25/01/2014

Falar de ciência, cultura e inovação com cortes em pano de fundo

ANA GERSCHENFELD, Público 25/01/2014

Durante uma conferência organizada pela Fundação Francisco Manuel dos Santos em Lisboa, intervenientes criticaram os recentes cortes no financiamento do sistema científico nacional.
 “Não houve por aí um sítio onde o número de estudantes de doutoramento caiu 40%?” A pergunta, irónica, veio do biólogo britânico Paul Nurse, prémio Nobel da Medicina e presidente da Royal Society, durante a palestra, intitulada “Fazer funcionar a ciência”, que proferiu na sexta-feira na Universidade de Lisboa (UL).

Recorde-se que, como se soube há dias, o número de bolsas de doutoramento atribuído pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) sofreu uma queda de 40% em relação ao ano anterior e que o das bolsas de pós-doutoramento diminuiu 65%.

Nurse não foi o primeiro nem o último a referir-se directa e duramente, ao longo de uma conferência organizada pela Fundação Francisco Manuel do Santos (FFMS) sobre o tema “ciência, cultura e inovação”, aos recentes cortes do financiamento público da ciência em Portugal. 

Logo no início, enquanto dava as boas-vindas aos intervenientes perante uma sala cheia, o reitor da UL, António Cruz Serra, evocou durante alguns minutos “o enorme ataque às universidades e o desinvestimento na ciência”, achando que “as circunstâncias exigiam que fizesse este discurso”. Também o sociólogo António Barreto, presidente da FFMS, argumentou na sua curta intervenção que “embora nada nem ninguém escape aos cortes, o que em certo sentido é justo, a austeridade excessiva pode causar mais estragos do que benefícios”.

Mais tarde, Paul Nurse faria notar ainda que “quando se corta do lado das descobertas científicas, rapidamente se perde a inovação a curto prazo”, qualificando quem acredita o contrário de “ingénuo”.

 José Brandão de Brito, do Instituto Superior de Economia e Gestão, foi outro orador que não quis deixar de salientar oportuna a realização da conferência num momento em que a ciência “acaba de receber um enorme e violento golpe – talvez o maior desde que recuperámos a democracia em 1974”.

 Já à margem do evento, Carlos Salema, que foi presidente da JNICT (antecessora da FCT) entre 1989 e 1992, disse ao PÚBLICO que o que está a acontecer é “sobretudo uma alteração profunda” de uma situação que já existia, mas que está agora a ser feita “com pouco cuidado”. “Claro que não concordo!”, exclamou. “Passar de mil bolsas [de doutouramento] para 300!”. 

Graça Carvalho, ex-ministra da Ciência de Durão Barroso e hoje eurodeputada, mostrou-se mais moderada, mas disse-nos, contudo, que o corte “deveria ter sido mais gradual” e que “em altura de crise faz mais sentido continuar com mais bolsas individuais do que ter tantos cursos doutorais”, fazendo referência às novas bolsas criadas pelo Governo em 2012 e que são atribuídas pelas universidades aos seus candidatos a doutoramento. “É mais barato e [as bolsas individuais] chegam mais depressa às pessoas.”

 Elvira Fortunato, da Universidade Nova de Lisboa, desenvolveu há uns anos o primeiro transístor em papel. E a área em que trabalha – engenharia dos materiais – foi considerada pela União Europeia como uma das mais competitivas em Portugal. Porém, também não escapou aos cortes. “Acho que o corte foi muito drástico”, disse-nos. “E foi transversal”, acrescenta – em todas as áreas, de forma indiscriminada. “No ano passado, a área [dos materiais] teve 54 bolsas de doutoramento; este ano foram nove, com a desculpa de que havia os planos [bolsas] doutorais.” Mas essas são ainda menos – apenas seis – o que corresponde a uma quebra de mais de 70%.

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