangeiro?

Caros amigos, estamos todos cansados de ouvir falar na nossa desastrosa economia, que Portugal não produz, importando muito mais do que exporta, que os portugueses gastam mais do que ganham, que o investimento e a iniciativa são baixos e o desemprego alto, que não somos competitivos, etc.

Os políticos são em grande parte culpados deste estado da nação, a crise mundial também... todos sabemos isso. E nós, os cidadãos comuns, estaremos isentos de pecado?
Os produtos e marcas portuguesas são quase sempre preteridos em relação às marcas estrangeiras, mesmo quando são de melhor qualidade, quer nos materiais quer na execução. Temo que isso seja fruto do síndrome, muito nosso, de mostrar desprezo por tudo o que é nacional e babar-se por tudo o que vem de fora, por mais "bacoco" que seja. Só se tem valor "cá dentro", depois de se vencer e ser conhecido "lá fora".
Por alguma razão os nossos criadores de sapatos têm de lançar as suas marcas de óptima qualidade, com nomes ingleses, italianos, franceses... para se venderem entre nós.

Este texto vem a propósito de um artigo que vi numa dessas revistas sobre televisão que acompanham os jornais, que passo a citar. Uma apresentadora de TV, chamada Júlia Pinheiro, "só veste criações de estilistas famosos", como Valentino, Cavalli, Armani e Gucci que "custam uma fortuna" - entre 1300 e 3000 euros -, que ela escolhe e a cadeia televisiva compra para as suas actuações e que ficam a pertencer ao guarda-roupa do dito canal. E, quanto a sapatos só Stivalli (cujo custo equivale ao dos vestidos). Nada a argumentar, trata-se de uma empresa privada, livre de gastar o seu dinheiro como quiser.

O que me pareceu ridículo e me trouxe a falar do assunto, foi a manifestação dessa espécie de novo-riquismo deslumbrado, contida na justificação da autora do artigo - "a escolha de estilistas de gabarito internacional não acontece por acaso" - e na frase lapidar de Júlia Pinheiro:
"Não encontro em Portugal alguém que tenha olho para me vestir".

Achei esta afirmação espantosa. E extremamente ofensiva para os talentosos estilistas portugueses que temos actualmente no mundo da Moda e são reconhecidos "lá fora", alguns com lojas nas grandes capitais e exposição de peças no MUDE. São aplaudidíssimos em New York, Paris ou em Milão os desfiles de Ana Salazar, Fátima Lopes, de José António Tenente, Pedro Pedro, Buchinho ou Nuno Gama (que me perdoem os que não cito e são igualmente bons). Bom gosto, sofisticação, elegância, materiais de qualidade, acabamentos perfeitíssimos (tenho peças de Ana Salazar que são prova do que afirmo).
E as criações dos nossos estilistas já surgem nos shows internacionais dos Óscares e outros. Contudo, nenhum deles serve para vestir Júlia Pinheiro ou para os "reality shows" de requintada elegância da TVI. Só de Armani para cima...

Faço-vos um apelo, queridos leitores: Quando pensarem nas prendas de Natal, se quiserem oferecer aos famíliares e amigos outra coisa que não seja livros (tenho de puxar a brasa à minha sardinha!), lembrem-se das peças de cortiça da Pelcor (lindíssimas e originais em que a cortiça parece veludo, já tem loja na Baixa lisboeta); ou da Casa das Peles (das malas, cintos e carteiras aos coletes e casacos de cabedal e peles, loja na Praça do Campo Pequeno); os vidros do Depósito da Marinha Grande ou a rústica cerâmica da Fábrica de Bordalo Pinheiro; a Vista Alegre; a Atlantis, a SPAL ou a Fábrica Jasmim com a delicadeza colorida dos seus copos.
E tantos e tantos outros...

Vamos comprar português (ou para soar mais "in" - made in Portugal)?

30/10/2010

o Outono visto pela janela, in "a verdade dói e pode estar errada"

Recebi esta notícia que o poeta João Negreiros me enviou pelo Facebook, a qual não posso deixar de partilhar com os meus leitores, sobretudo os que não conheçam este talentoso mágico das palavras, que é também um belíssimo intérprete da sua poesia. É bom ver reconhecido, a nível internacional, o valor dos nossos escritores. Não deixem de ver este vídeo, por favor.

A Mensagem do Poeta:

Há poucos dias recebi uma notícia fantástica. O vídeo “o Outono visto pela janela”, um dos poemas que faz parte do meu livro galardoado com o Prémio Nuno Júdice, foi seleccionado entre os 10 melhores por um júri de um festival internacional de poesia em vídeo, tendo ficado em 6º lugar na votação on-line. Foi fantástico! Nunca pensei que isso pudesse acontecer, pela simples razão de eu estar muito limitado do ponto de vista financeiro para produzir os vídeos. No entanto, contei com a preciosa ajuda do cineasta chileno Pedro Juan Alvarez. Talvez por isso, possa ter dado ao trabalho uma mais-valia estética que eu ainda não tinha almejado. Partilho esta notícia, porque acho que as coisas boas devem ser sempre partilhadas com quem nos apoia e nos dá ânimo. Não tinha pretensões de ganhar, mas visto que era o único português em prova, acho representei a literatura portuguesa da melhor maneira possível e, com a vossa ajuda, obtive uma percentagem de votos honrosa.

