15/01/2011

Portugal e os cidadãos de primeira - Carlos Castro e Vítor Alves

As mortes de Vítor Alves, capitão de Abril, e do cronista cor-de-rosa Carlos Castro mostram algumas evidências sobre o país — escreve António de Sousa Duarte no “Público”, num comentário em que critica o comportamento deplorável dos media.









Portugal e os cidadãos de primeira

Separadas por escassas horas, as mortes do coronel Vítor Alves, “capitão de Abril”, e do cronista “cor-de-rosa” Carlos Castro tiveram o condão de fazer notar uma vez mais algumas evidências sobre Portugal e os portugueses que nunca será de mais destacar. Na verdade, mesmo admitindo as macabras circunstâncias em que Castro foi assassinado e os requintes de malvadez de que foi aparentemente vítima, não parece normal que tal facto tenha merecido tão esmagadoramente maior espaço mediático do que o desaparecimento de um dos principais símbolos da Revolução do 25 de Abril de 1974 e destacado operacional da construção do processo democrático.

Vítor Alves faleceu domingo, cerca de 36 horas depois da morte, em Nova Iorque, de um colunista social conhecido por se dedicar há décadas a analisar os factos da actualidade “cor-de-rosa” nacional. Considerado em muitas das biografias espontâneas que dele nos últimos dias chegaram ao nosso conhecimento como “um cidadão de primeira”, Vítor Alves foi um homem probo, sério, rigoroso, sensível que contribuiu de forma decisiva – antes e depois do dia 25 de Abril de 74 – para o actual regime democrático em Portugal. Vítor Alves, que integrou, com Vasco Lourenço e Otelo Saraiva de Carvalho, a comissão coordenadora e executiva do MFA (Movimento das Forças Armadas), foi o autor do primeiro comunicado dirigido à população no dia 25 de Abril e o militar que foi o porta-voz do Movimento. Mas as exéquias mediáticas de Vítor Alves foram curtas, muito curtas, se levarmos em conta a importância do seu legado e o impacte informativo que outros factos da actualidade suscitaram e de que é exemplo, sublinho, a vaga noticiosa relativa à morte de Carlos Castro.

O país trocou “um cidadão de primeira” por uma “história de segunda”, mas o desiderato é positivo: chancela-se a morte do militar, político, ministro e conselheiro da Revolução em rodapés a correr e baixos de página e atribuem-se honras de Estado… mediático ao assassinato do cronista (não cronista social como alguns lhe chamam, como se Carlos Castro e Fernão Lopes fossem páginas do mesmo livro…) e às incidências macrotrágicas em que foi encontrado o seu corpo após alegada tortura, castração e assassinato. Mas a responsabilidade de todo este “estado a que – de novo e citando Salgueiro Maia – chegámos” não é do povo. Porque não é o povo que edita jornais, blocos noticiosos, telejornais ou sites. Nem é o povo o responsável por Marcelo Rebelo de Sousa ter dedicado ontem, no Jornal da TVI, mais tempo de antena à morte de Carlos Castro do que ao desaparecimento de Vítor Alves.

António de Sousa Duarte
Ex-jornalista, consultor de comunicação, doutorando em Ciência Política
“Público” 12 Jan 2011

3 comentários:

Ofélia disse...

Olá Deana. No preciso momento em que leio este texto, começa o telejornal das 20 horas na Sic. Adivinhe a notícia de abertura? A missa em Newark e entrevistas aos populares...em directo. Palavras para quê?

carlos peres feio disse...

certo jornalismo desceu a zero numa escala de zero a vinte - bj
carlos peres feio

bluegirl disse...

É certo que este tipo de opções, por parte dos "media", é altamente censurável. Todavia, desresponsabilizar o "povo" não me parece adequado. Afinal, ao que tudo indica, as revistas "cor de rosa" têm bastante saída e não faltam audiências aos noticiários que "abrem" com esse tipo de histórias "sem categoria" (chamar-lhes de 2ª categoria é imerecida promoção). E tudo isto nos levaria tão longe, ao factor x, a educação (ou a sua falta)...
Bluegirl