23/12/2015

Artigo do JL: Afonso de Albuquerque - Da realidade à ficção

Saiu hoje, 23 de Dezembro, no JL, o meu artigo sobre a palestra que fiz na Biblioteca Nacional, durante o Colóquio sobre Afonso de Albuquerque. Só lamento que o JL siga o odioso Acordo Ortográfico e me tenham "corrigido" o texto com erros. Caso queiram (e tenham paciência) para ler o texto e não consigam na imagem, deixo-vos aqui a minha versão, anterior ao AO:
«Afonso de Albuquerque - Da realidade à Ficção

Em 16 e 17 de Dezembro, o MIL–Movimento Internacional Lusófono comemorou com a Biblioteca Nacional de Portugal, o Arquivo Nacional da Torre do Tombo e a Sociedade Histórica da Independência de Portugal, o 500º aniversário da morte de Afonso de Albuquerque (Goa16/12/1515) com o colóquio Afonso de Albuquerque, 500 anos depois: Memória e Materialidade, em que reputados historiadores e especialistas analisaram várias facetas do César do Oriente. Eu fui excepção, convidada por ser escritora com dez romances históricos sobre os Descobrimentos.
Escolhi falar de «Afonso de Albuquerque, da realidade à ficção – A matéria de que são feitos os mitos», a partir da sua presença nas minhas obras como personagem literária ou mito.

Os mitos etno-religiosos primitivos eram o modo como o pensamento inconsciente dos povos representou a natureza e o mundo que os maravilhava e atemorizava, não eram uma mistificação deliberada, um engano conscientemente criado com a intenção de manipular e atingir determinados fins, como veio a acontecer nas civilizações modernas. Sempre que há uma crise de identidade ou se pretende despertar o nacionalismo de um povo, os governantes criam mitos político-heróicos destinados a glorificar uma personalidade ou um grupo, como aconteceu no Estado Novo, com a mitificação dos Descobrimentos e de figuras como Afonso de Albuquerque ou Viriato e os Lusitanos, para servirem de exemplo e inspiração aos soldados que combatiam nas colónias. Instrumentos da ideologia de um falso grande Império Ultramarino Português, tais mitos foram usados até à exaustão por Salazar.

Essa mistificação provocou, após o 25 de Abril, a uma rejeição quase visceral dos Descobrimentos, sendo, até há bem pouco tempo, considerado politicamente incorrecto falar ou escrever sobre este período que é dos mais fascinantes e fecundos da nossa História, a todos os níveis: científico, literário, cultural, artístico, transformador da mentalidade e do saber europeus, dando origem à 1ª globalização da Idade Moderna. Um tabu absurdo, pois um povo não pode nem deve apagar o seu passado, embora desagradável, porque essa irradicação terá graves repercussões no seu presente e também no seu futuro, em termos de identidade e de maturidade, porque só conhecendo e compreendendo os erros evitamos repeti-los.
Para contrariar esta corrente, dediquei-me a recriar a saga da Expansão Portuguesa, cujos actantes se enquadram no cânone dos heróis épicos, reclamando para mim o papel de criadora de mitos literários, porque a literatura sem mitos seria uma arte muito árida, um corpo sem alma.

Mas será aceitável a um romancista efabular sobre um ser real, como Albuquerque e fazer dele um mito literário ou deverá cingir-se às regras da biografia histórica?
Usei de ambos os processos na construção das personagens do mundo virtual da minha escrita, segundo a minha concepção de romance histórico, muito próxima das fontes e de acordo com as características individuais do ser real cuja vida me propus recriar.
Concepção que nada tem a ver com a publicação desenfreada de ficção de baixíssima qualidade com rótulo de romance histórico, cujos autores pecam por um desconhecimento total de História, cometendo imperdoáveis incongruências, anacronismos e erros de palmatória, que prejudicam e aviltam um dos géneros mais nobres e exigentes da literatura.