Deixo-vos o link para assistirem ao vídeo com melhor qualidade e para poderem partilhar com outros amigos.http://www.facebook.com/l/05dd5ab5CjsX1WHdjOTDPVR1GfA;www.youtube.com/joaonegreiros#p/a/u/0/UQ8H2e0I79UMais uma vez obrigado por tudo! Grande abraço,

João Negreiros

Para adquirir o livro - http://www.facebook.com/l/05dd5YSmf1qfGr2_D41DH4iisZQ;www.saidadeemergencia.com/index.php?page=Books.BookView&book_id=535&genre=

Parabéns, João Negreiros!

29/10/2010

Mother Earth (Black Symphony) - Within Temptation

Música com raízes antigas, dos Within Temptations, com que o meu leitor Paulo Franco Henriques costuma acompanhar a leitura dos meus romances históricos. Não destoa... pelo contrário. Obrigada, Paulo, mas é responsável por me ter impedido de escrever esta noite. Só posso ouvir música sem palavras enquanto escrevo. Se houver poema, ouço as palavras dos outros e não as minhas. Uma Sinfonia Negra, em grande esplendor, bom pano de fundo para a vertente mais gótica da minha escrita - inspiradora, sem dúvida!

É tão bom ter esta partilha com os leitores!

24/10/2010

Memórias de Estalo - Capítulo V

O Hospital de Todos-os-Santos

O Hospital de Todos-os-Santos estende-se do Rossio à Betesga, com trinta e quatro arcadas de pedraria e sua abóbada que vai por baixo, de onde parte esta grande Feira, que já está a ferver de uma gente alvorotada e disputando em raivosa grita os preços das fazendas.

Passamos diante do portal mui bem lavrado, com escadaria de dezanove degraus de patamares, que é cousa mui formosa de se ver por não haver outra igual em Lisboa, e paramos na esquina que faz o Rossio com a rua da Betesga, a ala sul do Hospital que abriga o Criandário com suas amas, para as crianças enjeitadas, e a Albergaria para os peregrinos e pedintes.

O porteiro chama o Comprador do Hospital que dá ordens a um mancebilho(1) e a duas moças das cozinhas para descarregarem a carroça, enquanto oferece um pichel de vinho a meu amo e o leva para dentro. Como sempre, vou ter de esperar algum tempo té ele aparecer de olho mais vivo e humor mais prazenteiro.

Sem mexer uma palha, que já fiz a minha obrigação, deixo que as moças me aliviem da carga, e vou mirando alrededor, pois aqui muito se aprende só de olhar as gentes, sendo o bicho homem uma criatura cheia de surpresas. E assim é que, no meio desta azáfama de idas e vindas, vejo uma mulher embiocada a coser-se contra os muros do Hospital, com modos de assustada e um emburilho(2) nos braços, o qual, de passagem, vai deixar escusamente na porta de serventia, para logo fugir trigosa.

Uma sorte de ganido de cainçada pequena parece sair do emburilho, primeiro fraco, mas de seguida tão forte que faz acorrer as moças de dentro do Hospital. “Ai, Jesus, qu’ é outro enjeitadinho!” diz a mocetona, abaixando-se para tomar a criança nos braços, emburilhando-a no mantelote : “Vai chamar uma das amas, Maria. Vai asinha , cachopa, que o anjinho tá a sofrer!” Gente curiosa acerca-se da moça para olhar o enjeitado.

“Más entranhas há-de ter essa madre que tal filho deita fora!” e a mulher cospe para o chão com desprezo. “Ninguém viu a negregada?” pergunta um almotacém , “Botara-lhe eu a mão e logo a fizera arrepender!” Mas tão só eu a vira, a esgueirar-se para a Praça da Palha e a perder-se num mar de gente. “Estas moças d’agora só pensam em amores e folgação e despois… ai, Jesus, qu’emprenhei! e toca a deitar o rebento fora. Deviam ser todas bem açoutadas na picota ”. O almotacém(3) protesta: “E não o são, quando se lhes descobre o rastro?” “Antes fossem garrotadas ou mortas à pedrada, como perras raivosas!”

A Ama surge trigosa e abespinhada: “Melhor fora teres levado o anjinho lá p’ra dentro, que ‘stares pr’aqui no soalheiro com mariolas e mulheres ociosas! Tevessem os homes honra em não abandonar as mulheres à sua desgraça e já isto não acaecera . E não se olvide, menina, que no melhor pano cai a nódoa!” Embalando a criança e murmurando: “Com este, já são cinco esta semana!”, a boa mulher entra no Hospital deixando a metediça a resmonear de despeito.

E, com todo este alvoroto não há uma alma generosa que s'alembre do meu penso, que estou sem comer e beber desde manhãzinha, que a esta hora meu amo já deve estar bem comido e melhor bebido, folgando com as moças da cozinha que, como ele não se cansa de falar, são guapas e faceiras. Porém, como diz o ditado, Em tempo de figos não há aí amigos! É encher a pança, sem olhar a mais ninguém… Se mais depressa falara… melhor m’ aviara! Eis meu bom amo, à porta do Hospital, a desfazer-se em cortesias e agradecimentos e, à bofé de quem sou(4), que traz uma alcofa de comida!


