Pieter Bruegel, o Velho, equilibra o gosto pela literatura com a narrativa visual, inundando a sua obra de referências às meditações de Erasmo, aos relatos de Rabelais ou às reflexões de Montaigne.
O homem, na sua pintura é disforme, rústico, coxo, cego, anão ou gigante; transita pela vida, como uma figura de carnaval, dançando, jogando e comendo na praça pública, rindo e servindo de motivo de riso.
No quadro “O combate entre carnaval e quaresma”, Bruegel satiriza os conflitos da Reforma. Tanto o bobo, como o obeso príncipe do carnaval, o palhaço que guia duas pessoas ou os aleijados representam o caos do mundo como resultado dos duros combates travados entre católicos e protestantes. À sua volta, desenrola-se uma infinidade de cenas populares, protagonizadas por inúmeras personagens: figuras magras da quaresma, glutões ávidos de prazer, belos jovens, crianças a brincar, homens deformados, como o que cavalga um tonel de vinho, os tocadores de instrumentos, todos parecem reflectir a miséria do mundo que Bruegel apresenta às avessas, testemunho da luta entre Lutero e a Igreja.
O comportamento do homem medieval à mesa, a gula e o prazer dos aldeões pela comida e pelos festejos em que ela era rainha, encontram-se plasmados de forma deliciosamente satírica, sobretudo, nas obras “O país da cocanha” e “A ceia de casamento”. Sobre este último quadro e a originalidade de Bruegel, na representação das cenas de comida, diz-nos Rose-Marie Hagen:
«De modo, geral, no século de Bruegel, nunca se pintava os santos, os nobres ou os burgueses a comer. Estão sentados à mesa, mas não tocam nos alimentos, não abrem a boca, nem lá metem nada. Os pintores obedecem, provavelmente, a uma lei, não escrita, proibindo representar a absorção de alimento. Parece que perturbava os homens de outrora, o facto de qualquer ser humano, fosse qual fosse a sua riqueza, o seu poder ou espiritualidade não poder sobreviver sem alimento. Comer recorda que dependemos da natureza e dos órgãos da digestão. Isso era incompatível com um conceito artístico que idealizava o homem e que queria fazer dele a imagem de Deus ou indivíduo soberano. Bruegel não tinha esses escrúpulos. Em “A ceia de casamento”, duas pessoas têm a colher na boca, um convidado leva uma caneca aos lábios e, em primeiro plano a criança lambe o dedo.»
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