O Malcozinhado

O lanço de escadas do Celeiro e da Alfândega, com aquela formosa colunata que se estende até ao mar, abrigam o grande mercado de pescado (o Açougue do Pescado do Concelho) e de doces. Todos os dias aqui vêm muitos peixeiros, hortelãos, confeiteiros, cortadores, padeiros e doceiros a vender o que trazem para alimento da cidade. Nosso amo está bem mais satisfeito, por já lhe ter dado pelas ventas o cheiro do Malcozinhado, um lugar de dez cabanas onde grande soma de homens e mulheres estão de contínuo, com braseiros de fogo, a assar sardinhas e peixe de toda a outra sorte, segundo os chincheiros e linheiros os pescam. Para aí nos leva ele, pressuroso, e nos deixa junto à praia: “Vê lá se me aprontas mais alguma, meu tinhoso, que te vendo na Ribeira hoje mesmo! E toma-me tento na burrica…”

O Poeta acerca-se de mim com um sorriso. O sol da tarde, a descer

Isto foi já dito para duas donas que passavam e riam, mirando o Poeta. A maior delas falou com sanha: “Que quer o Cara-sem-olhos? Melhor fora que se escondera!” A mão do Poeta ficou queda, um instante, no pescoço d’Esmeralda e o seu riso soou triste. Disse rijo para as damas que se afastavam:
“Sem olhos vi o mal claro
Que dos olhos se seguiu,
Pois cara sem olhos viu
Olhos que lhe custam caro.
De olhos não faço menção,
Pois quereis que olhos não sejam:
Vendo-vos, olhos sobejam;
Não vos vendo, olhos não são.”
Elas, rindo, atiram-lhe de longe com um “Sois sempre o mesmo!”. O Poeta dá-me uma palmadita amiga no lombo e diz, amargo: “O mesmo, Estalo, ouviste?! Só por escárnio me podem dizer tal! Uma máscara de causar medo ou horror! Perdigão perdeu a pena, não há mal que lhe não venha! Pois foi assi, meu amigo, num momento perdi a pena de voar e ganhei a pena do tormento… Mas nada de tristezas, meu bom Estalo, pois tu estás namorado, que é como se deve andar no mundo e eu vou beber uma canada à saúde dos vossos amores. Tomai de presente, um torrãozinho de açúcar desse Brasil que eu espero ver um dia!”
“Sem olhos vi o mal claro
Que dos olhos se seguiu,
Pois cara sem olhos viu
Olhos que lhe custam caro.

De olhos não faço menção,
Pois quereis que olhos não sejam:
Vendo-vos, olhos sobejam;
Não vos vendo, olhos não são.”
Elas, rindo, atiram-lhe de longe com um “Sois sempre o mesmo!”. O Poeta dá-me uma palmadita amiga no lombo e diz, amargo: “O mesmo, Estalo, ouviste?! Só por escárnio me podem dizer tal! Uma máscara de causar medo ou horror! Perdigão perdeu a pena, não há mal que lhe não venha! Pois foi assi, meu amigo, num momento perdi a pena de voar e ganhei a pena do tormento… Mas nada de tristezas, meu bom Estalo, pois tu estás namorado, que é como se deve andar no mundo e eu vou beber uma canada à saúde dos vossos amores. Tomai de presente, um torrãozinho de açúcar desse Brasil que eu espero ver um dia!”
E, com a liberalidade de um príncipe, o pobre Poeta botou em nossas bocas um seixito branco da doçura dos deuses.
1 comentário:
Muito a proposito a aparicao do Poeta e a insercao do poema galanteado as donzelas.
E, a proposito, cada qual protege a sua Esmeralda...
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