13/02/2014

Em mim ninguém manda (nem a protecção civil)

por Catarina Fonseca, em 10.02.14
A mim o que mais me espanta nisto tudo da tempestade e das ondas e dos granizos é a quantidade de gente que se aproxima para ver de perto a morte.
Eu se visse uma onda do tamanho de um prédio de 30 andares rolar na minha direção a gritar e a abanar os braços, podem crer que não ficava lá para registar o fenómeno para a posteridade.

Mas os bravos portugueses ficam. Ninguém arreda pé. A proteção civil manda ficar em casa e nós pimba. Mar. Praia. Se nos mandassem ir para a praia, ficávamos no Facebook embrulhados em mantas, pálidos que nem bonecos de neve, a protestar ‘olha agora querem que eu vá para a praia! Fazer exercício, dizem eles. Apanhar sol, dizem eles. Ver as ondas, dizem eles. Olha agora não vou. Em mim ninguém manda e daqui ninguém me tira’.

Bem, então todos os dias há um vídeo amador com o título ‘onda gigante’ filmada, obviamente, por um humano com qualquer tipo de câmara.
As ondas inglesas são filmadas de longe. Mesmo quando são mais ou menos ao perto, não se vê um ser humano na tempestade.

Nós não. Está lá tudo. Há ondas que devem ter mais participação que uma manif. Todos os dias, lá aparece mais uma foto ou um vídeo amador de ‘onda gigante’. E na dita foto costuma estar não apenas o dito humano autor da dita como um aglomerado de outros humanos, incluindo crianças, que vieram ver o fenómeno.
Dizem-me que depende do ângulo. Que não estão assim tão perto. Espero bem que não. Noutras, vê-se que estão mesmo em cima do acontecimento. 

Hoje em dia, a malta não se importa nada de morrer. Quer é morrer na glória de ter tido bués likes no Facebook ou de ter visto a sua foto/video nos sites dos jornais.
Sei lá. Talvez seja isto que fez de nós Descobridores. Enquanto os outros bazavam barco fora, a malta agarrava-se ao mastro e gritava ‘Ó Manel Zé, aguenta-te à bronca que vem lá uma onda fantástica para postar no Instagram!’

Ou se calhar, ser estúpido também faz parte de ser humano. Se calhar precisamos de adrenalina para nos sentirmos vivos. O pior é quando morremos porque precisámos de nos sentir vivos. Mas pronto. Isso já é outra história.

De uma maneira ou de outra, cuidado com a adrenalina. Como todas as drogas, faz-vos mal. Quando for para ficar em casa, por favor fiquem em casa.
As pessoas que eu amo, pelo menos. As outras podem fazer o que quiserem.
 

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