Embora o romancista não deva estar sujeito ao colete-de-forças de fidelidade às fontes e aos documentos, próprio de quem está a escrever uma tese em História, tem o dever de ser fiel ao período ou época que trata, de usar do maior rigor na contextualização da vida e mentalidade das personagens, da linguagem às acções, nas descrições dos ambientes, lugares, usos, trajos, comidas, profissões ou divertimentos. E, sobretudo, não pode deturpar os factos nem cometer erros fora do tempo e dos costumes, porque se o fizer está a enganar, a trair um leitor que quer conhecer um assunto, mas não tem apetência por ler um tratado de História.
Literatura e História são indissociáveis, sendo o romance histórico, quando feito com seriedade e honestidade intelectual, o mais difícil e trabalhoso de todos os géneros literários, tanto mais que, além de divertir o leitor com uma intriga, deve aportar-lhe uma mais-valia em conhecimento sobre os sucessos de uma dada época.

Afonso de Albuquerque, logo após a sua morte, assume um estatuto de herói mítico, quer nos «Comentários de Afonso de Albuquerque», publicados pelo filho Brás, quer nas «Lendas da Índia», do seu escrivão Gaspar Correia, quer nas crónicas oficiais, ao ser glorificado como o Grande Cruzado (que queria arrasar Meca e roubar o corpo de Maomé), o Capitão-mor que pretendeu fechar os mares, o “Terríbil” Governador e Vice-Rei, que cometeu façanhas guerreiras à altura de um Agamemnon ou de um Alexandre, mas também mostrou traços de um ser humano de excepção, como raramente se encontra entre os detentores do poder.

A par da ferocidade com que flagelou os mouros, muitas vezes como represália, nele se reconhece o sentido de justiça com que julgou grandes e pequenos por igual; o governante de visão que promoveu os casamentos mistos, dotou as noivas gentias com dinheiro e terras e proibiu o sati, com castigos às famílias que fizessem morrer as viúvas na pira funerária dos maridos; de uma honradez e lealdade inquebrantáveis que lhe trouxeram o ódio dos corruptos, lhe ganharam a admiração de reis e povos, tanto inimigos como aliados, e deram causa a que morresse na pobreza, apesar dos anos passados na Índia e do seu estatuto de Vice-Rei; a sua revolta contra a inveja e as intrigas dos seus pares; o desânimo e frustração pelas contínuas desobediências e traições dos oficiais sob o seu comando que o impediram de conquistar Adem e completar o seu desígnio; o desgosto e a humilhação, sofridos à hora da morte, por, em vez de ser recompensado pelo rei a quem sempre servira fielmente, se ver caído em desgraça, substituído por medíocres corruptos que ele enviara ao reino sob prisão; o reconhecimento póstumo, no pranto e nas honras que lhe fizeram os gentios de Goa após a sua morte.
Igualmente ou todavia mais apaixonante, para um romancista, é o mistério da sua vida familiar e afectiva de que muito pouco se conhece, do filho Brás que teve fora do casamento e legitimou fazendo-o seu herdeiro.

O meu plano de recriação da saga dos Descobrimentos concretizou-se numa trilogia de romances: «O Navegador da Passagem – Bartolomeu Dias», navegações pela costa ocidental de África e Brasil; «O Espião de D. João II –Pêro da Covilhã», viagens pela Arábia, Índia, África Oriental e Preste João; e «O Corsário dos Sete Mares – Fernão Mendes Pinto», com as suas peregrinações pelo Oriente longínquo. Personagens excepcionais, porém das mais injustiçadas pelos seus compatriotas ou mais esquecidas pela História, que me permitiram dar voz ao marinheiro e aventureiro sem nome capaz de chegar primeiro aonde mais ninguém ousara e de fazer o que antes mais ninguém fizera.

No 3º volume da saga, pude inserir uma micro-narrativa de Afonso de Albuquerque, feita em várias analepses, por diferentes personagens que se cruzam com o andarilho Fernão Mendes Pinto.
No reino do Preste João. Afonso de Albuquerque é evocado pelo feitor Henrique Barbosa, que está a proteger a rainha etíope com um troço de quarenta portugueses. Fala da embaixada de Mateus a Portugal, em 1514, da qual a velha rainha Eleni encarregou Albuquerque que estava na Índia e dos trabalhos por que o Terríbil passou com Lopo Soares de Albergaria, seu inimigo, que o ia substituir, não por merecimento mas por influências.
Durante uma navegação da Arábia ao Malabar, um antigo soldado conta os confrontos de Albuquerque com D. Francisco de Almeida e posteriormente com o “bando de Cochim”, comandado por António Real, o capitão da fortaleza, que não queria ver Cochim substituída por Goa, como capital dos territórios portugueses na Índia. Nos capítulos de Goa, narra-se a conquista da ilha e da protecção que aquele guerreiro tão duro dava às mulheres, libertando as escravas que se faziam cristãs, promovendo os casamentos mistos e distribuindo os melhores cargos e postos da administração aos homens honrados que com elas casassem.