(1) Rapazola.
(2) Embrulho
(3) Inspector de pesos e medidas
(4) Por minha fé! (exclamação).

21/10/2010

As ilustrações das Memórias de Estalo

Caríssimos Leitores

Vem esta prosa a propósito de uma conversa que tive com a leitora e amiga Maria Fernanda Pinto, residente em Paris, sobre as ilustrações de Memórias de Estalo, as quais no texto em papel me serviam de base às "iluminuras" para as letras de início de parágrafos, em que recorri e adaptei iluminuras verdadeiras (de Livros de Horas, por exemplo) ou pormenores de pinturas da época, como os quadros de Bosch.
Maria Fernanda apercebera-se também de que algumas ilustrações retratavam lugares, edifícios ou monumentos que o narrador mencionava durante o seu percurso e que ela desconhecia, sugerindo-me que referisse aos leitores as menos óbvias (o Mosteiro dos Jerónimos e a Torre de Belém não precisam de legenda).
E como, de facto, algumas delas são únicas e podem ter interesse para quem gosta da nossa História, vou repeti-las aqui com uma pequena explicação:

Cap. II - Santos-o-Velho


Nesta pintura - "Os santos mártires Veríssimo, Máxima e Júlia: Desembarque em Lisboa", de Garcia Fernandes (activo 1514-1565), do Museu Carlos Machado -, surge ao fundo o palácio de Santos-o-Velho sendo, segundo creio, a única imagem que temos do edifício original, onde hoje se situa a Embaixada de França que o restaurou.

História das personagens: «O percurso da vida destes mártires, impossível de averiguar com rigor, aparece descrito num códice quatrocentista da Biblioteca Pública de Évora, (cód. CV/1-23d). Segundo a "Legenda", os irmãos lisboneses, Veríssimo, Máxima e Júlia, durante a perseguição de Dioclesiano (imperador romano de 284 a 305 d. C.), apresentaram-se espontaneamente ao executor dos éditos imperiais, confessando a fé cristã. Tentou ele dissuadi-los, com promessas e ameaças e, como nada conseguisse, mandou-os prender. Vitoriosos da prova do cárcere, aplicou-lhes o juiz vários tormentos: açoites, ecúleo, unhas de ferro, lâminas em brasa. Como ainda resistissem, mandou arrastá-los pelas ruas da cidade e, por fim, degolar. Assim alcançaram a palma do martírio a 1º de Outubro de 303 ou 304.
Não contente com o que lhes fizera em vida, perseguiu-os o juiz depois de mortos, ordenando que os cadáveres ficassem insepultos, para servirem de pasto aos cães e às aves. Como as feras os respeitassem, mandou então que os lançassem ao mar com pesadas pedras. Ainda os barqueiros não tinham regressado à praia e já os santos despojos lá se encontravam. Recolheram-nos piedosamente os cristãos e sepultaram-nos no lugar onde depois se erigiu uma Igreja que ainda por memória se chama "dos santos".
Em 1529, a comendadeira D. Ana de Mendonça, mandou colocar as relíquias em cofre de prata, ao lado direito do altar mor, com o epitáfio seguinte: "Sepultura dos santtos martyres S. Verissimo, Santa Maxima & Iulia, filhos de hum senador de Roma, vindos a esta cidade a receber martírio, por revelação do Anjo. Iazem nesta sepultura os seos santos corpos, os quaes há 1350 annos que padecerão & forão trasladados a esta casa onde jazem".
Quanto à naturalidade, nada se costuma afirmar com certeza. Só em época muito recente os hagiólogos os fizeram filhos de um senador romano e os imaginaram em Roma, em colóquio com um anjo que os mandou a Lisboa para confessarem a fé. Esta lenda refletiu-se na iconografia: os três mártires são apresentados em traje e hábito de romeiros, com bordões compridos nas mãos, como pode ver-se num belo conjunto de três imagens, do Século XVII, expostas ao culto na Igreja do extinto Mosteiro de Santos-o-Novo, em Lisboa, que guarda as relíquias dos mártires.»
(Extraído de Hágios da Trindade)

Cap. IV - Da Porta de D. Roque ao Rossio

O Hospital Real de Todos-os-Santos - iniciado por D. João II e continuado por D. Manuel (que lhe ornamentou a porta principal - era considerado um dos mais modernos da Europa e recebia visitas de médicos de todo o mundo. Tinha médico e enfermeiros permanentes e uma ala para doenças venéreas, contraídas nas viagens pelos países exóticos; além de alas separadas para homens e mulheres. Esta fachada era a do Rossio e conjunto de edifícios estendia-se por toda a Praça da Figueira, com jardins de plantas medicinais. Era para ser uma escola de medicina, mas os físicos (teóricos) e os cirurgiões (e barbeiros) que "sujavam as mãos" na prática, não se entenderam e a escola não foi avante. Desapareceu consumido pelas chamas, antes do Terramoto de 1755.


