No Carnaval ou Entrudo, em particular na Terça-Feira Gorda, que antecedia a Quaresma, os crentes desforravam-se dos vindouros dias magros, comendo à tripa forra e cometendo toda a casta de desmandos, pondo «o mundo às avessas». Os “dias gordos”, em que se podia comer carne, eram a terça-feira, a quinta-feira e o Domingo.
«No Entrudo come-se tudo» dizia-se antigamente, no carnaval português – caceteiro e ofensivo, avinhado e licencioso – que representava o mundo às avessas, de que já Gil Vicente falava, em que a música e a dança, as folias e cortejos de cabeçudos, as brincadeiras bastante desregradas, sob a desculpa de que “É Carnaval, ninguém leva a mal”, serviam de escape para o período de sacrifícios que precedia a Páscoa. Era preciso comer muita carne e bem gorda para nutrir o corpo e sofrer melhor o jejum da Quaresma que se avizinhava, porque o trabalho dos campos não era pêra doce.
Nos três dias de Entrudo, em todo o Portugal, enchiam-se os bandulhos com inúmeras variantes de uma espécie de cozido ou feijoada, confeccionado com feijões grandes ou feijocas e “carnes do sal” (as menos nobres da matança do porco guardadas nas arcas salgadeiras, como o focinho, a orelha, alguns ossos do cachaço ou do peito, toucinho entremeado, etc.), com ou sem couves, algum chouriço e o imprescindível ”bucho”, uma espécie de morcela gigante, feita com o estômago do porco e fumada.
Nas regiões mais pobres do Norte, por altura do Carnaval, comia-se o butelo, uma espécie de bucho, mas com ossos da suã (espinhaço do porco), cortados em pequenos pedaços, tenrilhas, as cartilagens das costelas e das vértebras, e o rabo – carnes temperadas com água, à semelhança do que acontece com as chouriças e os salpicões – com as cascas ou casulas, as vagens secas de feijão-verde.
Butelo com Cascas
1 kg de cascas; sal; um butelo; azeite; presunto; orelheira; costelas.
Coloque as cascas de molho em água fria. No dia seguinte, coza-as com sal junto com o butelo. Quando tudo estiver bem cozido, escorra as cascas para uma terrina ou para uma travessa funda, dispondo por cima o butelo partido em pedaços e regando tudo com um bom azeite cru. Pode acrescentar um bocado de presunto, orelheira e umas costelas. (MINHA TERRA)
Em Valongo existe ainda a tradição das Sopas Secas e do Pudim de Pão para aproveitamento dos restos dos pães. As Sopas Secas eram consumidas especialmente no fim das vindimas, no dia de Finados e no Carnaval, variando a sua confecção com o lugar: eram feitas com fatias de pão de trigo embebidas em água quente ou chá, polvilhadas com açúcar e canela (a que se juntava mel e vinho do Porto) e tostadas no forno; nas freguesias de Campo e Sobrado passava‑se o pão por ovo e nos casamentos rurais e festas das vindimas, a água ou o chá eram substituídos por caldo de cozer carnes.
Os Pastéis de Entrudo de Vinhais, com forma de meia-lua e semelhantes aos pastéis de massa tenra, são feitos no sábado de Entrudo e consumidos até à terça-feira de Carnaval; de massa finíssima à base de farinha de trigo, azeite e sal e com recheio de carne de vitela, presunto, chouriça de carne, ovos cozidos e salsa.
Em S. Miguel – Açores, existe uma espécie de filhó, comida durante o Carnaval, que remonta ao tempo dos povoadores da Madeira e do arquipélago dos Açores e se expandiu pelo mundo:
Malassadas ou Melassada
Farinha 1 kg; açúcar 100 g; 1,5 l de leite; massa lêveda 300 g; fermento 20 g; banha 50 g; ovos 4; canela.
Misture a farinha peneirada com o açúcar, faça um buraco ao meio, junte o fermento diluído em leite morno e os ovos batidos. Amasse bem, juntando aos poucos o leite necessário para obter uma massa branda. Deixe levedar. Num tacho ao lume derreta até ferver a banha, que só deve encher meio tacho. Depois vá cortando a massa em pequenas porções, e com ela nas mãos e junto ao tacho, faça um furo no meio com os dedos. Deixe cair assim na banha (ou em azeite) e, à medida que for fritando, vá virando a malassada. Quando a tirar do tacho, escorra e polvilhe de açúcar e canela.
Estes fritos antiquíssimos eram consumidos na Madeira, especialmente na Terça-feira Gorda, o dia anterior à Quarta-feira de Cinzas e o último do Entrudo. Faziam-se as malassadas para utilizar toda a manteiga e banha (de origem animal) e o açúcar (pecado da gulodice) das casas, antes do período de jejum nos dias magros da Quaresma.
No Havai, a terça-feira de Carnaval, o Mardi Gras, é conhecida como Malasada Day (Dia da Malassada), e essa tradição remonta aos dias das plantações de cana-de-açúcar do século XIX, levada da Madeira e dos Açores por emigrantes portugueses católicos, que faziam grandes quantidades de malassadas para partilharem com os trabalhadores de outras nações.
Nos Estados Unidos da América, os descendentes de portugueses ainda fazem esta espécie de sonhos.
A gianduia é o nome de uma marioneta do carnaval, dado pelos Piemonteses à mistura de 70% de chocolate com 30% de pasta de avelãs moídas e açúcar, produzida em Turim, na Itália, desde 1806, quando Napoleão conquistou Piemonte. Com o bloqueio económico, o abastecimento de cacau ficou muito difícil e os chocolateiros Paul Caffarel e Michele Prochet, donos da Caffarel – uma das clássicas fábricas de chocolate italianas – para fazerem render o produto, começaram a adicionar ao chocolate as avelãs, que tinham em grande quantidade, criando a gianduja.
Creme de Gianduia
600 g de natas frescas; 60 g de pasta de avelãs; 60 g de chocolate meio amargo; 30 g de cacau em pó; 70 g de avelãs torradas e moídas.
Derreta em banho-maria a pasta de avelãs, o chocolate e o cacau em pó peneirado. Retire do calor e acrescente as avelãs moídas. Misture bem e deixe arrefecer. Envolva as natas batidas em chantilly médio. Utilize como recheio de tortas geladas.
(História dos Paladares, de Deana Barroqueiro)
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