20/06/2013

A MINHA PROFESSORA

Nestes tempos difíceis para os professores, em luta pelos seus direitos, relembro os meus dias de estudante  e penso que se não fosse por Maria Aliete Galhoz, talvez eu não me tivesse tornado professora e escritora...

Ouço dizer a muita gente da minha idade (e até mais nova) que a escola no seu tempo era muito melhor do que a dos seus filhos ou netos, com professores competentíssimos que sabiam dar-se ao respeito e dominavam na perfeição todos os segredos da arte de ensinar, portanto, a anos-luz dos docentes que, nos últimos vinte anos, lhes seguiram as pisadas nas escolas portuguesas.

Tenho de confessar que não foi essa a minha experiência enquanto estudante, quer no ensino oficial quer no privado. Nas aulas, a maioria dos meus professores limitava-se a ler as matérias dos manuais, obrigando-nos a decorá-las e a despejá-las sem reflexão ou espírito crítico, desencorajando qualquer assomo de criatividade do aluno. Em doze anos de aprendizagem conheci talvez quatro professores competentes, dos restantes não lhes recordo os rostos e muito menos os nomes, porque nenhum deles me marcou. Raramente encontrei compreensão, simpatia ou calor humano nessas professoras que não inspiravam respeito, mas apenas medo. Com elas aprendi a ocultar sentimentos, gostos e, sobretudo, pensamentos.

Contudo, apesar da prepotência tantas vezes desumana dos seus docentes, a escola era um lugar onde os menos privilegiados (assaz raros) podiam ter acesso aos livros e, por eles, à cultura, à descoberta e ao conhecimento, mesmo se o acesso à Biblioteca e aos seus livros fosse limitado ou até vedado. E ler e escrever tornaram-se na minha paixão, na minha evasão, na minha liberdade.

Então, no meu penúltimo ano no Liceu D. Filipa de Lencastre, conheci Maria Aliete Galhoz, a professora de Francês. Como por um toque de magia a desconfortável sala de aula transformou-se num mundo fantástico, com janelas para o sistema solar, as galáxias e o Universo inteiro!

De cabelos louros e ainda jovem, a professora tinha uns olhos azuis que nos olhavam com ternura e uma voz doce que nos afagava e me levava a querer cumprir todas as tarefas que nos pedia em vez de exigir. Para nosso imenso espanto, logo nos primeiros dias, fez-nos dispor as carteiras em círculo, criando uma intimidade/cumplicidade connosco que eu jamais julgaria possível (custou-lhe esta ousadia a desconfiança (e mesmo perseguição) das outras professoras que consideravam os seus métodos pouco didácticos ou mesmo perigosos).

Aliete Galhoz não se limitou a ensinar-nos Francês. Foi com ela que aprendi a ver além do olhar, a interpretar um texto para lá dos limites desse texto, a apreciar o tesouro da nossa Língua e a magia das palavras como criaturas do pensamento; foi ela que me fez amar Fernando Pessoa e muitos outros poetas; pela sua mão fui guiada até aos grandes mestres da literatura e pude maravilhar-me com livros que me desvendavam os mistérios da alma humana e da minha própria alma; por ela cheguei à pintura e à música (quase desconhecidas na minha esfera familiar) e o mundo ficou estranhamente belo.

Ela foi a Mestra, a Educadora o Pigmaleão que modelou e animou o meu Ser futuro. Fez-me compreender que, pelo estudo, eu poderia ir sempre além dos meus limites e ultrapassar todos os obstáculos; a sua generosidade e sensibilidade foram o húmus que fez desabrochar a minha mente e o meu sentir e, pela primeira vez eu escrevi os meus textos sem medo e ousei tirar a máscara e pôr a minha alma a nu.  

Aliete Galhoz foi o modelo que eu tentei seguir na minha carreira de professora, para assim lhe pagar uma enorme dívida de gratidão.

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