"A construção iniciou-se na manhã de 15 de Maio de 1492 com o lançamento da primeira pedra na presença do Rei D. João II, onde actualmente é o largo do Rossio, tendo a obra ficado a cargo do mestre arquitecto Diogo Boitaca sobre projecto de Mateus Fernandes seu sogro, foi inaugurado em 1501 já no reinado de D. Manuel I, o objectivo era juntar num só edifício os pequenos hospitais espalhados por Lisboa, cidade que na altura tinha 60.000 habitantes, que satisfaziam as populações mais pobres da cidade." (Ver mais Aqui)

Por enquanto, caríssimos leitores, estas imagens são as que têm «vidas» mais secretas e interessantes.
E termino com a pergunta de sempre: Quem é o narrador de Memórias de Estalo?

18/10/2010

Memórias de Estalo - Capítulo IV

DA PORTA DE S. ROQUE AO ROSSIO

Vista assim do alto, sem maus cheiros que nos apoquentem, é uma cidade de sonho, iluminada a azul, branco e oiro, com suas desvairadas colinas a imitarem a curva ondeada das marés. Do outro lado do vale, a Mouraria e a Judiaria derramam pela encosta do Castelo a espuma do seu casario branco e cerrado, a fervilhar de vida e de gentes de estranhos trajos e costumes. Lisboa mede três mil e cem passos de comprido, mil e quinhentos de largo e de cerco em roda sete mil passos, sendo toda edificada em lugares altos e baixos, de tal feição que nunca a podemos ver toda duma parte. Do lado do mar tem vinte e duas portas e da parte de terra dezasseis, contando por todo o muro alrededor setenta e sete torres…

Ai, não queres trabalhar, meu tinhoso? Vilão forte, pé dormente, já lá dizia meu padre! Hei-de deixar-te uns dias em jejum, a ver se ficas mais ligeiro”. Desta vez a ponta do chicote morde-me as costelas, a mostrar que meu amo está prestes a perder as estribeiras e a prudência aconselha-me a obedecer: Quem quer fogo busque a lenha, porém eu já não tenho idade para guerras nem revoltas. Lanço-me num passo trigoso encosta abaixo, para o Rossio, embora com cautela, não vão as çapatas escorregar no esterco do caminho. Apesar das mil negras que andam pela cidade com suas canastras a alimpar as ruas, o lixo parece não ter fim, por serem tantas as gentes e as alimárias de transporte, bem como rebanhos de cabras e ovelhas, perros, gatos, porcos, patos e galinhas, todos fazendo seus feitos onde lhes dá a gana. Mea culpa… té eu já me tenho aliviado, embora a contra gosto!

Dos lados do monte de Santa Ana, vem o fedor do açougue duma praça onde se mata e esfola o gado que pasta na encosta e se corta a carniça para vender na cidade. Por aqui já é basto o mosquedo a atazanar homens e bestas, té parece a Rua de Mata Porcos! Pardeus, como as moscas me fazem raivar! Dou-me pressa d’avançar que o Rossio é lá ao fundo e já se ouvem os pregões de “Água fresca! Água fresquinha!” das negras aguadeiras que são mais de mil, vendendo água ao pote e quartas, por toda a cidade. Muitos outros pregões se soltam, a despertar Lisboa do seu sono, cantigas de mulheres cativas e forras a oferecer pelas ruas e às portas das casas, em panelas grandes e muito limpas, aletria, arroz doce e marmelada, frutas secas, cozidas ou frescas. Assim que os meninos as ouvem, se alevantam da cama chorando por dinheiro a seus padres e madres (menos mal que é isso por vezes seus almoços, que pobreza e alegria nunca dormem numa cama). Outras muitas vendem toda a sorte de viandas, peixe e marisco: cuscuz e chícharos , camarões, berbigões e caramujos , cousas tidas em muito apreço pelas gentes da cidade, que tudo compram, pese ieramá a carestia da vida.

Desemboco por fim no Rossio, passado um pouco já do galante Paço dos Estaus, mandado fazer pelo Infante D. Pedro, filho d’El-Rei D. João I, para dar pousada e gasalhado aos príncipes e embaixadores que vêm a Lisboa. Contra o Oriente, está a Igreja de Nossa Senhora da Escada e o Mosteiro de S. Domingos, logo seguido do sumptuoso Hospital de Todos-os-Santos, o nosso destino. O Rossio é um formigueiro de gente, por ser hoje terça-feira – dia da grande Feira da cidade – e só a muito custo rompemos por entre a multidão, seguindo para as arcadas do Hospital onde, depois de deixar a carga à porta das cozinhas, vou poder finalmente beber água do Chafariz, comer alguma cousita e descansar desta minha trabalhosa viagem.

Nota da autora: Ainda não descobriram quem é o narrador? Até agora só Maria Fernanda Pinto andou por perto... quase a chegar lá . Ninguém mais quer dar um palpite?