A própria estrutura do romance ajuda à compreensão da personagem, porque cada capítulo começa por um provérbio, seguido de um documento, português ou de qualquer outra nação que tenha a ver com o assunto tratado, sendo usadas cartas de Albuquerque e de António Real a D. Manuel, expondo-lhe a situação, com cuja leitura se pode verificar a inteireza moral do primeiro face à baixeza de vil caluniador do segundo. Ou ainda a sua comovente carta ao rei, ditada à hora da morte.
Ao logo de muitos capítulos o nome de Albuquerque torna-se recorrente, sendo por exemplo recordadas as primeiras embaixadas que ele enviou ao Sião e à China logo após a conquista de Malaca e as várias viagens que ele organizou às ilhas das Especiarias, Banda e Moluco, assim como o naufrágio da Flor de La Mar, à saída de Malaca, em 1511, evocado por Pinto.

A micro-narrativa de Afonso de Albuquerque termina quando, num dos seus aparatosos naufrágios, Fernão Mendes Pinto é feito prisioneiro e condenado a trabalhos forçados na Grande Muralha da China. Em Quansy encontra Vasco Calvo, um português prisioneiro a viver ali há mais de vinte anos, com a sua esposa chinesa e os filhos, que lhe relata a conquista de Goa e Malaca, em que participou juntamente com Fernão de Magalhães e Francisco Serrão.

Sou uma autora que vos confessa ter embarcado também nessa tendência, embora sem intenção mistificadora, para a mitificação dos vultos que admiro, sobretudo quando os comparo com as figuras ditas famosas, da actualidade, que de tão medíocres, poucas ou nenhumas conseguem sequer chegar à altura dos seus coturnos, como diriam as minhas personagens quinhentistas.»

Deana Barroqueiro
(Não escrevo segundo o AO)

15/12/2015

Afonso de Albuquerque, 500 anos depois: Memória e Materialidade

Vou participar, no dia 16 de Dezembro, às 14.30, na Biblioteca Nacional, neste colóquio sobre Afonso de Albuquerque, com uma comunicação a que dei o título (dei 2 à escolha, mas a organização juntou-os): «Afonso de Albuquerque, da realidade à ficção - A matéria de que são feitos os mitos». http://albuquerque500.blogspot.pt/

PROGRAMA

16 de Dezembro Biblioteca Nacional de Portugal
11h00 Sessão de Abertura
11h15 Painel I
Mendo Castro Henriques: «Memória de Afonso de Albuquerque em Portugal»
Luísa Timóteo: «Memória de Afonso de Albuquerque em Malaca»
Teotónio de Souza: «Memória de Afonso de Albuquerque em Goa»
12h45 Debate
13h00 Almoço
14h30 Painel II
Rui Loureiro: «Algumas notas sobre Brás de Albuquerque e os seus "Comentários de Afonso Albuquerque"»
Deana Barroqueiro: «Afonso de Albuquerque, da realidade à ficção - A matéria de que são feitos os mitos»
Roger Lee de Jesus: «Afonso de Albuquerque e o ataque falhado a Adem (1513)»
16h00 Debate
16h15 Intervalo
16h30 Painel III
João Teles e Cunha: «Albuquerque e a “Chave da Pérsia”: ambições e políticas portuguesas para o Golfo Pérsico e Médio Oriente 1507-1515»
Luís Farinha Franco: «Para um relance de Afonso de Albuquerque na historiografia portuguesa»
Miguel Castelo Branco: «Percepções do Islão em Afonso de Albuquerque»
18h00 Debate
18h15 Intervalo
18h30 Apresentação de Obras
«Q - Poemas de uma Quimera», de Octávio dos Santos & outras edições do MIL: Movimento Internacional Lusófono
«Revista Nova Águia» nº 16 & «Revista Finis Mundi» nº 9

17 de Dezembro Palácio da Independência
16h00 Painel IV
Vítor Conceição Rodrigues: «Afonso de Albuquerque, um grande capitão de poucos consensos»
João Campos: «Arquitectura militar de vanguarda no Golfo Pérsico»
Luís de Albuquerque: «Aspectos militares da presença portuguesa no Índico no Século XVI»
Manuel J. Gandra: «O projecto milenarista de Afonso de Albuquerque»
18h00 Debate
18h15 Sessão de Encerramento

Contactos:
Endereço Postal: Sede do MIL - Palácio da Independência, Largo de São Domingos, nº 11 (1150-320 Lisboa) / Telefone: (+351)967044286 / info@movimentolusofono.org / www.movimentolusofono.org

No PÚBLICO: Porquê recordar Afonso de Albuquerque?

