08/02/2014

As ilegalidades de um Governo-contra-cultura



  Um alerta de Teresa Rita Lopes, professora universitária e poetisa
85 obras de arte do pintor catalão Joan Miró vão a leilão na terça e quarta-feira em Londres

É importante continuarmos atentos ao desenrolar do caso dos quadros de Miró. Ouvi ontem à noite as declarações daquela estranha criatura que dá a cara como Secretário da Cultura (que fica mal representada! Não acho bem achincalhar alguém pelo rosto que Deus - ou o Diabo – lhe deu, mas a verdade é que há gente que merece mesmo a cara que tem, não sei se de pau se de que outro qualquer inexpressivo material.) 

Está provado e declarado (até pelo Ministério Público) que os quadros saíram clandestinamente de Portugal, em Mala Diplomática – sabe-se lá que outros valores assim saem do país! Honra seja feita às sentinelas vigilantes da Cultura que denunciaram a falcatrua: sobretudo a Gabriela Canavilhas  que deu, ontem à noite, a (bela!) cara , num debate televisivo com a representante do Governo, que usava o argumento que continuam a brandir, todos com o mesmo adjectivo: a cultura não é para eles, PRIORITÁRIA!  E os quadros do Miro também não! 

Hoje, na AR, repetiram-no à exaustão! Até comentadores da sua cor política comentaram ontem na TV a importância da incorporação desses quadros no nosso cabedal cultural – museológico e até turístico! Já que estamos destinados a viver do turismo ( desde a entrada para a U.E., em que nos destruíram a agricultura, pescas e outros meios de subsistência) , desenvolvamos o turismo cultural, associado ao do Sol! (É claro que se o Governo pudesse também  reduziria o Sol a patacos, como não “prioritário”!) Esses 85 quadros são o maior testemunho da arte de um importante pintor ibérico da Modernidade, cobrindo as sucessivas fases da sua criação artística.  Nem o museu que, em Barcelona, recolhe a sua obra dispõe de tal tesouro. O Secretário da Cultura e adjacentes passam a si próprios, por actos e palavras, um explícito atestado da sua escandalosa incultura.

Estas atitudes vêm de trás: também disseram os dessa cor política que as gravuras de Foz Côa eram rabiscos de caçadores, para levarem por diante os seus negócios. Uma historieta: no ano do centenário do nascimento de Pessoa, 1988,  bati-me, com o meu grupo pessoano, para que na casa em que nasceu fosse instalado um Museu Modernista (para pôr espólios vários, não só o de Pessoa mas também o que consegui que o Banco Totta adquirisse num leilão, o do companheiro de lides José Pacheco, director da revista CONTEMPORÂNEA – agora, inactivo, no Centro Nacional de Cultura). 

Assistimos, numa das nossas visitas a esse sítio, à abordagem de um casal estrangeiro ao polícia de giro, perguntando-lhe qual era a casa de Pessoa. O homem, que tinha a tal elementar instrução salazarista para que os actuais governantes nos querem fazer regressar, franziu a cara, puxou pelos seus escassos conhecimentos, e informou:
“Mas olhe que eu acho que esse gajo já morreu há uma data de tempo…!”

A verdade é que o Pessoa é, hoje, fora de portas, quase tão conhecido, pelas criações da  sua cabeça como o Ronaldo, pela habilidade dos seus pés! ( e as criações dessa parte nobre do corpo são mais duráveis que os pontapés!) E que já há muita gente a vir conhecer Lisboa por ser a cidade de Pessoa – como outros, Praga, por ser a de Kafka!
Até já há gente a ir a Tavira por ser a cidade natal de Álvaro de Campos! O que chamo turismo cultural é isto.

Teresa Rita Lopes

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