16/10/2010

O que dizem os meus Leitores

Em tempo de grande actividade editorial e de movimento nas livrarias para o Natal que se aproxima, a Editora Ésquilo está a preparar a 3ª edição de "O Espião de D. João II" e promete ter nas livrarias o meu último livro, "O Romance da Bíblia". Aqui vos deixo as mais recentes opiniões e críticas dos leitores, repescadas na blogosfera:

"E muito obrigado pelos trabalhos literários de investigação que nos têm acrescentado conhecimento sobre o nosso querido Portugal".
Manuel Patarrana - Facebook 23/10/2010


Sobre O Espião de D. João II

"Gosto muito da sua escrita. Projecta quem lê no espaço e no tempo".
"Adorei ler o seu livro Deana! É fascinante. Um abraço".
Gisélia Gracias Ramos Rosa 24/10/2010

"Em O Espião de D. João II, Deana Barroqueiro leva-nos a viajar pelos continentes africano e asiático à boleia de Pêro da Covilhã, na sua demanda pelo caminho das Índias e do Preste João. Esta viagem é repleta de aventuras e percalços prontamente superados pelo protagonista e pelos amigos que vai fazendo ao longo da viagem. Além das aventuras da história, há a aventura para o leitor, deixado em tom de desafio pela autora: a fala do séc. XV, juntando ainda muitas expressões da Beira-Baixa (simpaticamente explicadas em pequenas notas de rodapé).
Na minha opinião, esta ideia da autora de escrever os romances com o português da época, transporta-nos para dentro do livro e leva-nos a imaginar que viajamos no séquito de Pêro da Covilhã. A autora descreve tudo com bastante pormenor, conseguindo a proeza de não tornar a leitura monótona, de tal forma que consegui visualizar os ambientes, perceber os usos e costumes da época.
Como alguém disse na página do Facebook da autora, fiquei “refém do livro” e da escrita (entretanto já li D. Sebastião e o Vidente, comprei O Navegador da Passagem e O Romance da Bíblia está na lista das próximas aquisições).
O "Espião" foi uma lufada de ar fresco, a grande maioria (para não dizer todos) os romances históricos que li, contam a mesma história de Reis e Rainhas e as intrigas das suas cortes. Ainda traz uma "lição" que serve bem para os dias de hoje, o convívio pacífico entre religiões. Do grupo de amigos no nosso espião fazem parte muçulmanos e judeus."
Susana Henriques - rating: ***** 03/09/2010

Goodreads - rating: Susana, Maria e Biblioferreira****+

"Estou a ler o livro ainda e a gostar imenso. A sua escrita é clara, sugestiva e desperta a curiosidade. Ainda mais sabendo que assenta em factos históricos". Gisélia Gracias Ramos Rosa 16/06/2010

"O livro O Espião de D. João II de Deana Barroqueiro, é merecedor de menção no que toca à ficção histórica em língua portuguesa, na actualidade".
Margarida de Castro 05/04/2010


Sobre O Romance da Bíblia

"Acabei de ler O Romance da Bíblia, da Deanna Barroqueiro e amei!
A dedicatória conquistou-me logo. Ia em busca de um livro para oferecer a uma amiga pelo aniversário e veio o seu - vezes dois! Porque ofereci um e trouxe outro exemplar para mim. Porque delas também reza a História."
ianita (Paraíso do Inferno)5/08/2010

"O romance é uma reedição de outras duas obras da autora sobre lendas, parábolas e histórias do Antigo Testamento, com as suas personagens sacralizadas, mas escrutinadas do ponto de vista feminino e focando a condição da mulher. Foi esta a razão porque me interessei por ler este livro. Assim, descobri um romance sensual, erótico, poético e muito violento, sobre uma época em que a falta de ética e moral originava um tremendo sofrimento e luta constante pela sobrevivência e integridade. Não é possível o distanciamento, porque existe a clara noção de que não se trata de mera ficção, porque sabemos que esta obra é resultado de uma apurada pesquisa e investigação sobre o que existe documentado. As mulheres eram propriedades, adquiridas por contrato, um bem que se dá, se troca ou se vende, segundo o interesse da família. Não eram consultadas ou ouvidas sobre os seus sentimentos e as suas vontades e o seu destino era consoante outros o designassem. Ora uma maldição, ora uma bênção, conforme a sua beleza, sagacidade, ou sorte. Por tudo isto, penso que este livro é realmente de interesse colectivo. Absolutamente."
Helena (Segredo dos Livros)11/09/2010

"Um galeria de mulheres do Antigo Testamento pintadas com mestria pela autora e que nos dão um retrato diferente daquele que lemos na Bíblia. Uma Sara (mulher de Adão) libidinosa e sedutora, a mulher de Onan cheia de malícia e ardis... para só citar 2 de tantas que a Deana nos traz com outras cores. Gostei muito. Um livro que se lê muito bem, mas que denota um profundo conhecimento da Bíblia e uma exaustiva investigação em textos da época, com a citação de vários poemas encontrados em livros antiquíssimos e de que gostei muito.Recomendadíssimo!"
Maria Afonso (Segredo dos Livros)20/06/2010