Resultado de imagem para renato epifânio  por Renato Epifânio
Conseguimos entender (entender, não aceitar) alguns argumentos que levam o nosso Governo a não se envolver nalgumas efemérides – neste ano, por exemplo, falamos dos 600 anos da tomada de Ceuta e do 500º aniversário da morte de Afonso de Albuquerque.

A Sociedade Civil, porém, pode e deve suprir esses “esquecimentos” oficiais. Este Colóquio*, promovido pelo MIL: Movimento Internacional Lusófono, em colaboração com a Biblioteca Nacional de Portugal (BNP), o Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT) e a Sociedade Histórica da Independência de Portugal (SHIP), é pois um bom exemplo do papel que a nossa sociedade civil pode e deve desempenhar.
Perguntar-se-á por que o MIL tomou esta iniciativa. Se fosse sensível aos argumentos mais politicamente correctos, não o deveria ter feito. Amiúde, o MIL é acusado de ser “neo-colonialista”. Ao promover um Colóquio sobre uma das figuras maiores da nossa expansão marítima, até parece que estamos a dar razão a esse tipo de acusações.

Em geral, como Presidente do MIL, nem sequer me dou ao trabalho de rebatê-las. Talvez de forma ingénua, acredito que qualquer pessoa minimamente lúcida concluirá que uma acusação como essa é ridícula, não merecendo por isso qualquer esforço de contra-argumentação. É que a questão não se põe sobretudo no plano das intenções. Mesmo que, por absurdo, quiséssemos ser “neo-colonialistas”, haveria um abissal óbice a tal desiderato: nada menos do que a própria realidade.

E este é o ponto. Alguém acredita que, em pleno século XXI, um país como Portugal poderia recolonizar qualquer outro país? Só por delírio. Se defendemos a convergência entre todos os países e regiões do espaço lusófono – nos planos cultural, social, económico e político – não é pois, de todo, por imposição de Portugal (ou de qualquer outro país), mas porque tal desígnio corresponde aos interesses estratégicos de cada um desses países e regiões. Tal convergência não pode senão cumprir-se numa base de liberdade e fraternidade.

Dirão alguns que tal convergência deriva de uma posição completamente idealista, senão mesmo utópica. Diremos, ao invés, que esta é uma posição maximamente realista: a melhor forma de, realisticamente, garantir o futuro da língua portuguesa e da(s) cultura(s) lusófona(s) é promover essa convergência. E isso passa, desde logo, por não fazermos tábua rasa da nossa história. Não há futuro que se possa erguer sobre o esquecimento ou escamoteamento do passado, por mais violento que tenha sido. Ao evocarmos, quinhentos anos depois da sua morte, a figura de Afonso de Albuquerque, fazemo-lo, pois, nessa perspectiva de futuro. Sem complexos ou recalcamentos.

* Colóquio “Afonso de Albuquerque, 500 anos depois: Memória e Materialidade”, Biblioteca Nacional de Portugal/ Palácio da Independência: 16 e 17 de Dezembro de 2015.

12/12/2015

Resumo do Festival Literário de Viseu

11 Dezembro 2015 • Mário Rufino | FOTO: Mário Rufino

O ano de 2015 tem sido prolífico em festivais literários. O poder local parece ter despertado para a literatura. Os festivais sucedem-se e o formato acaba por repetir-se. É difícil trazer algo de novo a uma receita que funciona. Mas a Câmara Municipal de Viseu e a Booktailors (produção executiva) conseguiram-no. Desde passeios guiados por escritores (Miguel Real e Deana Barroqueiro) até ao Dão Party – Vamos brindar (música de Pedro Vieira aka DJ Irmão Lúcia), durante a madrugada, a programação teve mesas de debates, workshops sobre vinho, animações para crianças, jogos sobre literatura, exposições de Paulo Galindro e Afonso Cruz, Poesia no Quarto Escuro e vinho. Muito vinho.


