17/06/2014

A colónia pernambucana

Paulo Curado, Público, 16/06/2014

"Portugal é longe?” Perguntou-me um jovem gasolineiro, com acento nordestino, num posto de abastecimento da Rodovia dos Bandeirantes, a meio caminho entre São Paulo e Campinas. Disse que sim e perguntei-lhe de onde era: “Sou do Pernambuco [Estado do Nordeste]. Aqui todo o mundo é de lá.” E com “todo o mundo” estamos a falar de aproximadamente 20 colegas de trabalho que corriam incessantemente de carro para carro. O trânsito era intenso na tarde deste sábado. “Todos? – estranhei – O patrão só gosta de gente de lá?”. Riu-se: “Que nada. É que os paulistanos não gostam muito disto. Têm de trabalhar todo o final de semana e só com um dia de folga.”

Confirmei a existência desta pequena colónia pernambucana ao pagar a conta na caixa da bomba, onde fui atendido por Marcos, natural de Caruaru, uma cidade do interior desse estado nordestino. “É português? É bonita a forma como falam, gostava de falar desse jeito. Um dia queria conhecer o Portugal. Como faz para ir lá?” Aconselhei avião ou barco. Franziu a testa como se reflectisse pela primeira vez sobre a existência de um oceano a separar os dois países.
 
A conversa fez-me recordar uma outra, bem mais desconcertante, há alguns anos, perto de Jaboatão dos Guararapes, em Pernambuco. Aqui verifiquei, pela primeira vez, a distância mental que muitos brasileiros têm acerca de Portugal, pelo menos quando o assunto é geografia.

No estacionamento de uma pequena gasolineira, um motorista de pesados estranhou o meu sotaque e perguntou-me de onde vinha. “Português? Do Portugal? Pensei que fosse argentino…” Atropelou-me com novas questões. “Portugal é perto da Europa? É bonito? Gostava de conhecer. Como faço para ir lá?" O avião pareceu-me a sugestão mais lógica, mas o meu interlocutor torceu imediatamente o nariz. “Nunca andei nesse bicho e não vou voar. Queria ir no meu caminhão!”
“De caminhão?!” Contive uma gargalhada. “Bem… não é possível. Há o mar a separar-nos…  se não for de avião, só de barco…” A segunda hipótese também desagradou. “Não ando de barco nem morto. Queria ir por estrada.” Levei algum tempo a demonstrar a impossibilidade física da demanda e tenho dúvidas que tenha conseguido, mas guardei o episódio na memória.

Tempos depois, já em Lisboa, encontrei um amigo angolano que havia residido alguns anos em Olinda, no litoral pernambucano. Veio à baila a história do camionista, mas ele tinha uma experiência ainda mais perturbadora para a troca. Ao chegar de avião a Recife (capital pernambucana), após uma curta estadia em Luanda, apanhou um táxi no aeroporto. O motorista perguntou-lhe de onde vinha. “De Angola? É angolano? Sério? E como fala tão bem português?” O meu amigo não estranhou tanto, estava habituado às dúvidas que suscitavam o seu país de origem a muita gente por aquelas paragens.

“No meu país fala-se português”, explicou paciente. Espanto do motorista. “Sério? Sabia não. Pensei que só se falava no Brasil”. Ao ouvir isto, o angolano não se conteve: “Então e em Portugal? Não falam português?”. Resposta pronta do taxista: “Ah, mas não falam bem. É um português meio estranho…”

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