"Diz Maria Teresa Horta no prefácio que a Bíblia nos apresenta um “Velho Testamento moralista, repleto de anciãos preguiçosos, libidinosos e lascivos, de brutamentes ignorantes e violadores, convocados por um Deus irado frente à própria incompetência e à própria imagem, segundo a qual teria criado o homem, de quem afinal não gosta e castiga.” É contra esta visão que a autora se insurge, trazendo para a ribalta um lote de mulheres que, ao longo da história do povo judeu, estiveram longe de ser as esposas fiéis, as concubinas dóceis e as escravas submissas."
Sebastião Barata (Segredo dos Livros) 07/06/2010

Nota: Podem ler e ouvir excertos e mais críticas do romance em http://romancedabiblia.blogspot.com/

11/10/2010

Memórias de Estalo - Capítulo III

DA ESPERANÇA A SANTA CATARINA

Com estas remembranças nem dei pela subida empedrada e retorcida junto ao Cruzeiro da Esperança que nos leva do Paço do Duque de Aveiro ao arejado outeiro do Convento de Nossa Senhora da Piedade de Boa Vista, mais conhecido por Santa Maria da Esperança. Casa religiosa de franciscanas, de mui simples aparência, mas mui rica paredes adentro, foi fundada há bem pouco tempo por D. Isabel de Mendanha para aí albergar algumas donas nobres anojadas do mundo e donzelas de bom nome e minguado dote. Aqui há-de meu amo deixar muitos e bons recados dos nossos fradinhos Jerónimos para as dedicadas irmãs e arreceber grande soma de produtos de seus belos vergéis, hortas e vinhas – uma generosa oferenda para levar ao Hospital de Todos os Santos.

Enquanto espero meu amo, vou respirando regalado os bons ares destas ricas lavras de cheirosos frutos e bebo uma pouca d’água fresca no Poço da cerca da Esperança. Não é de espantar que tantas casas de gentes-d’algo se hajam começado a alevantar por estas partes, que seus donos mais não desejam que fugir os ares corruptos das pestes e das sujidades e maus cheiros da cidade, causadores de todas as pragas de rataria, mosquedo, piolhedo e demais bichedo.

Depois da carga aviada, de muitas sombreiradas e outros tantos “Deus vos guarde, minhas santinhas”, de meu amo às boas freirinhas da Esperança, que nos lançam muitas bênçãos de “Ide-vos muito embora, João do Restelo!” e “Que o Senhor vá em vossa companha!” e também: “Olhai, que não vos olvide as cartas para o Prior e para os nossos bons irmãozinhos Jerónimos!”, volvemos à estrada que nos vai levar às Portas de Santa Catarina.

Prestes se faz sentir o cheiro endemoninhado do Poço dos Negros, uma cava ou tranqueira para onde lançam os corpos dos escravos negros que se finaram sem ser baptizados e não têm direito a ser enterrados em chão sagrado. Triste destino, o destas pobres gentes, arrecebendo pior tratamento que perro ou sendeiro, salvo seja! E como a vala está tão cheia que só a muito custo logram cobrir os corpos dos negros, El-Rei ordenou de se abrir outra, aí mais arriba, à qual deram o nome de Poço Novo. Meu amo cobre os narizes e a boca com um suadeiro, mas eu, que o não posso fazer, vou de ventas ao léu e arrecebo em plenos focinhos um fedor tão abominável que me revolve as tripas e me traz amargos à boca e tremeduras de sezões.

Mareado de morte, lanço-me em carreira desenfreada, sem atender aos brados do meu amo, e só paro lá bem no alto, à entrada da Vila Nova de Andrade[1]. “Pardeos, Estalo, ervilhaste[2]?! Que bicho te mordeu, zamguizarro[3], pra assim me deitares a perder?” grita João do Restelo inda mal recobrado do susto e todo em sanha: “Não tardas em levar umas trochadas nesse lombo, para teres tento no serviço”. Encolho-me à passagem do varapau, que me zune rente às orelhas, mas meu amo parece contentar-se só com o ameaço e eu posso apreciar à minha guisa o quão fresca e airosinha é esta novíssima Vila, cercada pelas ricas herdades de Santa Catarina, Moinhos de Vento e S. Roque.

Respiro por ambas as ventas, todo consolado, o ar perfumado destas hortas de semeadura, vinhas e olivais, agora pertença da família Atouguia[4] que as comprou, a dez réis de mel coado, ao riquíssimo astrólogo d’El-Rei D. João II, o judeu Guedelha Palaçano, que de tudo se desfez para poder escapar à Santa Inquisição. O mesmo destino levaram suas herdades do Aterro, da Boa Vista, da Esperança e de S. Bento, que disto muito falam os freires Jerónimos, assaz satisfeitos em ver perseguido a um inimigo de Cristo, para mais enriquecido à conta de feitiços e enganos feitos a bons cristãos.

Vêem-se algumas casinhas, cerca da ermida de Santo António[5] que servem de morada a capitães, mestres, calafates, tudo gente do mar que fez dinheiro no Brasil ou na Índia e tem vindo a subir da Boa Vista para o alto, té à Torre d’Álvaro Paes e sua Porta de S. Roque na muralha d’El-Rei D. Fernando, a 200 passos do Convento da Trindade onde está a Inquisição. Neste cômoro[6] de olivais, depois da peste de 1506, fez-se um grande cemitério com nova ermida a S. Roque, o bom padroeiro dos padecentes da terrível trama[7], a qual está agora a cargo dos Padres da Companhia de Jesus[8].