As salas do Solar do Vinho do Dão foram pequenas para a quantidade de pessoas que queria assistir. A mesa mais tardia, que começou por volta da meia-noite no segundo dia, teve sala cheia. No jardim, a enorme tenda foi o local escolhido para os Djs continuarem a festa madrugada adentro.


O Brinde ao Dão, que marcou o início do Vinhos de Inverno, prometeu servir bom vinho e boa literatura durante os três dias de celebração. E cumpriu.

Os comentários apreciativos sobre o "néctar dos deuses" começaram na sala principal, onde decorreu a prova de vinhos, e prolongaram-se nas mesas em que cerca de 20 autores conversaram sobre a ligação do vinho com a criatividade. Não havia debate sem que os convidados brindassem com um copo de vinho do Dão. "Esse magnífico saca-rolhas", como disse Tchekhov, facilitou a fluência dos diálogos. E isso viu-se logo na primeira oportunidade.

Francisco José Viegas (editor da Quetzal), que participou na mesa com José Manuel Fajardo (escritor) e Manuel Carvalho (jornalista do Público), afirmou procurar não "engarrafar má literatura" a propósito da afirmação de Aquilino Ribeiro: "O pior dos crimes é produzir vinho mau, engarrafá-lo e servi-lo aos amigos".

Demonstrando apreço por Bolaño, o editor disse ser um adepto da Biblioterapia. O seu sonho era que os livros fossem vendidos em farmácias. Desta forma, cada maleita tinha a devida obra para a cura. Em vez de antidepressivos ou soporíferos, por exemplo, as pessoas levavam livros para a tristeza, ou para a insónia. Assim disse o autor de A Dieta ideal (Quetzal), livro recomendado para "manter o peso (e ganhar algum)", na cidade onde as fatias douradas, os sonhos, o pão de azeite e as castanhas de ovos são encantatórias tentações.


Nas sete mesas de sábado, dia em que se concentrou grande parte do programa, Paulo Moreiras (autor de Pão & Vinho, da D. Quixote) participou em Contos Lendas e Facécias; Alberto Santos (escritor e comissário do Escritaria), Manuel da Silva Ramos (escritor), João Luís Oliva (investigador do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX) e o moderador Tito Couto (Booktailors) conversaram com o mote "se regionalista é ter descrito outra coisa que não Lisboa, não reclamo melhor diploma"; Patrícia Reis (jornalista e escritora) e Fernando Dacosta (escritor) conversaram sobre "Só as ânsias valem porque os triunfos, esses, acabam em bocejos"; Valério Romão (escritor), Rui Cardoso Martins (escritor) dialogaram, com moderação de Pedro Vieira, sobre "Os meus assuntos vou buscá-los à história natural racionalizando-os"; André Domingues (tradutor) e José Silva (crítico de vinhos e de gastronomia) sobre "Nas bocas do mundo", já a madrugada começava com moderação de Tito Couto.

A heterogeneidade das participações deu várias tonalidades aos temas em discussão. Desde o primeiro debate até ao último, o público encheu as salas. Quem mais se entusiasmou com a venda de doces regionais, a prova de vinhos ou a compra de livros, não conseguiu encontrar lugar para se sentar. Nem nas cadeiras nem no chão. A organização optou, posteriormente, por uma televisão no exterior da sala, de forma a garantir a possibilidade de assistir a quem chegava mais tarde. As várias divisões do Solar do Vinho do Dão, nos dois andares, foram preenchidas com diversas actividades. Além dos doces, do vinho e da literatura, houve música para os mais pequenos. Enquanto os pais descansaram nos sofás e nas cadeiras da Sala da Lareira, os filhos sentaram-se no chão, defronte de Carlos Alberto Moniz. O cantautor demonstrou como musicava as suas letras em "Como é que as canções são feitas por dentro?".

O cheiro da lenha, o calor da lareira e a alegria das crianças apaziguaram o frio nocturno. O "néctar dos deuses" aqueceu as almas dos adultos.

Terra e espiritualidade unem-se pelo ciclo do vinho. O Antigo Testamento conta que Noé se embriagou com o primeiro vinho que criou. O primeiro milagre de Jesus Cristo, afirmou o padre Anselmo Borges em conversa com o poeta António Gil, foi a transformação da água em vinho. Conta-se no Evangelho de S. João que durante a celebração de as Bodas de Caná faltou o vinho. Jesus ordenou que se enchesse os vasilhames de água e a dessem a provar. Quando isso aconteceu, o presidente da mesa louvou o noivo por ter guardado o melhor vinho para o fim, em contraste com os costumes vigentes.


"Deus está presente onde há alegria e onde há festa", respondeu Anselmo Borges à pergunta feita por Jorge Sobrado (moderador).

Na filosofia, não é sem propósito que Platão tem em O Banquete uma das suas principais obras e que Pasteur afirma haver mais filosofia numa garrafa de vinho do que em todos os livros. Beba-se uma garrafa e Tolstoi e Dostoievski são tema de conversa. Com a segunda garrafa, a beleza alheia e a coragem própria aumentam consideravelmente. Quadruplique-se o consumo e a prosa de Chagas Freitas é mais bela do que a dos mestres russos.

A bebida e a comida acompanham, tantas vezes, a confraternização. Foi à mesa, lembrou o padre Anselmo Borges, que Jesus se despediu dos seus discípulos. É à mesa que muitas famílias se juntam para conversar. E é na bebida e na comida que o ser humano entende muita da sua história. Jesus foi crucificado pelas suas ideias e costumes revolucionários. Um dos seus actos mais subversivos foi o de comer na companhia de prostitutas e de pecadores públicos.
A mesa é parte importante na História das religiões, das nações e dos povos.

De acordo com o chef Hélio Loureiro, que esteve na mesa Ínclita Refeição, com Pedro Vieira (moderador), comer é mais do que um acto de nutrir; é, também, um acto social.


Os rituais dos banquetes de Estado, principalmente no tempo da Monarquia, são exemplos da estratificação social e do jogo de forças entre diversos poderes, sejam políticos ou religiosos.

O muito agraciado chefe de cozinha desmistificou algumas versões "escritas em pedra" na nossa história. Essa desmistificação continuou, no dia seguinte, a ser debatida por Deana Barroqueiro (escritora), Pedro Almeida Vieira (escritor) e Tito Couto (moderador) com o mote "Somos do tamanho dos mitos que vemos".


Mais tarde, na última mesa do Tinto no Branco, Bruno Vieira Amaral, "uma espécie de aspirador de prémios literários" segundo o moderador Pedro Vieira, e Kárla Suarez (escritora cubana radicada em Portugal), conversaram com o mote "Em verdade o Português nunca aprendeu outra coisa que não fosse rezar".


O autor de Aleluia (Fundação Francisco Manuel dos Santos) contou um episódio demonstrativo dos rituais religiosos muito enraizados na nossa cultura, por vezes de forma independente à crença. Na apresentação de A Dieta Ideal, de Francisco José Viegas, Germano Silva, a quem coube a apresentação, contou que a sua avó preparava a massa do pão com as mãos e com uma reza: "São Mamede te levede, São Vicente te acrescente, São João te faça pão".

Os rituais religiosos em Cuba, mesmo antes da Revolução, não estavam enraizados na sociedade. Após a Revolução, a Religião foi substituída pela ideologia. O Natal foi algo que Karla Suárez viu nos filmes e na TV, pois não era comemorado em Cuba. Não havia, na sua infância, liberdades contraditórias com as ideias do regime. O grande território de liberdade da autora sempre foi a literatura. Continua a ser através dos livros que a autora cubana procura entender o mundo.

Bruno Vieira Amaral tem em As Primeiras Coisas (Quetzal) e em Aleluia construções literárias fundadas em situações muito pessoais, mas sempre com o cuidado de comunicar com o leitor. De outra forma, afirmou, escreveria somente como terapêutica e arrumaria os textos na gaveta.

A intensa criação de espaços onde os autores podem conversar com os leitores beneficia todos os elementos, sejam artísticos ou económicos, do universo literário e editorial. O Festival Literário de Viseu – Tinto no branco viu o seu esforço em se diferenciar de outros festivais reconhecido pelo público.

A literatura, a música e o vinho foram as substâncias embriagantes que, durante três dias, romperam com a rotina da cidade de Viriato.