Pela porta de S. Roque, ou do Condestabre[9] – pois foi Nun’Álvares Pereira quem comprou aos frades da Trindade o olival de baixo para aí fazer o belo Convento do Carmo – passamos a primeira cerca da cidade, sendo meu amo mui bem saudado por um seu primo besteiro, que é guarda da porta e nunca lhe cobra dinheiro da portagem. Do cimo do cômoro afemenço o Rossio com o Paço dos Estaus, a Igreja de S. Domingos e o magnífico Hospital de Todos os Santos que é a cousa mais digna de ser vista na nossa cidade. “Andor, andor, mangano, que se faz tarde! Mal pecado! Que tens tu, que não te mexes?!” Mau grado a grita de meu amo ( sou entirrado como uma mula e faço tão só o que me dá na real gana! ), atardo-me inda um pouco a mirar o precioso coração de Lisboa.

Notas:
[1] Urbanização das terras de Bartolomeu de Andrade.
[2] Perdeste o siso; endoidaste.
[3] Estouvado, sem tino, doidivanas.
[4] Outra fonte apresenta D. Luís de Ataíde como comprador das quintas.
[5] Ermida dos finais do sec. XV, onde hoje está a Igreja do Loreto.
[6] Talvez na actual Calçada do Combro.
[7] Peste.
[8] Em 1553, no tempo de D. João III, no lugar onde mais tarde será construída a Igreja de S. Roque.
[9] Condestável.

07/10/2010

Broas de Mel (Alvaiade - Castelo Branco)

Atendendo ao sucesso do Bolo de Mel, das terras de Pêro da Covilhã e de Afonso de Paiva, deixo-vos aqui outra receita antiga da família Pires Ribeiro:

Broas de Mel
1 malga (caneca ou taça) de ovos inteiros
1 malga de azeite
1/2 malga de açúcar (a original leva 1 malga, mas ficam muito doces)
3 colheres de sopa, bem cheias, de mel
1 colher de chá de fermento em pó
1 casca de limão
Canela a gosto
3 malgas (cerca de) de farinha de trigo

Bate-se os ovos inteiros com o azeite, o açúcar, o mel, a casca de limão e a canela e, em seguida, mistura-se a farinha com o fermento. Deita-se a massa às colheres em tabuleiros untados com azeite e polvilhados de farinha, deixando uma boa margem entre elas porque crescem bastante (a massa não deve ficar muito corredia, para não se espalhar muito e fazer bolos muito finos, terão de corrigir com a experiência).
Cozem em forno bem quente, previamente aquecido, até crescerem (devem ficar com cerca de 7 cm. de diâmetro e bem douradas, como as da foto que acabei de fazer). São fáceis de preparar e rendem muito.
Bom apetite!

04/10/2010

Memórias de Estalo - Capítulo II

SANTOS-O-VELHO

Asinha galgamos a meia légua que nos separa da porta sul da cidade, com o sol a romper, anunciando que o dia há de ser de truz e Lisboa parece saída de um banho de ouro na rua dos ourives. Como todas as manhãs, por estes caminhos, corre uma bicheza de gentes rumorosas e açodadas que nos fazem atardar o passo.

Muitos são almocreves como meu amo, com suas bestas carregadas de fazenda que vêm vender à cidade, mas há também estrangeiros à cata de fortuna, vendedeiras e oficiais de muitos ofícios que moram fora de portas e vem fazer por sua vida. Há o costumeiro alvoroto à entrada, com muitos empuxões, correrias, grande grita de “À que d’el-rei!” e larga soma de doestos e pragas, quando os soldados e beleguins carregam sobre os ajuntamentos, semeando cacetada de criar bicho. Rompemos por este rio de gente com algum perigo e grandes trabalhos.

“P’ra frente, Estalo!” grita meu amo, exasperado: “Abre-me caminho, home, não sejas cebolo! Uxte, Uxte, sendeiro!”. E aquele seu estalar da língua contra os beiços ressoa no ar como um açoute, fazendo estremecer bestas e gentes que logo se apartam abrindo estrada para a nossa carrocinha.

Por fim, entramos na cidade pelo caminho que leva ao Paço Velho e avivamos o trote que a manhã já rompeu e, por ser a primeira terça feira depois do dia de Todos-os-Santos (um mui solene feriado de procissão e missas de finados, no qual nada se pôde mercar) haverá hoje Grande Feira no Rossio onde se há-de comprar e vender dobrado. Ora aí temos o Paço, mas não vamos parar que não há recado para entregar e de verduras não hão mister, pois têm mui boas e frescas hortas com seu hortelão.