08/12/2015

Afonso de Albuquerque, 500 anos depois: Memória e Materialidade

Vou participar, no dia 16 de Dezembro, às 14.30, na Biblioteca Nacional, neste colóquio sobre Afonso de Albuquerque, com uma comunicação a que dei o título (dei 2 à escolha, mas a organização juntou-os): «Afonso de Albuquerque, da realidade à ficção - A matéria de que são feitos os mitos».

A 16 de Dezembro de 2015 assinala-se o 500º aniversário da morte de Afonso de Albuquerque. O MIL: Movimento Internacional Lusófono, em colaboração com a Biblioteca Nacional de Portugal (BNP), o Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT) e a Sociedade Histórica da Independência de Portugal (SHIP), organiza um conjunto de iniciativas de carácter interdisciplinar que, tomando a efeméride como um oportuno e relevante pretexto, reúne alguns dos melhores estudiosos e especialistas para uma discussão séria e sem limites sobre a vida e a obra daquele que ficou famoso como o «César do Oriente», o «Grande», o «Leão dos Mares», o «Marte Português» e o «Terrível», para uma revisitação da sua época, de como eram a Ásia e o Índico então, e para uma apreciação do legado cultural que foi permanecendo ao longo dos últimos cinco séculos. Tal discussão, revisitação, apreciação, ocorrerá num colóquio a ter lugar, respectivamente, nas sedes em Lisboa da BNP (16) e da SHIP (17), e será complementada por uma mostra documental, na sede em Lisboa do ANTT, entre 18 de Dezembro ee 23 de Janeiro de 2016. Em simultâneo, também em Alhandra, onde nasceu, e no concelho de Vila Franca de Xira de que aquela vila é uma freguesia, o filho mais ilustre da terra merecerá um programa de comemorações especial e específico.


PROGRAMA


16 de Dezembro Biblioteca Nacional de Portugal



11h00 Sessão de Abertura

11h15 Painel I Mendo Castro Henriques: «Memória de Afonso de Albuquerque em Portugal» Luísa Timóteo: «Memória de Afonso de Albuquerque em Malaca» Teotónio de Souza: «Memória de Afonso de Albuquerque em Goa» 12h45 Debate
13h00 Almoço


14h30 Painel II
Rui Loureiro: «Algumas notas sobre Brás de Albuquerque e os seus "Comentários de Afonso Albuquerque"»
Deana Barroqueiro: «Afonso de Albuquerque, da realidade à ficção - A matéria de que são feitos os mitos»
Roger Lee de Jesus: «Afonso de Albuquerque e o ataque falhado a Adem (1513)»
16h00 Debate


16h15 Intervalo

16h30 Painel III
João Teles e Cunha: «Albuquerque e a “Chave da Pérsia”: ambições e políticas portuguesas para o Golfo Pérsico e Médio Oriente 1507-1515»
Luís Farinha Franco: «Para um relance de Afonso de Albuquerque na historiografia portuguesa»
Miguel Castelo Branco: «Percepções do Islão em Afonso de Albuquerque»
18h00 Debate

18h15 Intervalo

18h30 Apresentação de Obras
«Q - Poemas de uma Quimera», de Octávio dos Santos & outras edições do MIL: Movimento Internacional Lusófono
«Revista Nova Águia» nº 16 & «Revista Finis Mundi» nº 9




17 de Dezembro Palácio da Independência

16h00 Painel IV Vítor Conceição Rodrigues: «Afonso de Albuquerque, um grande capitão de poucos consensos» João Campos: «Arquitectura militar de vanguarda no Golfo Pérsico» Luís de Albuquerque: «Aspectos militares da presença portuguesa no Índico no Século XVI» Manuel J. Gandra: «O projecto milenarista de Afonso de Albuquerque» 18h00 Debate


18h15 Sessão de Encerramento


Organização: MIL: Movimento Internacional Lusófono; Biblioteca Nacional de Portugal; Arquivo Nacional da Torre do Tombo; Sociedade Histórica da Independência de Portugal.Comissão Organizadora: Miguel Castelo Branco, Octávio dos Santos e Renato Epifânio


Contactos:Endereço Postal: Sede do MIL - Palácio da Independência, Largo de São Domingos, nº 11 (1150-320 Lisboa) / Telefone: (+351)967044286 /info@movimentolusofono.org / www.movimentolusofono.org