O formosíssimo Paço Real de Santos-o-Velho, assim chamado por nele se haverem guardado os corpos de três Santos Mártires – os irmãos Veríssimo, Máxima e Júlia – do tempo dos Romanos que os perseguiram e mataram com grande crueza. Dá gosto saber todas as histórias da cidade de Lisboa, pois assim, conhecendo-lhe o coração, sempre a vejo com olhos de maior amor. Grande proveito tenho tirado destes meus serviços aos Freires do Mosteiro dos Jerónimos, pois são mui sabedores e sempre andam praticando sobre todas as cousas da vida, do céu e da terra e eu não tenho mais que ouvir e aprender. Assim também ouvi falar que os corpos dos Santinhos já aqui não repousam, pois foram trasladados para Santos-o-Novo, no tempo de D. João II e da piedosa Rainha Dona Leonor, com muita despesa, em devota e solene procissão.

Dizem que foi o primeiro rei de Portugal quem aqui ordenou de fazer uma Igreja, que seu filho, D. Sancho I, doou aos irmãos da Ordem de Santiago para aí fazerem suas casas e viverem com suas mulheres. Quando os Cavaleiros partiram para a guerra contra a Mourama, suas mulheres tomaram a seu cargo o lugar, criando uma casa religiosa, o Mosteiro de Santos, e tomando o nome de Comendadeiras de Santiago.

Há alguns anos (inda eu não nascera) estas Comendadeiras deixaram o Mosteiro indo para a parte oriental da cidade, fundando aí a Casa Religiosa de Santos-o-Novo, onde inda vivem. Então, o rico-homem Fernão Lourenço tomou o sítio de aforamento às ditas freiras, erguendo aqui um maravilhoso paço que El-Rei D. Manuel cobiçou e ao qual deitou a unha, dando-lhe o nome de Paço Real de Santos e usando-o para receber suas magnas embaixadas, como a do Prestes João das Índias que dizem ter sido cousa espantosa de se ver e lhe deu muita fama. E também Mestre Gil Vicente apresentou aqui à mui nobre Rainha Velha D. Leonor e a El-Rei D. Manuel o seu Auto da Fama, no ano de 1510, se me não engana a memória. Agora, El-Rei D. João III fez dele sua residência e aqui passa alguns meses do ano, assistindo à chegada e partida das naus e escutando o Tejo a bater docemente de encontro aos muros do jardim.

(Continua...)

01/10/2010

Surrealismo - Un Cadavre Trop Exquis


Assisti ontem, na Perve Galeria, à inauguração da espantosa exposição das obras de três ícones da pintura surrealista portuguesa: Cruzeiro Seixas, Isabel Meyrelles e Benjamim Marques (os dois últimos radicados em França).
Num espaço belíssimo, em pleno coração da Alfama (por favor, não deixem de lhe fazer uma visita!), as obras dos três mestes - pinturas, gravuras, desenhos e esculturas - estabelecem um diálogo de contrastes e harmonias, que só se consegue em sonhos ou pela magia de uma imaginação criativa... como a destes artistas.

No pequeno, mas muito cuidado catálogo, diz-nos Carlos Cabral Nunes, curador da exposição:
"Trata-se, especialmente, de uma mostra que reune, pela primeira vez em Portugal, três importantes Surrealistas portugueses: Cruzeiro Seixas (agora com 90 anos, foi fundador, com Mário Cesariny e demais companheiros, de Os Surrealistas - em 1949 realizam a 1ª exposição), Isabel Meyrelles (responsável, com Natália Correia, do mítico bar Botequim) e Benjamim Marques (membro do Grupo do Café-Gelo, liderado por Cesariny, nos anos 60; representou a França no seu pavilhão na Expo 98)".

Do catálogo, aqui vos deixo ainda algumas frases do texto de Françoise PY, Mestre de Conferências da Universidade de Paris:

Cruzeiro Seixas - Sem Título
Desenhos e guaches "realizados num estado quase alterado que favorece o automatismo. O tipo de desenho muito puro de Cruzeiro Seixas é essencialmente visionário. O seu tipo de traço contínuo junta elementos gráficos com figuras compostas, em metasmorfose perpétua. (...) Essas criaturas míticas, andróides e animais, estão simultaneamente animadas e inanimadas, objectos e biomórficas, originam-se umas às outras, poder-se-ia dizer que tentam povoar um universo que estava vazio".

Isabel Meireles

"Isabel Meyrelles encontra soluções inéditas para a oposição entre elementos biomórficos e elementos geométricos. Seios ou uma cara surgem de uma superfície lisa como vidro. Por vezes um objecto concreto (instrumento de música, revólver, degraus de escada) serve de matriz conceptual da obra. A forma de um violancelo inspirou frequentemente os surrealistas pela sua analogia com o corpo da mulher. Isabel Meyrelles insere-se nesta tradição, joga com volumes puros e mostra um corpo feminino coroado com uma cabeça de pássaro".

Benjamim Marques

Benjamim Marques é um grande viajante, herdeiro da tradição dos navegantes portugueses do século dezasseis. (...) As suas telas são cartografias imaginárias onde surgem ilhas míticas, ou constelações, ou planetas - Marte, o vermelho, por exemplo. Toda uma série de trabalhos está consagrada às Galáxias: viagem interior e exploração visionária do infinitamente grande".

EXPOSIÇÃO A NÃO PERDER!

De 30 de Setembro a 30 de Outubro

Perve Galeria - Alfama: Rua das Escolas Gerais, nº 17,19,23 - Lisboa